Santos M, Almeida A, Lopes C. Eventuais relações entre o Ruido Laboral e os Acidentes de Trabalho. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. 2021, volume 11, 1-10. DOI: 10.31252/RPSO.23.01.2021
EVENTUAL RELATIONSHIPS BETWEEN WORK NOISE AND OCCUPATIONAL ACCIDENTS
TIPO DE ARTIGO: Revisão Bibliográfica
Autores: Santos M(1), Almeida A(2), Lopes C(3).
RESUMO
Introdução/ enquadramento/ objetivos
Os autores, ao pesquisar artigos para outros subtemas associados ao ruido e a saúde ocupacional, encontraram alguma escassa bibliografia relativa à eventual associação entre ruido laboral e sinistralidade, situação essa que os motivou a investigar melhor o que se publicou concretamente sobre este assunto.
Metodologia
Trata-se de uma Revisão Bibliográfica, iniciada através de uma pesquisa realizada em janeiro de 2021, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
Conteúdo
Encontram-se vários artigos que referem que o ruido laboral se relaciona com maior risco de acidente, porque o ruido em si e/ ou a perda de audição associada podem prejudicar a comunicação entre colegas, perceção de avisos, deteção/ discriminação e localização da fonte sonora, potenciar alterações na atenção/ concentração e memória; a exposição prolongada ao ruído pode também diminuir a concentração e o estado de alerta, aumentando o número de erros.
Discussão e Conclusões
Ainda que não se encontre muita bibliografia sobre o tema, a literatura existente parece ser razoavelmente consensual em relação a uma interação entre o ruido ocupacional e a sinistralidade. A diminuição dos níveis de decibéis deve ser por isso prioritária, não só pela hipoacusia em si e outras patologias associadas, como também para atenuar alguns acidentes de trabalho.
PALAVRAS/ EXPRESSÕES- CHAVE: ruído, acidentes de trabalho, sinistralidade, saúde ocupacional e medicina do trabalho.
ABSTRACT
Introduction/ background/ objectives
The authors found some scarce bibliography regarding the possible association between work noise and accidents, when they were searching for articles for other sub-themes associated with noise and occupational health. The purpose of this review is to summarize the most recent and pertinent articles published on the subject.
Methodology
This Review, was carried out in january of 2021, in the databases “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina and RCAAP”.
Content
Several articles mention that noise at work is related to a higher risk of accident, not only because the noise itself and the associated hearing loss (that can impair communication between colleagues, the perception of warnings and the detection/ discrimination and location of the sound source), which can also enhance changes in attention, concentration and memory; as well as anxiety and fatigue, factors that also increase the risk of accident. Prolonged exposure to noise can decrease concentration and alertness, increasing the number of errors.
Discussion and Conclusions
Although there is not much bibliography on the subject, the existing literature seems to be reasonably consensual in relation to an interaction between occupational noise and accidents. Decreasing decibel levels should therefore be a priority, not only due to hearing loss itself and other associated pathologies, but also to mitigate some occupational accidents.
KEY WORDS / EXPRESSIONS: noise, accidents at work, occupational health and occupational medicine.
INTRODUÇÃO
Os autores, ao pesquisar artigos para outros subtemas associados ao ruido e a saúde ocupacional, encontraram alguma escassa bibliografia relativa à eventual associação entre ruido laboral e sinistralidade. Ficaram assim motivados a pesquisar melhor o tema, de forma a perceber o que de concreto já foi publicado.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
–P (population): Trabalhadores sujeitos a ruido laboral.
–I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre as eventuais interações entre o ruido no local de trabalho e a sinistralidade laboral.
–C (context): saúde ocupacional nas empresas com postos de trabalho com ruido
Assim, a pergunta protocolar será: Quais os efeitos do Ruido Ocupacional na Sinistralidade Laboral?
Foi realizada uma pesquisa em janeiro de 2021, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”. Como se encontraram poucos artigos, os autores pesquisaram em motores de busca generalista, para conseguir ter acesso a outros artigos publicados em revistas científicas, diretamente divulgadas na internet e não incluídas nas bases de dados inicialmente mencionadas.
No quadro 1 podem ser consultadas as expressões/ palavras-chave utilizadas nas bases de dados. No quadro 2 estão resumidas as caraterísticas metodológicas dos artigos selecionados.
CONTEÚDO
Encontram-se vários artigos que referem que o Ruido Laboral se relaciona com maior Risco de Acidente (1) (2), porque o Ruido em si e a perda de audição associada podem prejudicar a comunicação entre colegas (1) (3) (4), perceção de avisos (1), deteção/ discriminação e localização da fonte sonora, diminuir a atenção/ concentração (2) (3) (4) e memória, bem como potenciar a ansiedade (3) e fadiga (2) (3), fatores estes que também aumentam o risco de acidente (3); pode diminuir a vigilância (4) e aumento do número de erros durante o turno (2). Logo, a diminuição do Ruido tornará o trabalho mais seguro (2) (3), mantendo-se o corte a nível dos 85 decibéis (2).
