Oliveira A, Almeida F, Caldas R, Pereira T, Brito C. Dermatite de Contato Alérgica à Colofónia em operador de impressões gráficas- Caso Clínico. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line. 2020, volume 10, 1-8. DOI:10.31252/RPSO.16.10.2020
Allergic contact dermatitis due to colophony in a Graphic Design Print Operator – case report
Tipo de estudo: Caso Clínico
Autores: Oliveira A(1), Almeida F(2), Caldas R(3), Pereira T(4), Brito C(5).
RESUMO
INTRODUÇÃO
A colofónia é uma mistura complexa de mais de cem compostos, resultado da destilação da oleorresina, obtida de plantas pertencentes à família Pinaceae (principalmente o género Pinus). São os produtos de oxidação da colofónia não modificada e modificada, bem como alguns dos novos ácidos de resina sintetizados durante a sua modificação, que englobam os principais alergénios da colofónia. Esta possui inúmeras aplicações em casa e no trabalho, sendo que a exposição à colofónia e à colofónia modificada é praticamente universal. Relatamos um caso de dermatite de contacto alérgica à colofónia em contexto profissional.
CASO CLÍNICO
Homem caucasiano, 41 anos, operador de impressões gráficas desde há vinte e um anos, encaminhado ao Departamento de Dermatologia do Hospital de Braga, devido a lesões eritemato-descamativas localizadas no dorso e face lateral das mãos, com agravamento durante a atividade profissional. Sem antecedentes pessoais de rinite alérgica, asma ou alergia a alimentos ou medicamentos. Estas lesões evoluíam de forma crónica desde há cerca de dez anos, cedendo à aplicação tópica de corticoides. No local de trabalho, o funcionário era responsável por preparar e operar a ‘impressora offset’, ou seja, calibrar o equipamento, encher depósitos de tinta, efetuar o controlo de qualidade da impressão e executar ajustes, por vezes sem o uso adequado dos equipamentos de proteção individual. O trabalhador referia melhoria clínica com o afastamento prolongado do local de trabalho.
Devido à suspeita de dermatite de contacto alérgica, após a resolução dos sintomas, foram realizados testes epicutâneos, com a série padrão do Grupo Português de Estudos das Dermatites de Contacto e uma série complementar de borracha, plásticos e colas. Obteve-se uma reação positiva à colofónia (++) e ao ácido abiético (++) às 72 e 96 horas, respetivamente. Após verificação das fichas de segurança das tintas de impressão e do contacto direto com o fabricante das mesmas, foi possível confirmar a presença de derivados de colofónia. Posteriormente a patologia foi participada como doença profissional.
DISCUSSÃO/CONCLUSÃO
Na indústria de artes gráficas, a colofónia e os seus derivados servem principalmente para aumentar a adesão da tinta ao papel. Neste trabalhador, assumiu-se nexo de causalidade entre a exposição à colofónia presente nas tintas de impressão e o diagnóstico de dermatite de contato alérgica. Neste caso, a implementação de medidas de proteção coletiva. bem como o uso dos equipamentos de proteção individual adequados, é fundamental para proteger o profissional. Devem utilizar-se luvas de nitrilo, fardamento de proteção adequado, máscara de proteção/ respirador e óculos de segurança. É necessário ter presente esta etiologia para que, nestes trabalhadores, se possa proceder a um diagnóstico precoce com recomendação de medidas de proteção adequadas.
PALAVRAS CHAVE: Colofónia; Dermatite de Contacto Alérgica; Dermatose Ocupacional; Doença Profissional.
ABSTRACT
INTRODUCTION
Colophony is a complex mixture of over one hundred compounds, resulting from the distillation of oleoresin, obtained from plants belonging to Pinaceae (mainly Pinus genus). The main allergens are the rosin oxidation products (unmodified and modified), as well as some of the new resin acids synthesized during their modification. It has numerous domestic or industrial applications, and exposure to these compounds is practically universal. We report a case of an occupational allergic contact dermatitis to colophony.
