Silva P, Ribeiro A, Miranda G, Cunha M, Silva A, soares J, Cruz L. Quimioprofilaxia da Tuberculose latente e Hepatite tóxica: um caso de doença profissional (Caso Clínico). Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online, 2025, 19: esub0508. DOI; 10.31252.06.02.2025
LATENT INFECTION TUBERCULOSIS PREVENTION TREATMENT AND TOXIC HEPATITIS: A WORK-RELATED DISEASE (CASE REPORT)
Artigo: Caso Clínico
Autor: Silva P(1), Ribeiro A(2), Miranda G(3), Cunha M(4), Silva A(5), Soares J(6)], Cruz L(7)
RESUMO
Introdução
A Tuberculose Latente é a infeção causada pelo Mycobacterium Tuberculosis que não resulta em doença ativa. O seu potencial de reativação em indivíduos saudáveis é baixo. A profilaxia pode ser por diversos esquemas farmacológicos, sendo que a maioria recorre à isoniazida, um fármaco com elevado potencial hepatotóxico.
Descrição do caso clínico
Trata-se de uma mulher com 56 anos de idade, profissional de saúde, tendo como único antecedente pessoal síndrome depressivo. Foi diagnosticada Tuberculose Latente em exame periódico de Medicina do Trabalho. Iniciou um esquema em monoterapia com isoniazida, desenvolvendo hepatite tóxica cerca de dois meses depois do início do tratamento com o antibacilar.
Discussão/Conclusão
Perante o diagnóstico de tuberculose latente, torna-se crucial a exclusão de doença ativa e a pesquisa de casos índice no local de trabalho. A caracterização da hepatite tóxica como Doença Profissional suscitou algumas dúvidas sobre inconsistências na fundamentação desta.
Palavras-Chave: Tuberculose Latente, Hepatite Tóxica, Profissional de saúde, Isoniazida, Saúde Ocupacional, Medicina do Trabalho.
ABSTRACT
Introduction
Latent infection Tuberculosis defines itself as the infection caused by Mycobacterium Tuberculosis that doesn’t provoke symptoms. It’s reactivation potential on healthy subjects is often low. There are various regimens established for the preventive treatment, most require the use of isoniazid, a drug with a high hepatotoxic potential.
Case description
Female, 56 years old, healthcare worker, with a background of depressive disorder. It was diagnosed with Latent Infection Tuberculosis. Started a regimen with isoniazid exclusively. About two months following the start of the treatment, she developed drug induced liver injury associated with the antitubercular agent.
Discussion/Conclusion
After the diagnosis of Latent infection tuberculosis, it is essential the exclusion of active disease tuberculosis and the investigation of active cases in the workplace. The acceptance of Toxic Hepatitis as a work-related disease raised some doubts regarding some inconsistencies in its justification.
Keywords: Latent Infection Tuberculosis, Toxic Hepatitis, Healthcare worker, Isoniazid, Occupational Health, Occupational Medicine.
INTRODUÇÃO
A Tuberculose Latente (TBIL) é a infeção pelo Mycobacterium tuberculosis que não resulta em doença ativa por ação do sistema imunitário(1). Em indivíduos saudáveis, a percentagem de reativação é baixa (entre 5 a 15%) e é mais significativa nos dois a cinco anos após o contacto (2). Os profissionais de saúde estão em maior risco de exposição à micobactéria devido à proximidade com os doentes (3). A quimioprofilaxia pode ser feita através de quatro regimes diferentes, sendo que três deles incluem a isoniazida (IZN) (1).
O principal efeito adverso desta é a hepatotoxicidade, levando frequentemente à interrupção do tratamento (4), especialmente em indivíduos com idade avançada (>65 anos), hepatopatia subjacente, hábitos etílicos pesados ou que se encontram medicados com outros fármacos com potencial hepatotóxico (5).
