Miranda G, Meneses J, Silva P, Ribeiro A, Cunha M, Silva A. Eritema Palmar, primeiro indício de uma nova Dermatose ocupacional?-Relato de Caso. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. 2025, 19: esub0516. DOI: 10.31252/RPSO.31.01.2025
PALMAR ERYTHEMA, FIRST SIGN OF A NEW OCCUPATIONAL DERMATOSIS?– CASE REPORT
Artigo: Caso Clínico
Autores: Miranda G(1), Meneses J(2), Silva P(3), Ribeiro A(4), Cunha M(5), Silva A(6)
RESUMO
Introdução
O Eritema Palmar é uma condição dermatológica caracterizada pela ruborização das palmas das mãos, podendo ser primário ou secundário a diversas condições médicas. As causas secundárias incluem doenças hepáticas, autoimunes, uso de medicamentos e exposição a fatores ambientais/ocupacionais.
No contexto ocupacional, pode ser induzido por pressão e por exposição a fatores físicos repetitivos, exigindo uma avaliação clínica detalhada que considere as manifestações dermatológicas e as possíveis causas subjacentes. A investigação do ambiente de trabalho, das tarefas executadas e do uso adequado de equipamentos de proteção é fundamental para compreender o impacto e a causa desta condição.
O objetivo deste caso é aumentar a conscientização sobre uma possível dermatose ocupacional pouco conhecida, enfatizando a importância da deteção precoce, da rotatividade de tarefas e da otimização dos equipamentos para prevenir o aparecimento/cronicidade das lesões e evitar a necessidade de mudança de posto de trabalho.
Descrição do caso clínico
Mulher de 79 anos, aposentada, consultou um dermatologista devido a sinais suspeitos nas costas e queda de cabelo. Durante o exame, foi observado um eritema palmar bilateral na região hipotenar, bem delimitado e com ligeira hiperestesia. A paciente relatou que esta condição surgiu aos 50 anos, durante sua jornada de trabalho, tornando-se permanente aos 60 anos. Apesar de ter consultado vários médicos, nunca obteve um diagnóstico claro.
A paciente tem histórico de hipertensão, dislipidemia, insónia e gastrite crónica, negando agravamento da condição com a medicação atual. Trabalhou por mais de 35 anos numa empresa de eletrodomésticos, utilizando principalmente uma “pinadeira” para fixar as estruturas dos eletrodomésticos. A área do eritema corresponde ao local onde apoiava a mão na máquina e exercia força. Embora destra, usava ambas as mãos devido às longas horas de trabalho. A paciente informou que, apesar de ter relatado os sintomas ao médico do trabalho, nunca lhe foi sugerida mudança de função ou rotatividade de tarefas.
Discussão/Conclusão
Este caso descreve uma dermatose ocupacional causada pelo uso prolongado de equipamentos ergonomicamente inadequados, semelhante aos casos de “computer hands” relatados na literatura (lesão por pressão de estágio I, resultante da pressão crónica na área hipotenar das palmas quando apoiadas por longos períodos sobre um teclado ou mesa). Estas lesões, resultantes de pressão crónica na área hipotenar das palmas, podem levar a alterações vasculares irreversíveis.
A condição é frequentemente subdiagnosticada devido à sua natureza inicialmente assintomática. O caso apresentado destaca a possível irreversibilidade das lesões, mesmo após quinze anos sem exposição ocupacional, e a possibilidade de desenvolvimento de sintomas adicionais, como hiperestesia.
Estas situações devem ser averiguadas logo na fase inicial da sintomatologia de forma a evitar a cronicidade das lesões relatadas e mudança do posto de trabalho, dando enfoque na rotatividade de tarefas e otimização dos equipamentos a utilizar.
Palavras-Chave: Eritema Palmar, Dermatose Ocupacional, Pressão, Medicina do Trabalho, Enfermagem do Trabalho.
ABSTRACT
Introduction
Palmar Erythema is a dermatological condition characterized by redness of the palms, which can be primary or secondary to various medical conditions. Secondary causes include liver diseases, autoimmune disorders, medication use, and exposure to environmental/occupational factors.
In an occupational context, it can be induced by pressure and exposure to repetitive physical factors, requiring a detailed clinical evaluation that considers both dermatological manifestations and possible underlying causes. Investigation of the work environment, tasks performed, and proper use of protective equipment is essential to understand the impact and cause of this condition.
The aim of this case is to raise awareness about this little-known occupational dermatosis, emphasizing the importance of early detection, task rotation, and equipment optimization to prevent the onset/chronicity of lesions and avoid the need for workplace changes.
Case description
A 79-year-old retired woman consulted a dermatologist due to suspicious signs on her back and recent hair loss. During the examination, a well-defined bilateral palmar erythema was observed in the hypothenar region, with slight hyperesthesia. The patient reported that this condition first appeared at age 50 during her work hours, becoming permanent at age 60. Despite consulting several doctors, she never received a clear diagnosis.
