Santos M, Almeida A, Chagas D. Trabalho Hipobárico em contexto de Saúde e Segurança Ocupacionais. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. 2025; 19: esub480. DOI: 10.31252/RPSO.08.03.2025
HYPOBARIC WORK IN THE CONTEXT OF OCCUPATIONAL HEALTH AND SAFETY
TIPO DE ARTIGO: Artigo de Revisão
AUTORES: Santos M(1), Almeida A(2), Chagas D(3).
RESUMO
Introdução/enquadramento/objetivos
A exposição a ambientes hipobáricos apresenta consequências médicas, eventualmente relevantes ou até fatais. Parte dos estudos é dirigida a indivíduos que se encontram nessas circunstâncias em função do seu trabalho (setor da aviação e/ou guias turísticos em zonas de altitude muito elevada); outra parte estuda os habitantes locais destas regiões e/ou os praticantes de desportos a esse nível, mas cujos dados fisiopatológicos poderão ser generalizados para o contexto laboral. Pretende-se com esta revisão resumir o que de mais recente e relevante se publicou sobre este tema.
Metodologia
Trata-se de uma Revisão Bibliográfica, iniciada através de uma pesquisa realizada em abril de 2024 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
Conteúdo
A altitude elevada resulta em pressão barométrica mais baixa e, por isso, menor pressão parcial de oxigénio arterial e dos tecidos e maior produção de espécies reativas de oxigénio e de nitrogénio, com danos a nível proteico, lipídico e de DNA, surgindo hipoxia tecidual- ou seja, surge a hipoxia hipobárica e o stress oxidativo; também pode ocorrer diminuição da atividade anti-oxidante. A hipoxia também pode potenciar a produção de citocinas e estimular os quimiorecetores carotídeos, potenciando a frequência/ventilação respiratória e a atividade simpática; bem como o output cardíaco/frequência cardíaca e a concentração de hemoglobina, como aclimatização; contudo, por vezes, estas adaptações tornam-se desadequadas.
Nos resultados estão também inseridos dados relativos a noções de fisiopatologia, Doença da Montanha aguda e crónica (e respetivos edemas pulmonar e/ou cerebral), medidas de proteção e terapêuticas utilizadas e em investigação.
Discussão e Conclusões
Em termos geográficos Portugal não tem zonas com muita altitude, mas existem obviamente os profissionais da aviação.
Seria interessante perceber a semiologia/patologias apresentadas por estes indivíduos e correlacionar tal com variáveis sociodemográficas, médicas e laborais; bem como listar as medidas de proteção colocadas e avaliar a eficácia das mesmas, para além da existência de formação e conhecimentos gerais dos indivíduos que trabalham neste setor.
PALAVRAS-CHAVE: trabalho hipobárico, hipoxia, saúde ocupacional, medicina do trabalho, enfermagem do trabalho e segurança no trabalho.
ABSTRACT
Introduction/framework/objectives
Exposure to hypobaric environments has medical consequences, which may be relevant or even fatal. Part of the studies are aimed at individuals who find themselves in these circumstances due to their work (aviation sector and/or tourist guides in very high altitude areas); another part studies local inhabitants of these regions and/or those who practice sports at that level, but whose pathophysiological data could be generalized to the work context. This review aims to summarize the most recent and relevant information published on this topic.
Methodology
This is a Bibliographic Review, initiated through a search carried out in April 2024 in the databases “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina and RCAAP”.
Content
High altitude results in lower barometric pressure and, therefore, lower partial pressure of arterial and tissue oxygen and greater production of reactive oxygen and nitrogen species, with damage to proteins, lipids and DNA, resulting in tissue hypoxia- that is, hypobaric hypoxia and oxidative stress appear; a decrease in anti-oxidant activity may also occur. Hypoxia can also enhance the production of cytokines and stimulate carotid chemoreceptors, enhancing respiratory rate/ventilation and sympathetic activity; as well as cardiac output/heart rate and hemoglobin concentration, as acclimatization; however, sometimes these adaptations become inappropriate.