O quadro clínico de Hepatite Tóxica (HT) associada a fármacos é frequentemente frustre, com os doentes a apresentarem alterações laboratoriais isoladas, com uma elevação muito marcada das aminotransferases e hiperbilirrubinémia. Os sintomas mais frequentes são a icterícia, astenia, vómitos, náuseas, dor abdominal no quadrante superior direito, colúria e acolia (6). O diagnóstico de HT associada a isoniazida envolve um work-up extenso com exclusão de causas víricas, autoimunes, genéticas, neoplásica ou outras etiologias farmacológicas que possam explicar o quadro (6). A primeira medida de tratamento é a evicção do fármaco, devendo-se associar tratamento de suporte mediante a gravidade dos sintomas (6).
A Doença Profissional (DP), por sua vez, define-se como uma lesão corporal, perturbação funcional ou patologia que resulta da exposição necessária e direta da exposição a riscos profissionais e das condições ou ambiente de trabalho, não estando associada ao normal desgaste do organismo (7), sendo que a sua caracterização depende do estabelecimento de prova desta causalidade perante a análise do Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais (DPRP) (8).
DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO
Uma mulher de 56 anos, técnica auxiliar de saúde em serviço de consulta externa, com histórico de Perturbação Depressiva, apresentou resultado positivo no Interferon Gama Release Assay (IGRA) durante um Exame de Saúde periódico no Serviço de Saúde Ocupacional (SSO). Referenciada para o Centro de Diagnóstico Pneumológico (CDP); não apresentava sintomas ou alterações na radiografia torácica, e não tinha contato conhecido com doentes bacilíferos. Iniciou tratamento com IZN. Após dois meses, desenvolveu um quadro de prurido generalizado, náusea, icterícia, colúria, astenia e epigastralgia, associado a aumento das aminotransferases e hiperbilirrubinémia (aminotransferase aspartato: 928, aminotransferase alanina: 1665 U/L, bilirrubina total: 12,83 e direta: 9,10).
Perante as queixas da doente e as alterações analíticas, foi referenciada para o Serviço de Urgência, onde se confirmaram as alterações analíticas, tendo sido internada em Medicina Interna, com suspeita de hepatotoxicidade induzida pela IZN. Após oito dias, teve alta com melhoria dos sintomas e dos parâmetros analíticos. Prosseguiu vigilância clínica e analítica em consulta externa nos três meses seguintes, tendo as aminotransferases e bilirrubina total e direta normalizado, sem intercorrências. Durante o período de internamento e de seguimento em consulta, foram excluídas outras causas para o quadro clínico e para o aumento das aminotransferases e hiperbilirrubinémia. Foi assumido o diagnóstico de HT associada a IZN e foi participada como DP pelo médico dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) e aceite pelo DPRP.
DISCUSSÃO/CONCLUSÃO
A HT foi induzida por IZN durante o tratamento da TBIL. Era essencial excluir a doença ativa por meio de sintomas e radiografia torácica, bem como investigar contatos com casos na instituição de Tuberculose Pulmonar ativa, para decidir sobre o rastreio de outros profissionais. Com a inexistência de doença ativa, procede-se ao referenciamento para o CDP, para quimioprofilaxia e vigilância sintomática e analítica. A hepatotoxicidade é o efeito adverso mais comum da IZN, exigindo monitorização da função hepática.
