FISHING AND OCCUPATIONAL HEALTH
TIPO DE ARTIGO: Resumo de trabalho divulgado noutro contexto
AUTORES: Santos M(1), Almeida A(2).
INTRODUÇÃO
A pesca é uma das atividades ocupacionais mais perigosas, sobretudo devido à incidência de acidentes, frequentemente fatais. Os outros (fatores de) risco(s) que se destacam são físicos (sobretudo o frio) e ergonómicos (nomeadamente as lesões músculo-esqueléticas, devido a cargas elevadas, posturas forçadas, movimentos repetitivos, stress, organização desadequada do trabalho e tensão necessária exercer para manter o equilíbrio com as oscilações da embarcação). Para além destes, existe também alguma bibliografia referente a patologia imunoalérgica e oncológica.
Acredita-se que a Pesca possa empregar mundialmente cerca de 25 a 30 milhões de indivíduos. O continente onde ela é mais predominante é o asiático, estando em situação oposta África e Austrália (com menos de 5%, conjuntamente). O país com maior captura é a China (12% do valor mundial), seguida do Japão e Peru (com cerca de 10% cada).
CONTEÚDO
Tipos de pesca e evolução ao longo da história
Com a revolução industrial e com o aumento populacional, os métodos de pesca mais antigos foram substituídos por outros, mais dependentes da tecnologia e com produtividade muito superior (na 2ª metade do século anterior esta quadruplicou) o que, por sua vez, tem diminuído significativamente a quantidade de pescado disponível. Ainda assim, presentemente, 85% das embarcações e 75% dos pescadores inserem-se na pesca artesanal, apesar de representarem menos de 20% da captura total.
Legislação relacionada
Tendo em conta a legislação existente, facilmente se entende como esta atividade escapa subtilmente à ação do Técnico de Higiene e Segurança (pois a grande maioria das empresas têm menos que dez trabalhadores; escapando também ao Médico do Trabalho (através da utilização utópica do médico assistente, especialista em Medicina Geral e Familiar, não tendo este qualquer formação específica na área).
Acidentes
A Segurança e Saúde não constituem prioridades para a maioria dos pescadores. Tal poderia se alterar se estes assimilassem que grande parte dos riscos são evitáveis/ preveníveis. Contudo, as medidas de prevenção são vistas como pouco eficazes, um custo adicional não prioritário… como se fosse mais económico ter acidentes com danos humanos e patrimoniais. Aliás, a segurança não é apenas rentável em termos da diminuição da sinistralidade, mas também pelo aumento de produtividade. Em alguns casos não falha tanto a percepção do risco como elevado, para motivação de adopção de medidas de prevenção, mas sim a noção de fatalismo associada, ou seja, crença que o perigo não poderá ser minimizado… “acontecerá o que tiver de acontecer”… O que, de certo modo, tem associação forte com a existência de um Locus de Controlo Externo.
Alguns artigos referem que os principais fatores associados aos acidentes fatais são o consumo abusivo de álcool, condições incorretas de embarque/ desembarque (técnica, pouca iluminação, plataforma deficiente, por exemplo), fadiga (devido ao número de dias seguidos a trabalhar e/ ou número de horas por dia) e, obviamente os naufrágios (secundários a más condições climatéricas, ou seja, tempestades e má visibilidade e/ ou à desvalorização das mesmas pelos pescadores, apesar das previsões cada vez mais eficientes e acessíveis). Além disso, as imposições económicas podem motivar à prática laboral, mesmo em condições climatéricas más. Por vezes, a morte ocorre (em situações de tempestade ou não) por queda ao mar; geralmente as quedas ao mesmo nível ou a níveis diferentes são menos frequentemente fatais (sendo as primeiras mais usuais do que as últimas).