O Ruido aumenta o risco de acidente, mesmo em funcionários com audição normal; contudo, com hipoacusia, a gravidade do sinistro parece ficar potenciada. Por exemplo, num estudo holandês efetuado num estaleiro, estimou-se 43% acidentes de trabalho estavam associados ao Ruido e à perda de audição (5).
Existem dados publicados relativos ao facto de que perdas de audição superiores a 20 decibéis potenciam a sinistralidade em trabalhadores de estaleiro e que perdas superiores a 25 decibéis fazem o mesmo em agricultores, por exemplo (1). Outros estudos quantificaram que o risco de ter um Acidente de Trabalho em ambiente com Ruído moderado a intenso era o dobro, mesmo após controlo de eventuais variáveis enviesadoras (3). Outros investigadores publicaram que uma perda de audição de cerca de 20 decibéis associou-se a 1,14 maior risco de Acidente Laboral, mesmo controlando também eventuais variáveis confundidoras e que 12,2% dos Acidentes avaliados foram atribuídos a Ruido superior a 90 decibéis e à perda de audição (6).
Alguns investigadores estimaram um risco acrescido de Acidente Laboral na ordem dos 25% em trabalhadores com perda de audição para altas frequências e acufenos, sobretudo em postos muito barulhentos. A perda de audição para baixas frequências também está relacionada, mas de forma menos intensa. A audição assimétrica, por sua vez, parece não potenciar a sinistralidade, ainda que esta possa dificultar a localização da fonte sonora (direção, distância, movimento), perturbando a perceção da fala e de outros sons (1).
Os acufenos (na medida em que podem perturbar o sono e potenciar a depressão, cansaço e a diminuição da concentração) também conseguem aumentar o risco de acidente. Para além disso, podem confundir a perceção da restante informação sonora do ambiente de trabalho, comprometendo a segurança (1).
A utilização de aparelhos auditivos poderá atenuar a sinistralidade; contudo, se a amplificação não for realizada com qualidade, por diminuição da perceção de sons e a comunicação, pode-se obter o efeito inverso (2).
Está descrito que a ausência da proteção auricular pode implicar um risco de Acidente superior (3). No entanto, ela pode perturbar a comunicação e a perceção de parte da sinalização de perigo, o que também pode potenciar a sinistralidade, por vezes até de forma fatal. Daí que se deva ponderar o não uso da proteção auricular, quando o benefício possa ser inferior ou equivalente ao risco global. Trabalhadores que precisem de comunicar num ambiente ruidoso ficam mais relutantes em usar a proteção auricular. Esta deverá proporcionar a melhor perceção possível da linguagem oral, através de um coeficiente de atenuação adequado (5).
Para reduzir este tipo de Acidentes dever-se-ão identificar as tarefas onde um trabalhador com hipoacusia possa estar em risco acrescido; é também desejável que a Segurança do Trabalho identifique os locais onde a pior perceção da linguagem oral possa causar sinistros, onde existem sinais sonoros muito importantes e onde seja possível algum tipo de colisão com veículos em movimento, por exemplo (5).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Ainda que não se encontre muita bibliografia sobre o tema, a literatura existente parece ser razoavelmente consensual em relação a uma interação entre o Ruido Ocupacional e a Sinistralidade. A diminuição dos níveis de decibéis deve ser por isso prioritária, não só pela hipoacusia em si e outras patologias associadas, como também para atenuar os Acidentes de Trabalho.
CONFLITOS DE INTERESSE, QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS
Nada a declarar.
AGRADECIMENTOS
Nada a declarar.
BIBLIOGRAFIA
- A1. Cantley L, Galusha D, Cullen M, Dixon- Ernt C, Tessier-Sherman B, Slade M et al. Does tinnitus, hearing assimetry or hearing loss predispose to occupational injury risk? International Journal of Audiology. 2015, 54, s30-s36. DOI: 10. 3109/14992027.2014
- A2. Amjad- Sardurdi H, Dormohammadi A, Golmohammadi R, Poorolajal J. Effect of noise exposure on occupational injuries: a cross-sectional study. Journal of Research in Health Sciences. 2012, 12(2), 101- 104.
- G1. Dias A, Cordeiro R, Gonçalves C. Exposição ocupacional ao ruído e acidentes de trabalho. Cadernos de Saúde Pública. 2006, 22(10), 2125-2130.