CASE REPORT
A 41-year-old caucasian male, graphic print operator for twenty one years, was referred to the Dermatology Department of Hospital de Braga, due to erythematodesquamative lesions, located on the back and lateral side of the hands, with aggravation during the professional activity. His personal history was negative for allergic rhinitis, asthma and allergy to particular foods or drugs. These lesions have evolved chronically for about ten years, yielding to the topical application of corticosteroids. In the workplace, he is responsible to makes ready and operates sheet-fed offset printing press, that is, calibrates the equipment, fills ink and dampening solution fountains, examines printed copy for ink density and makes adjustments, sometimes without the proper use of personal protective equipment. The patient reported improvement of symptomatology with prolonged withdrawal from the workplace.
After resolution of symptoms, patch tests were carried out with the baseline standard Portuguese Contact Dermatitis Research Group series and a rubber series. A positive reaction was achieved to colophony (++) and abietic acid (++) at 72 and 96 hours. After checking the safety data sheets of printing inks and direct contact with their manufacturer, it was possible to confirm the presence of rosin derivatives. Later, the pathology was assumed as an Occupational Disease.
DISCUSSION/CONCLUSION
In printing ink industry, colophony and its derivatives are mainly used as colour carrier of the ink and to increase its adhesion to paper. In this worker, it was assumed a causal relationship between the exposure to the colophony present in the printing inks and the diagnosed of contact dermatitis. In this case, the implementation of collective protective measures as well as the use of personal protective equipment at work, its necessary to protect the user against health or the safety risk. It includes items such as nitrile gloves, protective clothing, a particle mask or respirator and the use of safety goggles. It is necessary to be aware of this etiology so that, in these workers, an early diagnosis can be made with the recommendation of appropriate protective measures.
KEY WORDS: Colophony; Allergic Contact Dermatitis; Occupational Dermatosis; Occupational disease.
INTRODUÇÃO
As dermatoses ocupacionais são um problema real e comum no ambiente profissional (1). Dados do Reino Unido revelam que a incidência anual de dermatoses ocupacionais é de 13 por 100.000 trabalhadores, com uma prevalência de 15 casos por 100.000 trabalhadores (2). Ainda que consideradas comuns, no ano de 2008, em Portugal continental, apenas foram certificados pelo Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais do Instituto da Segurança Social, IP, doze casos de Dermatose Ocupacional (3). Entre as dermatoses ocupacionais, destacam-se, pela frequência, a dermatite de contato irritativa (70-80% dos casos), a dermatite de contato alérgica (20-25%) e a urticária de contato (<5%) (4). Quadros clínicos que acometem principalmente homens na quarta década de vida e afetam essencialmente nas mãos (4).
A dermatite de contacto irritativa pode apresentar uma manifestação aguda ou crónica e, como o nome indica, ocorre por irritação, normalmente causada por contacto direto com ácidos ou bases fortes. Facilita a sensibilização, motivo pelo qual a exposição frequente precede a dermatite de contacto alérgica. A urticária de contacto ocorre por mecanismos de hipersensibilidade imediata tipo I (também conhecida por imediata/ anafilática), e atinge principalmente pacientes com antecedentes de atopia. Episódios repetidos de urticária de contacto também podem despoletar um quadro de dermatite de contacto alérgica (4).
A dermatite de contato alérgica, caso descrito neste trabalho, é provocada por produtos capazes de causar sensibilização cutânea, levando a uma reação tardia de hipersensibilidade mediada por células T (ou tipo IV) (1, 4). Estas reações são influenciadas pela concentração da substância em causa, pela duração da exposição e suscetibilidade individual de cada trabalhador. Pode surgir após anos de contato com a substância ou após alguns episódios de exposição (4). A identificação da substância responsável pela dermatose pode ser confirmada através de testes epicutâneos (4).
No caso clínico apresentado, o reconhecimento do produto causador de dermatite de contacto alérgica à colofónia foi um desafio, uma vez que a colofónia apresenta inúmeras aplicações domésticas e também em ambiente laboral, sendo a sua exposição praticamente universal.
A colofónia é um material resinoso não volátil, presente na resina de pinheiro e é o principal produto obtido a partir da sua destilação. Contém principalmente ácidos resínicos (Abiético, Pimárico, Isopimárico, Labdano) e uma fração neutra (5, 6). Apesar de atualmente Portugal ser um dos seus maiores produtores (5,6), dados sobre a prevalência de dermatites de contacto alérgicas à colofónia são difíceis de obter através dos estudos conhecidos.