The results also include data relating to notions of pathophysiology, acute and chronic Mountain Disease (and respective pulmonary and/or cerebral edema), protective measures and therapies used and under investigation.
Discussion and Conclusions
In geographical terms, Portugal do not have areas with high altitude, but there are obviously aviation professionals.
It would be interesting to understand the semiology/pathologies presented by these individuals and correlate this with sociodemographic, medical and work variables; as well as listing the protection measures put in place and evaluating their effectiveness, in addition to the existence of training and general knowledge of individuals working in this sector.
KEYWORDS: hypobaric work, hypoxia, occupational health, occupational medicine, occupational nursing and occupational safety.
INTRODUÇÃO
A exposição a ambientes hipobáricos apresenta consequências médicas, eventualmente relevantes ou até fatais. Parte dos estudos é dirigida a indivíduos que se encontram nessas circunstâncias em função do seu trabalho (setor da aviação e/ou guias turísticos em zonas de altitude muito elevada); outra parte estuda os habitantes locais destas regiões e/ou os praticantes de desportos a esse nível, mas cujos dados fisiopatológicos poderão ser generalizados para o contexto laboral.
Exemplos de profissionais em maior perigo neste contexto serão os pilotos de avião e de outras aeronaves (como helicópteros), socorristas de montanha e funcionários de construção civil em áreas geográficas de elevada altitude. Por exemplo, as operações de socorrismo nos Alpes geralmente ocorrem entre 2500 a 4000 metros, condições que já implicam uma pressão de oxigénio de um terço (1). Estima-se que 140 milhões de indivíduos residam permanentemente a mais que 2500 metros e que mais de 35 milhões viajem para esse nível anualmente; logo, perceber o que isto implica no organismo é relevante (2).
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
–P (population): trabalhadores a exercer em condições hipobáricas
–I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre de que forma as caraterísticas do trabalho hipobárico podem modular a saúde e segurança ocupacionais
–C (context): saúde e segurança ocupacionais aplicadas a postos de trabalho com tarefas hipobáricas.
Assim, a pergunta protocolar será: Quais as caraterísticas do trabalhado hipobárico que poderão interferir com a saúde e segurança ocupacionais?
Foi realizada uma pesquisa em abril de 2024 nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados.
CONTEÚDO
Fisiopatologia
A altitude elevada resulta em pressão barométrica mais baixa (2) (3) (4) (5) (6) e, por isso, menor pressão parcial de oxigénio (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9) arterial (7) e dos tecidos (4) (5) (6) e maior produção de espécies reativas de oxigénio (3) (5) (6) e de nitrogénio (5), com danos a nível proteico, lipídico e de DNA (3) (6), surgindo hipoxia tecidual (7)- ou seja, surge a hipoxia hipobárica (5) e o stress oxidativo (6); também pode ocorrer diminuição da atividade antioxidante (5) (6); logo, incremento da apoptose (5). A hipoxia também pode potenciar a produção de citocinas (6).
A hipoxia estimula os quimiorecetores carotídeos, potenciando a frequência (10)/ventilação respiratória (3) (4) (6) (9) e a atividade simpática (10); bem como do output cardíaco (3) (6) /frequência cardíaca (4) (9) e da concentração de hemoglobina (3) (6), como aclimatização (6); contudo, por vezes, estas adaptações tornam-se desadequadas (4).
O rim ajustará a parte dos eletrólitos e do equilíbrio ácido-base (3). O aumento da frequência respiratória origina uma hipocápnia (9) (11), que estimula o rim a excretar mais bicarbonato (9), para atenuar a alcalose (9) (11). Nos primeiros segundos de hipoxia, aumenta o débito cardíaco à custa da frequência cardíaca e não do volume de ejeção. O aumento de monóxido de carbono é paralelo à diminuição de oxigénio. Passados alguns dias o monóxido de carbono diminuiu, ainda que se mantenha a taquicardia, devido às adaptações nos sistemas nervoso simpático e parassimpático; mais tarde, também a frequência respiratória normaliza. A ventilação alveolar, inicialmente, pode aumentar até cinco vezes (2).