- G2. Deshaies P, Martin R, Belzile D, Fortier P, Laroche C, Leroux T et al. Noise as an explanatory factor in work-related fatality reports. Noise Health. 2015, 17(78), 294- 299. DOI: 10.4103/1463-1741.165050
- G4. Topilla E, Pyykko I, Paakkonen R. Evaluation of the increased Accident Risk from workplace Noise. International Journal of Occupational Safety and Ergonomics. 2015, 15(2), 155-162. DOI: 10.1080/10803548.2009.11076796
- G3. Picard M, Girard S, Simard M, Larocque R. Association of work-related accidents with noise exposure in the workplace and noise-induced hearing loss based on the experience of some 240.000 person-years of observation. Accident Analysis & Prevention. 2008, 40(5), 1644-1652. DOI: 10.1016/j.aap.2008.05.013Epub2008Jul1
Quadro 1: Pesquisa efetuada
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
RCAAP | ruido | acidente | -título e/ ou assunto
|
1 | 1 | Sim | – | – | – |
1 | 2 | Sim | – | – | – | ||||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) | hearing loss | work accident | -2011 a 2021
-acesso a resumo -acesso a texto completo |
1 | 3 | Sim | – | – | – |
hearing impairment | 2 | 4 | Sim | – | – | – | |||
hearing loss | workplace+ safety | 51 | 5 | Sim | 30 | A1 | 1 | ||
hearing impairment | 11 | 6 | Sim | 9
10 |
=A1
A2 |
–
2 |
|||
tinnitus | work accident | 0 | 7 | Não | – | – | – | ||
workplace safety | 5 | 8 | Sim | 5 | =A1 | – | |||
Assistive listening devices | 96 | 9 | Sim | – | – | – | |||
GOOGLE (revistas científicas) | ruido/ noise | acidentes laborais/ work accidents | sem número | 10 | sim | sem número | G1
G2 G3 G4 |
3
4 6 5 |
Quadro 2: Caraterização metodológica dos artigos selecionados
Artigo | Caraterização metodológica | Resumo |
1 | Coorte | Trata-se de um estudo norte-americano que pretendeu avaliar a influência dos acufenos, audição assimétrica e perda de audição (para baixas e altas frequências) e o risco de acidente laboral, entre trabalhadores de seis fábricas de produtos de alumínio, envolvidos na produção e manutenção, totalizando 8818 funcionários, entre 2003 e 2008. Concluiu-se que os zumbidos combinados com a perda de audição para altas frequências potenciam o risco de acidente, sobretudo em ambientes laborais ruidosos. |
2 | Coorte | Nesta publicação iraniana, existiu o objetivo de avaliar a eventual relação entre a exposição ao ruído e o acidente laboral, numa amostra de 1062 trabalhadores de uma fábrica de tratores, entre 2008 e 2009. Os autores concluíram que a exposição laboral ao ruido e a perda de audição potenciam a sinistralidade. |
3 | Caso- controlo | Neste projeto brasileiro os autores pretenderam avaliar a relação entre o ruido ocupacional e os acidentes de trabalho, utilizando uma amostra de 600 funcionários com sinistros laborais, entre os 15 e os 60 anos. Após aplicação de um modelo de regressão logística concluiu-se que existia correlação. |
4 | Estudo de caso múltiplo | Este estudo canadiano pretendeu destacar a eventual relação entre o ruido e os acidentes de trabalho fatais, utilizando uma amostra de 788 relatórios pertencentes à Comission de la Santé et de la Securité du Travail du Québec, entre 1990 e 2005. |
5 | Coorte retrospetivo | Neste documento foram publicados dados relativos ao estudo de 52.983 trabalhadores do sexo masculino expostos a pelo menos 90 decibéis. Concluiu-se que a perda de audição se relaciona com os acidentes laborais. |
6 | Artigo de Opinião | Os autores descrevem as consequências da perda de audição, com destaque para a sinistralidade laboral, fazendo sugestões concretas de estratégias para identificar e avaliar este risco. |
(1)Mónica Santos
Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Mestre em Ciências do Desporto; Especialista em Medicina do Trabalho e Doutoranda em Segurança e Saúde Ocupacionais, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Presentemente a exercer nas empresas Medimarco, Higiformed e Medilavor; Diretora Clínica da empresa Quercia; Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line. Endereços para correspondência: Rua Agostinho Fernando Oliveira Guedes, 42, 4420-009 Gondomar. E-mail: s_monica_santos@hotmail.com
(2)Armando Almeida
Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária, com Competência Acrescida em Enfermagem do Trabalho. Doutorado em Enfermagem; Mestre em Enfermagem Avançada; Pós-graduado em Supervisão Clínica e em Sistemas de Informação em Enfermagem; Professor Auxiliar Convidado na Universidade Católica Portuguesa, Instituto da Ciências da Saúde – Escola de Enfermagem (Porto) onde Coordena a Pós-Graduação em Enfermagem do Trabalho; Diretor Adjunto da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line. 4420-009 Gondomar. E-mail: aalmeida@porto.ucp.pt
(3)Catarina Lopes
Licenciada em Enfermagem, desde 2010, pela Escola Superior de Saúde Vale do Ave. A exercer funções na área da Saúde Ocupacional desde 2011 como Enfermeira do trabalho autorizada pela Direção Geral de Saúde, tendo sido a responsável pela gestão do departamento de Saúde Ocupacional de uma empresa prestadora de serviços externos durante 7 anos. Atualmente acumula funções como Enfermeira de Saúde Ocupacional e exerce como Enfermeira Generalista na SNS24. Encontra-se a frequentar o curso Técnico Superior de Segurança do Trabalho. 4715-028. Braga. E-mail: catarinafflopes@gmail.com