Excluindo fatores predisponentes, o desenvolvimento de sensibilidade à colofónia depende do tempo de exposição, da sua concentração, dos locais de exposição, da integridade da pele e dos seus constituintes químicos. A alergia à colofónia foi detetada em trabalhadores de diversas atividades, como da indústria eletrónica (4), carpintaria (5), pintura (6), indústria do papel (7) e metalúrgica (8). No caso da indústria eletrónica, existem também relatos de asma ocupacional (9). A dermatite de contacto alérgica à colofónia também pode ser despoletada por produtos utilizados em ambiente hospitalar, desde reações cutâneas aos adesivos utilizados nos pensos (10) e em diversos materiais utilizados por médicos estomatologistas (como próteses dentárias, por exemplo) (11). Neste ambiente, a atual falta de informações sobre a constituição dos produtos torna a identificação da presença de colofónia um processo demorado e muitas das vezes difícil (12).
A colofónia, mais especificamente os produtos da sua oxidação, podem atuar como sensibilizantes da pele. Atualmente, podem ter várias aplicações, tais como: vernizes, adesivos, borrachas sintéticas, cosméticos, produtos alimentares, sabões, detergentes, entre outros.
De acordo com o regulamento da comunidade europeia (CE) n.º 1272/2008, a colofónia é classificada como um ‘sensibilizador químico da pele R43’ (13). Produtos contendo acima de 1% de colofónia devem ser rotulados com a frase de risco nº 43- “Pode causar sensibilização por contato direto com a pele”. No entanto, alguns produtos com colofónia, nomeadamente material médico, estão excluídos desse regulamento, e incluídos na diretiva CE n.º 93/42 (14), tornando a restrição R43 não aplicável, inviabilizando o reconhecimento da colofónia nos produtos em causa e aumentando, de forma desconhecida, o risco de sensibilização.
CASO CLÍNICO
Homem caucasiano de 41 anos de idade, operador de impressões gráficas desde há vinte e um anos, sem antecedentes pessoais de relevo (como rinite alérgica, asma, bem como alergia a alimentos ou medicamentos). Referenciado à consulta de alergologia cutânea por lesões eritemato-descamativas, pruriginosas, localizadas no dorso e face lateral das mãos (Figura 1), com agravamento durante a atividade profissional. Estas lesões evoluíam de forma crónica desde há cerca de dez anos, cedendo à aplicação tópica de corticosteroides. No local de trabalho, o trabalhador era responsável por preparar e operar a ‘impressora offset’, ou seja, calibrar o equipamento, encher depósitos de tinta, efetuar o controlo de qualidade e executar ajustes na impressora, por vezes sem o uso adequado dos equipamentos de proteção individual (luvas de nitrilo, fardamento de proteção química, máscara de proteção/ respirador, óculos de segurança e touca). O trabalhador referia melhoria clínica com o afastamento prolongado do local de trabalho. Mencionou ainda que, no contacto prévio com o seu Médico do Trabalho no âmbito de um exame de saúde periódico, por não se encontrar em fase de agudização clínica, não fez qualquer referência a esta manifestação, tendo-lhe sido atribuída uma aptidão para o trabalho, sem recomendações.
Devido à suspeita de dermatite de contacto alérgica, após a resolução dos sintomas, foram realizados testes epicutâneos, com a série padrão do Grupo Português de Estudos das Dermatites de Contacto e uma série complementar de borracha, plásticos e colas. Obteve-se uma reação positiva à colofónia (++) e ao ácido abiético (++) às 72 e 96 horas, respetivamente. Após verificação das fichas de segurança das tintas de impressão e do contacto direto com o fabricante das mesmas, foi possível confirmar a presença de derivados de colofónia. Assim, assumiu-se o diagnóstico de dermatite de contacto alérgica em contexto ocupacional, declarando-se posteriormente como doença profissional. No seguimento, para além da implementação secundária do correto uso de todos as medidas de proteção individual, foi reduzida a carga horária das tarefas que implicassem a exposição ao risco, tendo simultaneamente assumido funções administrativas como medidas de proteção coletiva.