Alguns acidentes tornam-se mais prováveis e/ ou graves devido à sobrecarga da embarcação (com pescado e/ ou outros elementos); não só pelas capturas maiores, mas também pelo maior número de capturas acumuladas em mais dias de trabalho. Alguns defendem que a aquisição de barcos de maiores dimensões e/ ou melhor desenhados, diminuiriam o preenchimento do convés. Para além disso, uma melhor organização do trabalho permitiria armazenar os acessórios atrás mencionados de forma mais segura. Uma vez que a limpeza e a separação do pescado geralmente se faz no convés descoberto onde, pelo menos a oscilação do barco, aumenta o risco de trauma nas superfícies ponteagudas do peixe. As redes com anzóis constituem um perigo adicional. Outra atividade também considerada associada à sinistralidade é a reparação. Para além disso, a diminuição de algumas espécies de peixes, global ou localmente, condiciona a exploração de novos territórios e/ ou novas espécies; além da necessidade de se respeitarem alguns limites territoriais entre países e/ ou respetivas cotas de pesca permitidas; mas a tendência de todos os países é tentar alargar os seus limites marítimos, para zonas mais distantes, ainda não exploradas e, por isso, mais desconhecidas.
Quanto à estação do ano, os acidentes ocorrem mais nos meses de inverno (mas não no auge desta estação nos países mais frios porque geralmente o gelo não permite a saída para ir pescar) e/ ou quando as tempestades são mais frequentes. Apesar de que, em zonas muito frias, o gelo depositado no convés, obviamente, aumenta muito a sinistralidade. Por fim, quanto à hora do dia, a maior incidência recai para a manhã, justamente porque durante a noite e madrugada são menos frequentes as rotinas de trabalho, para a maioria das espécies de peixes. Para além disso, a cronobiologia também nos indica que, na generalidade, os indivíduos têm mais força e coordenação motora ao final da tarde.
Por vezes, a ausência de um ou mais elementos da tripulação (por acidente ou doença) faz com que os restantes tenham de se esforçar ainda mais para manter a produtividade o que, por sua vez, através da fadiga músculo-esquelética e/ ou stress, aumentará ainda mais o risco de estes também virem a sofrer algum acidente ou doença profissional.
A sinistralidade diminuiria se o trabalho fosse organizado de forma a minimizar a fadiga; se todos usassem os EPIs (como coletes flutuantes, sempre que trabalhassem no convés); se existissem medidas de proteção coletiva (como mini- embarcações de emergência) suficientes, eficientes e em bom estado.
Risco ergonómico (alterações músculo-esqueléticas)
Algumas alterações músculo-esqueléticas são mais frequentes nestes profissionais; destacam-se sobretudo as alterações na coifa dos rotadores e a síndroma no túnel cárpico. Alguns estudos referem que cerca de 74% dos pescadores apresenta semiologia (sinais e sintomas) a nível músculo-esquelético.
No passado e/ ou em embarcações mais antigas, as atividades consideradas como mais exigentes eram o manuseamento do gelo e do pescado, sobretudo quando de forma repetitiva e com os membros superiores elevados; para além disso, a reparação manual de redes (devido à repetitividade e flexão/ torção dos pulsos) também constituem importantes riscos. A obesidade razoavelmente frequente neste meio também não ajuda na saúde articular. Os sintomas estão associados à idade, número de anos na profissão, tipo de pesca e posto de trabalho. Aliás, em alguns países, as lesões músculo-esqueléticas são a principal causa de troca de profissão entre pescadores.
Desconforto térmico- Frio
Os trabalhadores sujeitos a maior risco são os que laboram com velocidades do vento elevadas e/ ou usam roupa húmida, sobretudo estando com as extremidades expostas e/ ou pouco protegidas. A sensação de neutralidade térmica verifica-se entre os 20-26ºC, para trabalho sedentário a ligeiro (70 Watts/m2) e com roupa adequada (0,6 a 1 clo); a sensação torna-se desagradável quando a roupa é desadequada para a temperatura ambiente e nível de atividade física; contudo, existe uma grande variabilidade individual para a apresentação semiológica e aclimatização.
Aos primeiros segundos de exposição ao frio surgem alterações inspiratórias/ hiperventilação (aumento da frequência respiratória), taquicardia (aumento da frequência cardíaca), vasoconstrição, hipertensão arterial (HTA) e mal-estar geral; após alguns minutos podem ser verificados a diminuição da temperatura das extremidades, deterioração do rendimento muscular, arrepios e dor; após algumas horas ao frio a capacidade física diminui ainda mais e poderão surgir hipotermia e desorientação. O frio leva à diminuição da transmissão nervosa e consequente decréscimo das forças isométrica (2% por cada grau de temperatura) e dinâmica (4%). A capacidade aeróbica geral diminui 6% por cada grau de temperatura, o que implica que os trabalhadores precisem de mais tempo para a mesma tarefa e de pausas mais frequentes e demoradas. Há ainda um maior risco de enfarte agudo do miocárdio, crises anginosas e acidente vascular cerebral.