Em algumas horas aumenta a concentração de eritrócitos devido à diminuição do volume plasmático, secundária à desidratação. Posteriormente, aumenta a eritropoietina em 24 a 48 horas e normaliza no final da primeira semana. Os eritrócitos aumentam em número passadas três a quatro semanas (2).
Quando se está em situação de voo, além das alterações inerentes ao aumento da altitude, também interferem o ruído, vibrações, velocidade, fadiga física e mental, além de eventual desorientação espacial (11).
A vascularização coclear, por exemplo, diminuiu após uma exposição a 85 decibéis por cerca de seis horas; outros investigadores consideram que tal ocorre apenas para níveis superiores a 100 decibéis. O ouvido fica mais sensível a estes danos se estiver a elevada altitude (e acredita-se que a aclimatização não atenue tal), em função da diminuição de difusão do oxigénio (1).
A hipoxia hipobárica também induz alterações oculares, ainda que o mecanismo não esteja claro: poderá envolver o edema da córnea e alterações na pressão e circulação do humor aquoso (12).
Como a exigência muscular súbita e intensa não é aeróbica, a altitude não deverá interferir; por exemplo, em jogos olímpicos realizados na Cidade do México comprovou-se isso. A diminuição da resistência ao movimento e o diferente recrutamento muscular fica potenciado com o metabolismo anaeróbico. Contudo, alguns estudos publicaram que a hipoxia hipobárica diminui a função e potência musculares para altitudes elevadas (5.500 metros) (7). A ativação muscular simpática demonstrou-se elevada depois de 15 a 17 dias de exposição à hipoxia hipobárica; como a administração de dopamina não parece alterar tal, supõe-se que o mecanismo explicativo seja outro, ainda que pouco conhecido (10). Está também publicado que a hipoxia hipobárica discreta (versus hipoxia hiperbárica) parece obter um melhor rendimento muscular (a nível de velocidade e força) (7).
A exposição à diminuição da pressão atmosférica (mesmo sem hipoxia) poderá causar danos na integridade da matéria branca e diminuição da função cognitiva; ainda que tal seja modulado por neuroquímicos, como a glutationa, n-acetil-aspartato e glutamato/glutamina. Esta situação poderá ser demonstrada por vertigem, cefaleia, desorientação, alterações da dicção, descoordenação, alterações visuais, astenia e diminuição da função cognitiva (atenção, velocidade da fala, memória e funções executivas) (13). A hipoxia que existe durante os voos poderá alterar a segurança e desempenho, mesmo havendo suplementação de oxigénio, podendo ocorrer baurotrauma em cerca de 20% dos casos (8).
A hipoxia hipobárica induz alterações ainda no ventrículo esquerdo (disfunção sistólica subendocárdica). As células do miocárdio reagem com alterações na contração e relaxamento, de forma uniforme (14). A elevada altitude, a hipoxia com pressão atmosférica normal (normobárica) e a hipoxia hipobárica induzem alterações cardíacas equivalentes de adaptação, apesar de os níveis de oxigénio serem inferiores na elevada altitude e na hipoxia hipobárica (15). A função sistólica do ventrículo direito não é alterada pela hipoxia; ao contrário da diastólica (2).
Os residentes em locais de elevada altitude desenvolvem adaptações fisiológicas; contudo, ainda assim, a doença da montanha crónica está quantificada nesta população entre 5 a 33% (16). Estes apresentam diminuição da pressão de oxigénio noturno, o que leva a incremento da estimulação simpática (9) (16).
O óxido nítrico naturalmente produzido pelo organismo ajuda a atenuar a hipoxia, na medida em que é vasodilatador (5).