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
A dermatite de contacto alérgica apresenta pior prognóstico do que a dermatite de contacto irritativa (1). Nas dermatoses ocupacionais, quanto mais cedo for realizado o diagnóstico e instituído o tratamento, melhor será o prognóstico da doença (4). Ainda assim, 10 a 15% dos trabalhadores com dermatose ocupacional mantém os sintomas da doença mesmo após afastamento do local de trabalho (3), o que dificulta o estabelecimento do nexo de causalidade.
No trabalhador em causa, após verificação das fichas de segurança das tintas de impressão e do contacto direto com o fabricante das mesmas, foi possível confirmar a presença de derivados da colofónia. Assumiu-se, portanto, uma dermatite de contacto alérgica à colofónia presente nas tintas de impressão.
É necessário ter presente esta etiologia para que, nestes trabalhadores, se possa proceder a um diagnóstico precoce e aconselhar a evicção do contacto da forma eficaz. As dermatoses ocupacionais tratam-se de patologias com repercussões negativas importantes na saúde física e mental dos trabalhadores e também em termos financeiros, devendo apresentar especial atenção das equipas de Saúde Ocupacional. A realização de uma anamnese ocupacional, com detalhes sobre o ambiente de trabalho e o processo de produção, aliada ao exame clínico minucioso, é relevante para o diagnóstico e para o estabelecimento de uma correta relação entre a patologia presente e a exposição ocupacional.
As reações alérgicas graves enfatizam a importância da existência das fichas de segurança atualizadas exigidas por lei, bem como, sempre que possível, o contato com os fabricantes para obter informações detalhadas do produto. Estas fichas de segurança devem indicar todos os seus constituintes, mesmo quando apenas pequenas quantidades de colofónia estão presentes.
No que diz respeito ao tratamento, para além de todos os cuidados dermatológicos para minimizar os problemas da pele (pausas laborais regulares, com higienização e consequente aplicação de creme hidratante), destacam-se também a modernização/ automatização dos processos de trabalho; a ventilação adequada; rotatividade de tarefas; alterações na normal vigilância de saúde dos trabalhadores (como na redução do período de validação da aptidão periódica); troca da matéria prima de trabalho (quando possível);; limpeza adequada das superfícies de trabalho; atualizar as fichas de segurança disponíveis e garantir a correta formação dos trabalhadores; bem como revalidar a avaliação dos riscos profissionais periodicamente e limitar a permanência de trabalhadores nas áreas e momentos de trabalho de maior risco. Relativamente aos equipamentos de proteção individual, que devem ser usados de acordo com as recomendações presentes nas Fichas de Dados de Segurança, destacam-se o as luvas de nitrilo; fardamento de proteção que deve ser lavado diariamente e que evite o contacto direto com o produto; máscara de proteção/ respirador sempre que haja formação de aerossóis e óculos de segurança com proteção lateral.
Bibliografia
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Anexos
Figura 1 – Dermatite de contacto alérgica em operador de impressões gráficas.
(1)Álvaro André Oliveira
Mestre em Medicina; Interno de Formação Específica de Medicina do Trabalho no Gabinete de Medicina do Trabalho do IPO do Porto; Endereço para correspondência dos leitores: Instituto Português de Oncologia do Porto FG, EPE (IPO-Porto) – Serviço de Saúde Ocupacional; Rua Dr. António Bernardino de Almeida;4200-072 Porto. Email: alvaro.vilela.oliveira@ipoporto.min-saude.pt
(2)Filipa Tavares Almeida
Mestre em Medicina; Interna de Formação Específica de Dermatovenereologia no Serviço de Dermatovenereologia do Hospital de Braga; 4710-243 Braga. Email: filipa.almeida6@hotmail.com
(3)Regina Caldas
Mestre em Medicina; Interna de Formação Específica de Dermatovenereologia no Serviço de Dermatovenereologia do Hospital de Braga; 4710-243 Braga. Email: regina.mimed@gmail.com
(4)Teresa Pereira
Licenciada em Medicina; Especialista em Dermatovenereologia no Serviço de Dermatovenereologia do Hospital de Braga; 4710-243 Braga. Email: tmmarquespereira@gmail.com
(5)Celeste Brito
Licenciada em Medicina; Especialista em Dermatovenereologia no Serviço de Dermatovenereologia do Hospital de Braga; Diretora do Serviço de Dermatovenereologia do Hospital de Braga; 4710-243 Braga; Email: celeste.brito@hb.min-saude.pt