Silva P, Ribeiro A, Miranda G, Cunha A, Soares J, Cruz L. Dermatite de Contato irritante em Enfermeira associada ao equipamento de proteção individual (Caso Clínico). Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online.2025; 19, esub0503. DOI: 10.31252/RPSO.05.02.2025
IRRITATIVE CONTACT DERMATITIS IN A NURSE ASSOCIATED WITH PERSONAL PROTECTIVE EQUIPMENT (CLINICAL CASE)
Artigo: Caso Clínico
Autores: Silva P(1), Ribeiro A(2), Miranda G(3), Cunha M(4), Silva A(5), Soares J(6), Cruz L(7)
RESUMO
Introdução
A dermatite de contacto irritativa é a doença ocupacional cutânea mais frequente, afetando trabalhadores de vários setores, como os profissionais de saúde. São vários os agentes que podem provocar esta doença. O diagnóstico é clínico e exige a exclusão de dermatite de contacto alérgica através de testes epicutâneos. É fulcral a evicção do agente provocador para gestão desta doença.
Descrição do caso clínico
Enfermeira de 26 anos, sem antecedentes pessoais de relevo. Com lesões eczematosas limitadas às mãos que relacionava com uso de Sterilium® e higienização frequente dessa área anatómica. Melhorava em períodos de ausência ao trabalho e os testes epicutâneos foram negativos. Foi proposta corticoterapia tópica, anti histamínico e cuidados de hidratação da pele gerais, associado a alteração do Equipamento de Proteção Individual para luvas hipoalergénicas com baixo conteúdo de acelerantes, com melhoria sintomática.
Discussão/Conclusão
A dermatite de contacto irritativa deve ser alvo de uma intervenção precoce e de uma investigação anamnésica exaustiva, com identificação dos agentes presentes no processo produtivo. Na eventualidade de associação com o uso de equipamentos de proteção individual, devem ser exploradas opções alternativas para salvaguardar o trabalhador sem diminuir a qualidade e segurança da atividade laboral. Esta alteração do posto de trabalho não deve ser protelada pela demora da observação em consulta de Imunoalergologia e Dermatologia.
PALAVRAS-CHAVE: dermatite de contato, equipamento de proteção individual, profissional de saúde.
ABSTRACT
Introduction
Irritative contact dermatitis is the most common cutaneous occupational disorder, impacting
workers from various professional sectors, one being healthcare workers. There are various
provocative agents. Diagnosis is based on clinical symptoms, and it is imperative to rule out
allergic contact dermatitis through epicutaneous skin tests. Regarding management of disease
progression, it is essential to avoid the provocative agent.
Case description
Nurse, female, 26 years old, without previous pathologies. With complaints regarding eczematous
lesions in both hands regarding use of Sterilium and frequent hand washing. There was
improvement during periods of work absence. Epicutaneous tests were negative. She started
treatment with topical corticosteroid therapy, antihistamine and skin hydration care, associated
with modification of personal protection equipment to hypoallergenic gloves with a low
accelerators content.
Discussion/Conclusion
Irritant contact dermatitis should be targeted with a early intervention and with a complete
anamnestic search, identifying all elements present in the workplace. In the case of association
with personal protection equipment, alternative options must be considered in order to benefit the
worker without compromising the security and quality of work performance. This workplace
modification should not be delayed due to lack of observation in Immunoallergology or
Dermatology consultation.
KEYWORDS: Contact dermatitis, Personal Protective Equipment, Healthcare worker.
INTRODUÇÃO
A dermatite de contacto irritativa (DCI) é a forma mais comum de dermatite de contacto (1). Consiste na reação cutânea inflamatória a efeitos físicos ou tóxicos diretos de uma grande variedade de agentes ambientais, ao invés contrário de uma reação imunomediada como acontece na dermatite de contacto alérgica (DCA) (2). Ao representar cerca de 80% das patologias ocupacionais do foro dermatológico (2), a DCI é reportada em diversas atividades laborais, contudo, é particularmente importante entre os profissionais de saúde (3), devido a manipulação frequente de agentes químicos com propriedades irritativas como é o caso dos carbamatos e tiurans (4) (presentes nas luvas de látex e de borracha) ou álcool, clorehexidina e gluteraldeídos (presente nos agentes desinfetantes)(5), assim como a própria lavagem e desinfeção de mãos (6). O seguinte relato de caso pretende descrever a relação destes agentes com o aparecimento da DCI numa profissional de saúde.