Alguns defendem que quase todos os parâmetros voltarão ao normal, quando se regressa a condições normobáricas (9).
Os mecanismos de má adaptação ocorrem quando os indivíduos viajam acima dos 2500 metros sem qualquer aclimatização; aí o pico dos sintomas ocorre entre 6 a 12 horas e incluiu anorexia, náusea, vómito, tontura, insónia e astenia. Estes poderão se justificar pelo incremento da perfusão do Sistema Nervoso Central, perturbando a circulação de radicais livres e de algumas citocinas; ou seja, alterando a barreira hematoencefálica. Para além disso, nas células musculares a hipoxia conduz à acumulação de líquido intracelular, que altera a bomba de transporte, implicando tal alterações nos radicais livres circulantes e potenciação do edema dos astrócitos; a irritação do trigémio poderá justificar a cefaleia (2).
Sintomas gerais
Os profissionais do setor deverão estar treinados para perceber as evidências da hipoxia inicial, para tomarem as medidas de segurança possíveis para atenuar os danos. Os sintomas podem ser categorizados em cinco níveis, nomeadamente: alterações da função cognitiva, visuais, psicomotoras, psicológicas e outras não específicas. Existem estudos que quantificaram que os pilotos perderam a consciência em 94% dos casos, se não treinados. Os sintomas mais frequentes de hipoxia hipobárica são a diminuição da concentração, alterações visuais, cognitivas (8), tontura, cefaleia (8) (9), sensação de calor (8), náusea, astenia e alterações cognitivas (9). Contudo, também está publicado que militares expostos a hipoxia hipobárica não aparentam ter diminuição da função cognitiva, alteração da tomada de decisão ou da capacidade para resolver problemas (controverso). A memória a curto prazo ficar ou não com alterações com a hipoxia hiperbárica também é controverso (17). Mesmo com suplementação de oxigénio para os pilotos de avião, a saturação de oxigénio pode chegar aos 85% acima dos 3800 metros, levando a alterações visuais, cognitivas e psicomotoras; para além de maior ansiedade, dispneia, parestesias, cefaleia, tontura, náusea e taquicardia; a concentração e o desempenho diminuíram e o aumentam os tempos de reação visual e auditivo (11), segundo alguns investigadores.
A pressão hipobárica poderá alterar o palato e o olfato; ou seja, a perceção, por exemplo, de alguns agentes químicos poderá ser perturbada, o que, em alguns contextos, poderá constituir um perigo (18).
Doença Aguda da Montanha
A altitude elevada leva à diminuição da pressão atmosférica de oxigénio (hipoxia hipobárica), originando tal várias alterações fisiológicas, nomeadamente o aumento da ventilação pulmonar, pressão arterial e policitemia, como já se mencionou; bem como diminuição da taxa de filtração renal e eventual doença renal crónica e alterações no aparelho reprodutor/endócrino e gastrointestinal (4) (19). As doenças associadas serão a Doença da Montanha e os edemas pulmonar e cerebral (2) (4) (19), eventualmente nela inseridos ou considerados como patologia à parte, consequentes do seu agravamento (2) (4). Também podem ocorrer outras síndromas cérebro-vasculares, edema periférico, retinopatia, tromboembolismo, alterações do sono, faringite, bronquite e queratite (“cegueira da neve”) e/ou agravamento de doenças pré-existentes. Fatores que irão modular o surgimento e gravidade destas situações são a velocidade da subida, mudança de altitude em metros, fisiologia individual, altitude a que se dorme, residir a menos que 900 metros de altitude, obesidade e doença coronária; indivíduos com asma deverão ter a patologia bem controlada, antes de irem para altitudes elevadas (4).
Aos 2500 metros já é possível que exista a Doença das Montanhas, bem como edema e hipertensão pulmonar, devido à hipoxia (4) (20); contudo, a pressão atmosférica é relevante nessas alturas. O aumento da frequência respiratória aumenta a quantidade de oxigénio alveolar e arterial e diminuiu a concentração de dióxido de carbono; contudo, o aumento da ventilação diminuiu com a cronicidade da exposição (20).