The patient has a history of hypertension, dyslipidemia, insomnia, and chronic gastritis, denying any worsening of her condition with current medication. She worked for over 35 years in a home appliance company, primarily using a “pin inserter” to fix the structures of household appliances. The erythema area corresponds to where she rested her hand on the machine and exerted force. Although right-handed, she used both hands due to long work hours. The patient reported that despite informing the occupational physician about her symptoms, she was never suggested a change of position or task rotation.
Discussion/Conclusion
This case describes an occupational dermatosis caused by prolonged use of ergonomically inadequate equipment, similar to the “computer hands” cases reported in the literature. These lesions, resulting from chronic pressure on the hypothenar area of the palms, can lead to irreversible vascular changes.
The condition is frequently underdiagnosed due to its initially asymptomatic nature. The presented case highlights the possible irreversibility of the lesions, even after 15 years without occupational exposure, and the possibility of developing additional symptoms, such as hyperesthesia.
These situations should be investigated early in the initial phase of symptoms in order to prevent the chronicity of reported injuries and promote changes in the workstation, focusing on task rotation and optimization of equipment to be used.
Keywords: Palmar Erythema, Occupational Dermatosis, Pressure, Occupational Medicine, Occupational Health Nursing.
INTRODUÇÃO
O Eritema Palmar é uma manifestação dermatológica caracterizada por uma ruborização das palmas das mãos, particularmente nas regiões tenar e hipotenar. Esta condição apresenta-se como uma lesão não pruriginosa que desaparece com a digitopressão. A etiologia do Eritema Palmar é diversa, podendo ser classificada em primária, quando não há uma causa identificável, ou secundária, associada a uma variedade de condições sistémicas (1).
As causas secundárias do Eritema Palmar abrangem um amplo espectro de patologias, incluindo doenças hepáticas como cirrose, doença de Wilson e hemocromatose, bem como, doenças autoimunes, como artrite reumatóide e tiroidite de Hashimoto. O uso de certos medicamentos, como amiodarona e salbutamol, também pode desencadear esta manifestação cutânea. Neoplasias com envolvimento cerebral e exposição a fatores ambientais, como tabaco e mercúrio, são outras possíveis etiologias (1) (2) (3) (4) (5).
A complexidade etiológica do Eritema Palmar ressalta a importância de uma avaliação clínica abrangente, considerando tanto as manifestações dermatológicas como de possíveis causas secundárias subjacentes. Esta abordagem é crucial para um diagnóstico preciso e adequado dos pacientes que apresentam esta condição (2) (3) (4) (5).
As dermatoses ocupacionais representam uma parcela significativa dos problemas de saúde relacionados ao trabalho, frequentemente resultantes da exposição prolongada a irritantes ou fatores físicos repetitivos no ambiente laboral. Entre estas, as lesões cutâneas induzidas por pressão têm ganho atenção, pois o contato físico repetitivo e a pressão sustentada em áreas específicas da pele podem levar a dermatoses localizadas (6). Aqui, é apresentado um caso que destaca uma condição dermatológica incomum (eritema palmar) induzida por pressão, ressaltando a importância de reconhecer tais lesões nos exames de saúde de Medicina do Trabalho e de uma investigação aprofundada do posto de trabalho do trabalhador que relata esta sintomatologia. Só através de um conhecimento profundo das tarefas a desempenhar pelo trabalhador é que se torna possível aferir qual o verdadeiro impacto das tarefas que executa, a existência de exposição a químicos e correto uso dos EPI’s e, bem como a sua adequação.
DESCRIÇÃO DO CASO CLÍNICO
Mulher de 79 anos, reformada, recorre a consulta de Dermatologia para avaliação de sinais suspeitos nas costas e sensação de maior perda de cabelo recente. Durante o exame é observado um eritema palmar bilateral na região hipotenar, bem delimitado, com ligeira hiperestesia na região afetada (figura 1). A doente relata que esta alteração a acompanha desde os 50 anos, surgindo com o decorrer da jornada laboral e que se tornou permanente aos 60 anos. A doente refere que já tinha recorrido a diversos médicos no início da sintomatologia e que nunca lhe foi esclarecido o quadro, tendo acabado por ignorar a situação pois não afetava as suas Atividades de Vida Diária (AVD).
A doente faz medicação para a hipertensão arterial, dislipidemia, insónia inicial e para a gastrite crónica negando agravamento da sua condição com a introdução da medicação.
Trabalhou numa empresa tecnológica da região de Braga durante mais de 35 anos, desempenhando a maioria do seu trabalho diário com o auxílio de uma “pinadeira” (máquina que inseria pinos para fixação da estrutura dos eletrodomésticos). A zona do eritema corresponde à zona em que apoiava a mão na máquina e onde exercia força para a aplicação dos pinos nos locais corretos (figura 2). A doente é destra e diz que devido às longas horas que tinha de utilizar a máquina, teve necessidade de utilizar as duas mãos para a realização das tarefas. Neste período, refere que nunca lhe foi sugerida a mudança de posto de trabalho ou a rotatividade das tarefas que desempenhava, apesar de ter reportado estas alterações ao Médico do Trabalho, quando do surgimento da sintomatologia.