A apresentação clínica é variável, dependendo de fatores como as propriedades do agente irritativo, duração e frequência de exposição, a humidade, temperatura, e suscetibilidade da pele do individuo (7). Apresenta-se frequentemente com eritema, descamação, prurido e em casos severos pode manifestar-se por vesiculação da pele (7). Ao exame físico, verificam-se lesões eczematosas nas zonas por norma expostas aos irritantes (7).
O diagnóstico é clínico e envolve a exclusão de DCA com a realização de testes epicutâneos alergénicos (1). O tratamento passa pela resolução da dermatite e restauro da função de barreira da epiderme, com recurso a emolientes e corticosteróides tópicos (1). É igualmente fundamental a evicção do agente provocador; na impossibilidade de o remover do local de trabalho, deve proceder-se ao uso de equipamento de proteção individual (EPI) como luvas ou mangas; bem como hidratação frequente e informação do trabalhador (1).
DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO
Mulher, 26 anos, enfermeira em serviço clínico com internamento, sem antecedentes pessoais de relevo, observada em exame ocasional a seu pedido, apresentou queixas de lesões eczematosas limitadas às mãos (Figura 1) que relaciona com o uso de luvas de nitrilo e desinfeção com Sterilium. As lesões melhoravam em períodos de ausência ao trabalho e agravavam durante a atividade laboral. Foi encaminhada para consulta de imunoalergologia, tendo realizado testes epicutâneos com resultado negativo para todos os alergénios testados e testes cutâneos por picada a aeroalergénios, com resultado negativo, chegando ao diagnóstico DCI. A trabalhadora iniciou tratamento com metilprednisolona tópica, bilastina e cuidados de hidratação da pele gerais. Foi ponderado o uso de luvas de algodão, contudo tal situação não é considerada alternativa por parte do Programa para a Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA). Foi recomendada a utilização de luvas hipoalergénicas Halyard e luvas esterilizadas sem pó e sem latex, com bom controlo sintomático (Figura 2). Foi participada a patologia como Doença Profissional (DP), aguardando decisão do Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais (DPRP).
DISCUSSÃO/CONCLUSÃO
A dermatite de contacto irritativa é uma patologia com consequências importantes nos trabalhadores, devendo ser alvo de uma intervenção precoce e com âmbito preventivo para evitar a progressão da doença. De modo a estabelecer uma relação entre a patologia e as condições do ambiente de trabalho, é importante a realização de uma anamnese exaustiva, com identificação dos agentes presentes no ambiente de trabalho e no processo produtivo, associado a um exame físico minucioso.
No caso apresentado, verificou-se uma provável relação da DCI com o uso de equipamentos de proteção e com as medidas de higiene recomendadas para a prática profissional o que levou à participação como DP. A distinção entre a etiologia alérgica ou irritativa neste caso era essencial de modo a excluir outros alergénios que pudessem causar a sintomatologia e não estivessem presentes no posto de trabalho. Ter conhecimento das suscetibilidades individuais é relevante, uma vez que existem fatores de risco relevantes como a existência de eczema atópico ou outras patologias dermatológicas (1). A medida mais importante é a evicção dos agentes irritativos no local de trabalho, quando a sua substituição não é possível.
Relativamente a este caso, foi possível fazer a requisição de um equipamento de proteção alternativo e complementou-se com medidas farmacológicas e aconselhamentos gerais. A decisão de utilizar luvas hipoalergénicas, com reduzido nível de agentes aceleradores, prende-se com o facto de, em testes cutâneos, apenas ser possível testar um número reduzido destes. À semelhança do que aconteceu com as luvas de látex, que foram sendo substituídas pelas luvas de nitrilo em termos de composição preferencial, poderá ser importante a adoção de luvas com baixo teor de aceleradores de forma a reduzir o risco de dermatite de contacto. Neste momento, o SSO encontra-se em discussão com o Serviço de Aprovisionamento e a empresa fornecedora para a aquisição em maior volume de luvas com estas características.