Alguns autores classificam a doença da altitude elevada em três níveis: elevada (de 1500 a 3500 metros), muito elevada (3500 a 5500) e extrema (mais que 5500) (4); também incluiu as versões aguda e crónica (2) (4) (doença de Monge) (4).
Geralmente o aumento da frequência respiratória e as alterações da concentração de hemoglobina como reação à diminuição da pressão de oxigénio são, por vezes, desadequadas.
Os principais sintomas da doença aguda da montanha são a cefaleia, anorexia, náusea, vómito, cefaleia, insónia e astenia; a primeira é a mais frequente (4).
Estima-se que cerca de 84% dos indivíduos que voem diretamente para um patamar de quase 4000 metros tenham a doença da elevada altitude; contudo, o edema cerebral e pulmonar terá apenas a prevalência de 0,1 e 4% (4).
-Edema pulmonar
A hipoxia crónica leva a remodulação pulmonar vascular (20), vasoconstrição (15), aumento da pressão arterial pulmonar (15) (20) e da resistência vascular pulmonar, mesmo com a normalização posterior do oxigénio (2) (20), por mecanismos ainda não totalmente compreendidos (2). Quando a exposição é intermitente não se encontram essas alterações pulmonares (20). A incidência de hipertensão pulmonar associada à altitude elevada é de 15% (21). A hipertensão pulmonar aumenta o exsudado, originando infiltrados periféricos. Os sintomas consistem em dispneia, tosse inicialmente sem expetoração (e depois com), taquicardia e cianose (eventualmente). Estes sintomas surgem nos indivíduos mais suscetíveis, nos primeiros dois a quatro dias acima dos 2500 metros; mas também dependem da velocidade da subida (2).
O edema pulmonar não tem etiologia cardíaca; carateriza-se por tosse, dispneia progressiva com o esforço e diminuição da tolerância ao exercício; geralmente dois a quatro dias após se atingirem altitudes elevadas; é raro ocorrer após uma semana de aclimatização. Ela justifica-se com a hipertensão pulmonar, mediada por diminuição da produção de óxido nítrico pulmonar, síntese aumentada de endotelina-1, aumento da ativação simpática e/ou defeito no mecanismo de transporte de sódio transepitelial alveolar (4).
A exposição crónica leva a remodulação da vascularização pulmonar, nos vasos grandes e pequenos; isto aumenta a pressão no ventrículo direito, piorada com o aumento da viscosidade sanguínea; parte destas alterações reverte com a normóxia. A remodulação vascular é justificada pela diminuição da apoptose e pela proliferação e migração de fibroblastos, que se irão transformar em células de músculo liso, que secretarão proteínas (2).
Povos que vivem há milhares de anos em sítios altos (como os Tibetanos, habitantes dos Andes e de algumas zonas da Etiópia), poderão elucidar algumas questões. Estes apresentam uma hipertensão pulmonar mínima, ausência de remodulação vascular e menor concentração de hemoglobina; a libertação de óxido nítrico parece estar aumentada. Algumas destas caraterísticas são moduladas por questões genéticas (2).
-Edema cerebral
O edema cerebral é potencialmente fatal (se não for tratado) e carateriza-se por alterações na consciência e/ou ataxia (4); se grave poderá levar à morte, devido a herniação (2).
Doença Crónica da Montanha
A exposição crónica a elevada altitude causa hipóxia hiperbárica. Havendo diminuição do fornecimento de oxigénio ao cérebro, poderão surgir alterações cognitivas e de humor, hormonais, do sono e da capacidade reprodutiva, segundo descrito. Uma das adaptações é o aumento do número de glóbulos vermelhos (17)- ou seja, eritrocitose, bem como aumento da concentração de hemoglobina (por vezes, mais que 21 gramas/dl no sexo masculino), dispneia, palpitações, tontura, alterações do sono, cianose, dilatação venosa periférica, cefaleia e zumbido. O mecanismo etiológico não é conhecido com rigor; geralmente leva a hipertensão pulmonar e insuficiência cardíaca direita e esquerda. A situação poderá ficar agravada ao dormir, se existirem alterações respiratórias associadas ao sono (16).