DISCUSSÃO/CONCLUSÃO
A situação relatada surge por alterações vasculares resultantes do uso prolongado e continuado de um equipamento cujas propriedades ergonómicas não eram ótimas. Na literatura existem dois casos de lesões semelhantes descritas como “computer hands”, interpretados como uma lesão por pressão de estágio I, resultante da pressão crónica na área hipotenar das palmas quando apoiadas por longos períodos sobre um teclado ou mesa (7) (8). De acordo com os autores, a isquemia induzida pela pressão poderia levar potencialmente a uma dilatação irreversível dos vasos com eritema permanente, e outros fatores físicos (como cisalhamento, humidade e fricção) também poderiam contribuir para o desenvolvimento das lesões (7) (8).
As lesões relatadas neste caso são muito semelhantes e podem ser explicadas por um mecanismo induzido por pressão semelhante. Devido à natureza assintomática das lesões, pelo menos nos estágios iniciais, este achado provavelmente é subdiagnosticado e frequentemente negligenciado. Embora o potencial de progressão para lesões por pressão mais avançadas pareça improvável, este caso ilustra a possível irreversibilidade das lesões, já que a trabalhadora havia cessado a exposição ocupacional há 15 anos. Este caso difere dos casos previamente relatados, pois destaca a possibilidade de desenvolvimento de outros sintomas associados como a hiperestesia, que pode ser atribuída a uma exposição prolongada ao fator desencadeante.
Com este caso, é pretendido aumentar a conscientização sobre esta dermatose ocupacional amplamente desconhecida e nova, resultante da evolução da realidade laboral com a maior especificação das tarefas a desempenhar pelos trabalhadores. Estas situações devem ser averiguadas logo na fase inicial da sintomatologia de forma a evitar a cronicidade das lesões relatadas e mudança do posto de trabalho, dando enfoque na rotatividade de tarefas e otimização dos equipamentos a utilizar.
O caso clínico referido realça a importância dos conhecimentos de Dermatologia para a prática clínica do Médico do Trabalho. Só a perfeita integração do conhecimento teórico, com um exame objetivo pormenorizado e do conhecimento da realidade prática do trabalhador poderá permitir o diagnóstico desta dermatose ocupacional, levando a uma possível participação de Doença Profissional e adaptação do posto de trabalho do trabalhador afetado.
CONFLITOS DE INTERESSE
Os autores declaram não ter qualquer conflito de interesse.
QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS
Nada a declarar.
BIBLIOGRAFIA
- Serrao R, Zirwas M, English J. Palmar erythema. American Journal of Clinical Dermatology, 2017; 8(6): 347-356. DOI:10.2165/00128071-200708060-00004
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- Lewis A, Hsu S, Phillips R, Lee J. Computer palms. Journal of the American Academy of Dermatology. 2000; 42(6): 1073-1075. DOI:10.1067/mjd.2000.105166
Anexos
Figura 1 – Lesão eritematosa fixa com telangiectasias finas na região hipotenar.
Figura 2 – Imagem exemplificativa do tipo de máquina e pega efetuada.
(1)Gonçalo Miranda
Médico Interno de Medicina do Trabalho na Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. 4400-704 Vila Nova de Gaia. E-mail: goncalo.rei.miranda@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Autor principal do artigo, realização da pesquisa bibliográfica e da redação do artigo.
(2)João Meneses
Médico Interno de Medicina do Trabalho na Unidade Local de Saúde de Braga. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. MORADA COMPLETA PARA CORRESPONDÊNCIA DOS LEITORES: Serviço de Medicina do Trabalho, Sete Fontes – São Victor, 4710-243 Braga. E-MAIL: joao.miguel.meneses@ulsb.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(3)Paulo Silva
Médico Interno de Medicina do Trabalho na Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Morada para correspondência dos leitores: Serviço de Saúde Ocupacional, R. Conceição Fernandes S/N, 4434-502 Vila Nova de Gaia. E-mail: paulo.morais.silva@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(4)Ana Ribeiro
Médica Interna de Medicina do Trabalho na Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela NOVA Medical School – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. 4050-038 Porto. E-mail: ana.silva.ribeiro@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(5)Maria Cunha
Médica Interna de Medicina do Trabalho na Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 4515-188 Foz de Sousa. E-mail: maria.neves.cunha@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(6)Ana Silva
Médica Interna de Medicina do Trabalho na Unidade Local de Saúde Gaia/Espinho. Mestrado Integrado em Medicina pela NOVA Medical School – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. 4475-620 Maia. E-mail: Catarina.vieira.silva@ulsge.min-saude.pt
CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria. Revisão do manuscrito.