Respirar em ambientes frios origina broncoespasmo (sensação de dificuldade respiratória devido a estreitamento das vias respiratórias) e broncorreia (aumento da produção de secreções brônquicas); sendo as alterações progressivas com o tempo de exposição. São também mais frequentes nestes trabalhadores a rinite (inflamação/ infeção da cavidade nasal), odinofagia (desconforto na orofaringe) e traqueíte (inflamação/ infeção da traqueia).
A eficácia na manutenção do equilíbrio térmico geralmente diminui com a idade, condição essa que poderia condicionar uma diferente organização do trabalho, em função da classe etária.
A hipotermia ocorre quando o organismo não consegue manter a sua temperatura central, através da vasoconstrição e tremor. Pode ser classificada em três fases: suave, moderada e grave; respetivamente até 32, até 28 e menos que 28º C.
O frio pode potenciar as queixas álgicas associadas ao trabalho muscular intenso mas, devido à maior produção de calor, pode simultaneamente atenuar outras consequências do frio.
A nível dermatológico, é razoavelmente frequente a urticária secundária ao frio, caraterizada por prurido e erupções nas zonas expostas. A semiologia costuma desaparecer até uma hora depois de cessar a exposição. Atinge cerca de 8% dos trabalhadores expostos ao frio mas, na indústria da pesca, esse valor pode subir para o dobro (devido à humidade e aos antigénios presentes).
Mesmo pequenas variações da zona térmica confortável, alteram a sensação de bem- estar do trabalhador, diminuindo a sua reatividade, concentração e desempenho; algumas dessas alterações podem permanecer mesmo após a interrupção do stress térmico.
Existem vários equipamentos de proteção a recomendar, consoante as particularidades da tarefa. No entanto, não se deve esquecer que o seu uso pode levar a pior visão, menor mobilidade e maior carga a transportar. Aliás, o excesso de roupa aumenta a sudorese, humedecendo as peças mais próximas do corpo. Assim, os equipamentos devem permitir regular a sudorese, sobretudo quando as tarefas implicam uma atividade física intensa. Recomenda-se então que as peças sejam usadas em várias camadas, não só para uma maior eficácia, como maior facilidade de ajuste às necessidades. O tamanho dos equipamentos exteriores deve ser maior que os interiores, de modo a não existir constrição. A camada mais externa, preferencialmente, deverá ser impermeável, para diminuir o efeito da humidade. Genericamente, alguns tecidos sintéticos conseguem absorver melhor o suor, mantendo-se secos, sendo ainda mais leves que outros materiais. O trabalhador deverá usar luvas (apesar que estas diminuem a mobilidade e sensibilidade), sempre que a temperatura for inferior a 4 ou -7º C (para trabalho suave e moderado, respetivamente). Desejavelmente os equipamentos deverão ter comandos cuja manipulação seja segura com luvas. Tendo em conta que 50% do calor corporal é perdido pela cabeça, é muito importante usar um gorro ou equivalente; algumas destas peças também dão proteção para as orelhas. O calçado deve ser constituído por materiais adequados (porosos mas impermeáveis); deve ser ainda flexível, não derrapante, do tamanho certo ao pé e às meias e ajustar-se facilmente às calças. As meias poderão ser grossas ou então usar-se dois pares mais finos, sendo o externo maior que o interno; o material deve permitir manter o pé seco e quente; o trabalhador deverá ter sempre um par extra, caso necessite trocar, se ficarem húmidas; além disso, este também deverá conciliar a espessura da meia com a dimensão do calçado, para que o pé não fique muito apertado (e com comprometimento da circulação sanguínea), nem a ponto de se originarem bolhas pelo contacto solto. Para temperaturas muito baixas também deve ser usada proteção da face, que deverá ser distinta do equipamento ocular (para melhor eficácia e para não embaciar); este último, por vezes, deverá ter ainda proteção ultravioleta. As máscaras devem ser impermeáveis ao vento e à água e sem componentes metálicos em contacto com a pele, evitando ainda o encandeamento.