Medidas de Proteção Coletiva
A prevenção principal é a aclimatização, ou seja, subida lenta (2) e ter protocolos claros nesse sentido.
Na bibliografia selecionada apenas se mencionou a aclimatização; em contexto de stress oxidativo pode precisar de cerca de mais de 300 dias (5). Uma aclimatização correta pode implicar não avançar mais do que 300 a 500 metros de altitude por dia, com um dia de descanso ao terceiro ou quarto dia (2). Não foram encontradas menções a uma organização de serviços ocupacionais que classificassem a aptidão em função das patologias e outras caraterísticas dos trabalhadores, formação, organização de serviços de primeiros socorros, evicção de tarefas (se possível) nas fases do ano com piores condições climatéricas e acesso adequado sistema de comunicação e a fármacos que tenham alguma evidência de atenuar esta problemática.
Medidas de Proteção Individual
A única menção direta neste contexto foi relativa aos danos auditivos que, a grandes altitudes podem ser superiores, pelo que o limite para usar proteção auricular deverá ser inferior a 80-85 decibéis; alguns autores sugerem o ponto de corte de 75 decibéis (1). Não foram mencionados dados relativos a farda e calçado de material adequado, arnês e equipamentos equivalentes, bem como medicação adequada para as principais eventualidades médicas.
Terapêutica
Acredita-se que a administração de acetozolamida, três a cinco dias antes da subida, poderá ter alguma eficácia a prevenir a doença da altitude elevada, na dosagem de 250 a 750 mg/dia, ainda que possa surgir parésia como efeito secundário e a sua eficácia tenha evidência pouco robusta (4).
O fármaco canagliflozina é usado como antidiabético. Verificou-se que este consegue prevenir a remodulação vascular pulmonar e aumentar a sobrevida em estudos animais com edema pulmonar associado a altitude elevada; logo, poderá constituir uma opção terapêutica. Outros princípios ativos da mesma família têm alguns efeitos em comum (21).
A hipertensão pulmonar é a principal causa de morte da hipoxia hipobárica, na doença da altitude elevada. Carateriza-se por aumento da resistência vascular e insuficiência ventricular direita (21).
As terapêuticas atuais para esta questão incluem os bloqueadores dos canais de cálcio, óxido nítrico e prostaciclina, que levam à vasodilatação, mas por vezes não de forma satisfatória (21).
A maioria fica sem sintomas em três a quatro dias; se tal não acontecer, é prudente descer e fornecer oxigénio (2 a 4 litros/minuto), por 15 a 30 minutos. A administração de acetazolamida e/ou dexametasona também ajuda. Como a primeira deverá ser iniciada antes da subida, não é adequada quando a viagem não for planeada e/ou é necessário subir rápido, como numa equipa de resgate- aí poderá ser preferível a dexametasona oral. Alguns estudos também defendem a eficácia da budesonida inalada. O mecanismo pelo qual atuam estas duas últimas não é claro; acredita-se que, no caso da dexametasona, poderá ter a ver com a bomba de transporte Na+K+-ATPase, estimulação de surfactante e prevenção do exsudado proteico. A dexametasona (8 mg duas vezes por dia) não facilita a aclimatização mas, como diminui os sintomas, poderá gerar uma sensação de falsa segurança (2).
Para o edema pulmonar também poderão ser úteis o tadalafil 10 mg duas vezes por dia, e/ou nifedipina de libertação lenta (30 mg duas vezes por dia), bem como o sildenafil e o iloprost (2).