Este caso pretende servir como exemplo de gestão desta patologia num cenário, quer hospitalar ou não hospitalar, em que a realização de testes epicutâneos específicos não é possível a curto ou médio prazo, como no caso de empresas de diversas indústrias ou hospitais sem consulta diferenciada de Imunoalergologia ou Dermatologia. A trabalhadora aguarda seguimento em Consulta de Imunoalergologia, para a realização de testes com a própria luva para um melhor esclarecimento diagnóstico, embora o resultado destes testes não irá alterar de forma significativa a orientação clínica.
A articulação entre o Serviço de Imunoalergologia, a PPCIRA e o SSO mostrou-se essencial quer na gestão terapêutica da doença, quer na aplicação de alternativas ao nível do EPI e do processo de higienização manual.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declararam não existir conflito de interesses.
QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS
Nada a declarar.
BIBLIOGRAFIA:
- Patel K, Nixon R. Irritant Contact Dermatitis – a Review. Curr Dermatol Rep. 2022;11(2):41-51. DOI: 1007/s13671-021-00351-4
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- Larese F, Pesce M, Paulo M, Loney T, Modenese A, John S, et al. Incidence of occupational contact dermatitis in healthcare workers: a systematic review. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2021;35(6):1285-1289. DOI: 1111/jdv.17096
- Larese F, Bochdanovits L, Capuzzo C, Cerchi R, Rui F. Ten years incidence of natural rubber latex sensitization and symptoms in a prospective cohort of health care workers using non-powdered latex gloves 2000-2009. International archives of occupational and environmental health; 2014; 87(5), 463–469. DOI: 1007/s00420-013-0885-6
- Lachapelle J. A comparison of the irritant and allergenic properties of antiseptics. European journal of dermatology. 2014; 24(1), 3–9. DOI: 1684/ejd.2013.2198
- Visser M, Verberk M, van Dijk F, Bakker J, Bos J, Kezic S. Wet work and hand eczema in apprentice nurses; part I of a prospective cohort study. Contact dermatitis, 2014; 70(1), 44–55. DOI: 1111/cod.12131
- Usatine R, Riojas M. Diagnosis and management of contact dermatitis. American family physician; 2010; 82(3), 249–255.
FIGURAS
Figura 1. Lesões observadas em exame de saúde ocasional no SSO
Figura 2. Melhoria clínica após intervenção no posto de trabalho
(1)Paulo Silva
Médico Interno de Medicina do Trabalho na Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Morada para correspondência dos leitores: Serviço de Saúde Ocupacional, Rua Conceição Fernandes S/N, 4434-502 Vila Nova de Gaia. E-mail: paulo.morais.silva@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Autor principal do artigo, realização da pesquisa bibliográfica e da redação do artigo.
(2)Ana Ribeiro
Médica Interna de Medicina do Trabalho no Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela NOVA Medical School – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. 4050-038 Porto. E-mail: ana.silva.ribeiro@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(3)Gonçalo Miranda
Médico Interno de Medicina do Trabalho no Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. 4400-704 Vila Nova de Gaia. E-mail: goncalo.rei.miranda@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(4)Maria Inês Cunha
Médica Interna de Medicina do Trabalho no Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 44345-001 Porto. E-mail: maria.neves.cunha@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(5)Ana Silva
Médica Interna de Medicina do Trabalho no Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela NOVA Medical School – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. 4475-620 Maia. E-mail: Catarina.vieira.silva@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(6)João Soares
Assistente Hospitalar de Medicina do Trabalho no Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. 4150-800 Porto. E-mail: joao.soares@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(7)Linda Cruz
Responsável de Serviço e Assistente Hospitalar de Medicina do Trabalho e Imunoalergologia no Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 4445-490 Ermesinde. E-mail: linda.cruz@ulsge.min- saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.