A confirmação da HT como DP surpreendeu os profissionais do SSO devido ao facto de não se ter comprovado a existência de um caso índice que permitisse inferir sobre a transmissão da micobactéria no contexto laboral, sendo que esta pode ter ocorrido na comunidade. Seria importante o DPRP procurar junto do SSO a avaliação de riscos do posto de trabalho de modo a fundamentar a caracterização como DP. Esta decisão levanta outra questão, nomeadamente o facto de o DPRP não ter questionado sobre a não participação da TBIL como DP, uma vez que a HT surgiu na sequência do seu tratamento. Adicionalmente, a HT deve-se a um efeito adverso da IZN usada num esquema profilático que poderia não ter sido realizado olhando para a ausência de um contacto com doente bacilífero nos dois a cinco anos anteriores e tratando-se de uma doente sem antecedentes pessoais ou medicação habitual que condicionem risco aumentado de vir a desenvolver Tuberculose ativa. Este caso serviu como ponto de discussão para os elementos da equipa médica do SSO sobre a revisão de procedimentos no que toca à realização periódica de IGRA e racional de decisão quanto à referenciação para o CDP para realização de tratamento, uma vez que em casos como este, o risco de fazer a quimioprofilaxia supera os seus benefícios. Na opinião dos autores, devem ser discutidos mecanismos para transparência, clareza e uniformidade nos critérios de decisão do DPRP para a caracterização de patologias como DP, estabelecendo uma linha de comunicação para partilha de conhecimento sobre o posto de trabalho, realização de visitas ao mesmo e comunicação de pareceres. Pretendeu-se também realçar uma melhor articulação entre Médicos Assistentes e Médicos do Trabalho para estabelecer a relação de causalidade entre patologias estudadas no CSP e o risco profissional, de modo a rapidamente participar a DP, com uma fundamentação sólida, visando no final do processo a proteção do trabalhador, reparação dos danos causados pela doença e eventual remoção do posto de trabalho.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declararam não existir conflito de interesses
QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS
Nada a declarar
BIBLIOGRAFIA
1) World Health Organization, Latent tuberculosis infection: updated and consolidated guidelines for programmatic management. 2018. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789241550239
2) Kiazyk S, Ball T. Latent tuberculosis infection: An overview. Canada Communicable Disease Report. 2017; 43(3-4): 62-66. doi:10.14745/ccdr.v43i34a01
3) Lee S, Lee W, Kang S. Tuberculosis infection status and risk factors among healthcare workers: an updated systematic review. Annals of Occupational and Environmental Medicine. 2021; 33 (17). doi:10.35371/aoem.2021.33.e17
4) Zenner D, Beer N, Harris R, Lipman M, Stagg H. Treatment of Latent Tuberculosis Infection: An Updated Network Meta-analysis. Annals of Internal Medicine. 2017; 167(4): 248-255. doi:10.7326/M17-0609
5) Snider D, Caras G. Isoniazid-associated hepatitis deaths: a review of available information. The American Review of respiratory disease. 1997; 145 (2): 494-497. doi:10.1164/ajrccm/145.2_Pt_1.494
6)Hosack T, Damry D, Biswas. Drug induced liver injury: a comprehensive review. Therapeutic Advances in Gastroenterology. 2023; 16. doi: 10.1177/17562848231163410
7) Coggon D. Estimating population burdens of occupational disease. Scandinavian Journal of Work, Environment & Health. 2021 ;48(2):83–85. doi:10.5271/sjweh.4007
8) Portaria n.º135/2012, de 8 de Maio. Diário da República n.º 89/2012, Série I. Disponível em: https://data.dre.pt/eli/port/135/2012/p/cons/20190207/pt/html
(1)Paulo Silva
Médico Interno de Medicina do Trabalho na Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Morada para correspondência dos leitores: Serviço de Saúde Ocupacional, Rua Conceição Fernandes S/N, 4434-502 Vila Nova de Gaia. E-mail: paulo.morais.silva@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Autor principal do artigo, realização da pesquisa bibliográfica e da redação do artigo.
(2)Ana Ribeiro
Médica Interna de Medicina do Trabalho no Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela NOVA Medical School – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. 4050-038 Porto. E-mail: ana.silva.ribeiro@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(3)Gonçalo Miranda
Médico Interno de Medicina do Trabalho no Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. 4400-704 Vila Nova de Gaia. E-mail: goncalo.rei.miranda@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(4)Maria Inês Cunha
Médica Interna de Medicina do Trabalho no Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 44345-001 Porto. E-mail: maria.neves.cunha@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(5)Ana Silva
Médica Interna de Medicina do Trabalho no Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela NOVA Medical School – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. 4475-620 Maia. E-mail: Catarina.vieira.silva@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(6)João Soares
Assistente Hospitalar de Medicina do Trabalho no Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. 4150-800 Porto. E-mail: joao.soares@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(7)Linda Cruz
Responsável de Serviço e Assistente Hospitalar de Medicina do Trabalho e Imunoalergologia no Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 4445-490 Ermesinde. E-mail: linda.cruz@ulsge.min- saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.