Se existirem edemas pulmonar e cerebral e a descida não for possível, deve-se fornecer oxigénio e inserir o indivíduo dentro de uma tenda portátil insuflável hiperbárica (2).
Outros autores, por sua vez, publicaram que fármacos como o ibuprofeno, budesonida e dexametasona, ainda não foram avaliados com rigor (4).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Ainda que a generalidade da investigação em relação às condições hipobáricas não seja realizada em contexto laboral, as conclusões obtidas poderão ser transpostas para este nível. Em termos geográficos Portugal não tem zonas com muita altitude, mas existem obviamente os profissionais da aviação.
Seria interessante perceber a semiologia/patologias apresentadas por estes indivíduos e correlacionar tal com variáveis sociodemográficas, médicas e laborais; bem como listar as medidas de proteção colocadas e avaliar a eficácia das mesmas, para além da existência de formação e conhecimentos gerais dos indivíduos que trabalham neste setor.
CONFLITOS DE INTERESSE, QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS
Nada a declarar.
AGRADECIMENTOS
Nada a declarar.
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Quadro 1: Pesquisa efetuada
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
RCAAP | Hipobárico | -título e/ ou assunto
|
13 | 1 | Sim | – | – | – | |
Hipobárica | 0 | 2 | Não | – | – | – | |||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) | Hypobaric | -2013 a 2023
-acesso a resumo -acesso a texto completo |
285 | 3 | Não | – | – | – | |
+ work | 9 | 4 | Sim | 2
5 7 9 |
H1
H2 H3 H4 |
1
3 17 18 |
|||
+ pressure | 108 | 5 | Sim | 7
9 15 16 17 19 22 25 28 40 44 52 55 57 59 62 64 68 |
N1
N2 N3 N4 N5 N6 N7 N8 N9 N10 N11 N12 N13 N14 N15 N16 N17 N18 |
7
13 10 19 8 – 14 20 12 15 4 21 16 9 5 6 11 2 |
|||
+occupational | 10 | 6 | Sim | – | – | – |
(1)Mónica Santos
Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Mestre em Ciências do Desporto; Especialista em Medicina do Trabalho; Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online; Técnica Superior de Segurança no Trabalho; Doutorada em Segurança e Saúde Ocupacionais e CEO da empresa Ajeogene Serviços Médicos Lda (que coordena os projetos Ajeogene Clínica Médica e Serviços Formativos e 100 Riscos no Trabalho). Endereços para correspondência: Rua da Varziela, 527, 4435-464 Rio Tinto. E-mail: s_monica_santos@hotmail.com. ORCID Nº 0000-0003-2516-7758
Contributo para o artigo: seleção do tema, pesquisa, seleção de artigos, redação e validação final.
(2)Armando Almeida
Escola de Enfermagem (Porto), Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa; Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde; Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional. 4420-009 Gondomar. E-mail: aalmeida@ucp.pt. ORCID Nº 0000-0002-5329-0625
Contributo para o artigo: seleção de artigos, redação e validação final.
(3)Dina Chagas
Doutorada em Higiene, Saúde e Segurança no Trabalho; Pós-Graduada em Segurança e Higiene do Trabalho; Pós-Graduada em Sistemas Integrados de Gestão, Qualidade, Ambiente e Segurança. Professora convidada no ISEC Lisboa. Membro do Conselho Científico de várias revistas e tem sido convidada para fazer parte da comissão científica de congressos nos diversos domínios da saúde ocupacional e segurança do trabalho. Colabora também como revisor em várias revistas científicas. Galardoada com o 1.º prémio no concurso 2023 “Está-se Bem em SST: Participa – Inova – Entrega-Te” do projeto Safety and Health at Work Vocational Education and Training (OSHVET) da EU-OSHA.1750-142 Lisboa. E-Mail: dina.chagas2003@gmail.com. ORCID N.º 0000-0003-3135-7689.
Contributo para o artigo: seleção de artigos, redação e validação final.