Quanto a medidas de proteção coletiva, relativamente ao desconforto térmico, as refeições devem ser equilibradas, frequentes e quentes; não esquecer que a exposição ao frio implica um gasto calórico maior. O café deve ser evitado devido ao seu efeito diurético (que aumentará o risco de desidratação) e, para além disso, ativando a circulação sanguínea na pele facial, aumentará a perda de calor. Em trabalhos com exposições a temperaturas muito baixas, a entidade empregadora deve ainda organizar as tarefas de forma a que os funcionários não mantenham o contato manual sem luvas por mais que 20 minutos, proporcionando ainda aquecimento artificial por radiadores ou jatos de ar quente. A temperatura ambiente deverá ser monitorizada de quatro em quatro horas e todos os utensílios de metal devem estar devidamente revestidos. As pausas de reaquecimento podem prolongar-se até os 30 minutos, mas evitando a sudorese consequente. Na organização das tarefas dever-se-á evitar que o trabalhador fique parado (de pé ou sentado) por períodos prolongados. Um funcionário novo deve começar por turnos curtos, progressivamente aumentados, para se aclimatizar. Em cada turno deverá existir pelo menos um funcionário com noções básicas de socorrismo e um contato de apoio exterior. Para temperaturas inferiores a -12ºC é obrigatório o trabalho, pelo menos, a par. A empresa deverá proporcionar condições para que exista proteção contra o vento, idealmente não permitindo uma velocidade superior a 1 m/s; esta deveria ser quantificada de quatro em quatro horas. A entidade empregadora deverá ainda proporcionar formação acerca dos riscos, bem como da respetiva semiologia, EPI adequados, práticas de trabalho seguras, exigências de aptidão física e procedimentos de emergência; o trabalhador deve saber que deverá sair do frio sempre que sentir dor nas extremidades e/ ou começar a tremer com alguma intensidade.
Sensibilizações
Alguns antigénios presentes no peixe e noutros produtos frequentemente manuseados nesta atividade laboral aumentam a probabilidade de sensibilização; tanto mais frequente e intensa, quanto maior a exposição; trabalhadores atópicos têm um risco cinco vezes superior. Supõe-se que as estatísticas possam pecar por defeito, uma vez que alguns profissionais poderão não relatar a semiologia, por receio de perderem o emprego, não associarem a causa ao efeito e/ ou para não parecerem mais “frágeis” que os colegas.
Patologias oncológicas
Nestes profissionais são mais frequentes algumas patologias oncológicas, nomeadamente no lábio (pela conjugação do tabaco, radiação ultravioleta e alguns produtos químicos utilizados), pulmão e ainda estômago (eventualmente pelo maior consumo de peixe contaminado com alguns agentes químicos).
CONCLUSÕES
Seria muito importante que a generalidade dos pescadores tivesse acesso a uma equipa competente de Segurança, Higiene e Saúde, capaz de atenuar as incidências dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais. Para além disso, estes profissionais poderiam ainda dar um óptimo contributo para o estudo da atividade, uma vez que a maioria dos artigos publicados peca por ter amostras reduzidas e/ ou pouco representativas da população para a qual se pretendem generalizar os resultados.
BIBLIOGRAFIA
Santos M. Um breve olhar sobre a pesca. Revista Segurança, 2010, julho- agosto,197, 10-16.
(1)Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Mestre em Ciências do Desporto; Especialista em Medicina do Trabalho; Presentemente a exercer nas empresas Medicisforma, Clinae, Servinecra e Serviço Intermédico; Diretora Clínica da empresa Quercia; Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line; Endereços para correspondência: Rua Agostinho Fernando Oliveira Guedes, 42 4420-009 Gondomar; s_monica_santos@hotmail.com.
(2)Mestre em Enfermagem Avançada; Especialista em Enfermagem Comunitária; Pós-graduado em Supervisão Clínica e em Sistemas de Informação em Enfermagem; Docente na Escola de Enfermagem, Instituto da Ciências da Saúde- Porto, da Universidade Católica Portuguesa; Diretor Adjunto da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line; aalmeida@porto.ucp.pt
Santos M, Almeida A. Pesca e Saúde Laboral. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line. 2016, volume 2, s85-s90. DOI:10.31252/RPSO/01.08.2016/2