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Estatuto editorial

Noções Básicas sobre Cessação Alcoólica em Contexto Laboral

21 Dezembro, 2016Artigos da Equipa Técnica, Resumo de Trabalhos Divulgados noutro Contexto

BASIC NOWLEDGE TO DO ALCOHOOLIC CESSATION IN OCCUPATIONAL CONTEXT

 

TIPO DE ARTIGO: Resumo de trabalho divulgado noutro contexto
AUTORES: Santos M(1), Almeida A(2).

INTRODUÇÃO

A cessação alcoólica, na generalidade dos países, é orientada por profissionais especializados na área, que lhe dedicam todo o seu horário de trabalho (ou parte substancial dele). Contudo, o acesso a este apoio não será necessário para situações menos graves e, mesmo quando necessário, nem sempre a referenciação ocorre com a facilidade e temporalidade que se seria desejável. Assim sendo, médicos e enfermeiros (não treinados na cessação alcoólica), a trabalhar a nível dos cuidados de saúde primários ou a nível ocupacional (sobretudo no âmbito do apoio curativo), podem sentir necessidade de realizar esta abordagem, ainda que apenas a nível da orientação inicial. Contudo, na grande maioria dos casos, não foram treinados nesse sentido, nem têm qualquer experiência prévia.

CONTEÚDO

Estima-se que nos EUA e mundialmente o álcool constitua a 3ª e 5ª causas preveníveis de morbilidade e mortalidade, respetivamente; ou seja, neste país, cerca de 76.000 a 100.000 mortes por ano estão associadas a este contexto; estimando-se uma prevalência de oito milhões de dependentes, globalmente. A nível de população ativa, está publicado que 5,2% dos americanos tenha esta dependência.

Na Europa também se acredita que constitui a 3ª causa de morbilidade e mortalidade, atingindo valores de 5,5% e 10%, se considerarmos as populações da Europa global ou só da Europa de Leste, respetivamente. Em Inglaterra, por exemplo, acredita-se que 4% da população entre os 16 e os 65 anos seja alcoólica; contudo, apenas 6% destes receberão tratamento. Estimou-se que 30% dos homens e 27% das mulheres inglesas bebem de forma considerada perigosa, pelo menos uma vez por semana, em média. Neste país, as admissões hospitalares associadas a consumo de álcool entre 2011 e 2012 foram o dobro das verificadas em 2002- 2003. Outro estudo europeu estimou que 15% dos indivíduos hospitalizados tinham algum diagnóstico associado à dependência alcoólica e que 15%, ainda que não dependentes, tinham outros problemas associados. A nível de cuidados de saúde primários, acredita-se que um em seis utentes tenha alguma questão neste contexto.

Consequências do Alcoolismo

De forma generalista, o consumo de álcool aumenta a probabilidade de surgir patologia oncológica (nomeadamente do esófago, fígado, colón e mama), HTA (hipertensão arterial), AVC (acidente vascular cerebral), EAM (enfarte agudo do miocárdio), alterações reprodutivas e obstétricas, síndroma depressiva, ansiedade, cirrose e insuficiência hepática, doença ulcerosa péptica, epilepsia, neuropatia, encefalopatia, estado confusional/ alucinações, psicoses, alterações de memória e perturbações do sono; aumentando ainda a possibilidade de ocorrerem suicídio, homicídio, acidentes, violações ou atividade sexual não protegida.

Em contexto laboral o consumo de álcoo, poderá aumentar bastante a frequência e gravidade dos acidentes de trabalho; para além disso, quanto pior o estado médico geral do indivíduo, pior será o seu desempenho, produtividade, pontualidade, assiduidade e contribuição para o bom ambiente de trabalho.

CAGE

Existem várias ferramentas que permitem diagnosticar a dependência alcoólica; a mais divulgada é o CAGE (do inglês: “cut down, annoyed, guilty e eye-opener”), ou seja, avalia se o indivíduo sente necessidade de interromper/ diminuir o consumo, se se sente chateado com o que consome, se se sente culpado por o fazer e se, de manhã, precisa de um estimulante para despertar totalmente e manter-se funcional. Considera-se que há abuso de álcool a partir de, pelo menos, duas respostas positivas; a sensibilidade e a especificidade deste teste são de 71 e 90%, respetivamente.

Abstinência e Terapêutica Inicial

O “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders” define a abstinência alcoólica com base na conjugação da interrupção ou redução acentuada do consumo e dois ou mais dos seguintes critérios: hiperatividade autonómica (diaforese- aumento da sudorese e taquicardia- aumento da frequência cardíaca), tremor nas mãos, insónia, náusea/ vómito, alucinações/ ilusões, agitação psicomotora, ansiedade ou convulsões.

A abstinência surge horas a dias após a interrupção ou diminuição significativa do consumo; contudo, a semiologia (conjunto de sinais e sintomas) pode durar semanas ou meses, ainda que com intensidade progressivamente inferior. Maior gravidade existirá nas convulsões (que ocorrem em um terço dos indivíduos) e no delirium tremens que, obrigatoriamente, exige hospitalização. Semiologia mais discreta da abstinência poderá ser constituída por labilidade, irritabilidade, apatia, insónia, diminuição da capacidade de concentração, perturbação das funções cognitivas, ansiedade, astenia, dor e anedonia (perda da capacidade de sentir prazer). O pico da intensidade dos sintomas ocorre às 72 horas.

As substâncias inicialmente prescritas são as benzodiazepinas, devido às suas propriedades ansiolíticas, sedativas e até devido ao seu efeito secundário como relaxante muscular. São mais usados o diazepam e o clordiazepóxido; bem como o oxazepam, lorazepam e o alprazolam. Contudo, estes fármacos são muito aditivos, pelo que deverão ser utilizados apenas por períodos breves. A nível de posologia, pode ser administrada uma dose elevada no início, com diminuição gradual ao longo de uma a duas semanas. Contudo, não se deve esquecer que, se em alguns casos a abstinência se resolve sem complicações e sem necessidade de apoio farmacológico.

Como cerca de 15% dos alcoólicos apresentará convulsões, poderá ser pertinente prevenir tal. A primeira convulsão exige a execução de uma TAC (tomografia axial computadorizada), para se excluírem alguns diagnósticos diferenciais, como AIT (acidente isquémico transitório)/ AVC (acidente vascular cerebral) isquémicos ou hemorrágicos e lesões traumáticas ou neoplásicas; outros exames avaliarão eventuais alterações metabólicas e/ou infeciosas. Após a convulsão o indivíduo deve ser observado em contexto hospitalar, pelo menos durante um dia completo. Para pacientes sem antecedentes de convulsões e com abstinência suave a moderada, a prevenção das convulsões pode ser dispensada. Quando tal não acontece, as benzodiazepinas mais recomendadas são o diazepam (endovenoso ou retal) e o lorazepam. Outras classes farmacológicas utilizadas nesta situação são os antagonistas dos receptores beta-adrenérgicos, os bloqueadores dos canais de cálcio e a clonidina; bem como a carbamazepina ou o valproato de sódio.

Parte dos alcoólicos tem uma nutrição deficiente, pelo que são frequentes as deficiências vitamínicas (não só pelo menor aporte alimentar, como pela menor absorção); neste contexto adquire particular destaque a deficiência da vitamina B1 (tiamina) que justifica a encefalopatia de Wernicke e o Síndroma de Korsakoff, bem como a insuficiência cardíaca e o edema. Ela também participa como co-enzima no processo de obtenção de energia através dos carbohidratos. A correção rápida e eficaz é geralmente conseguida através da administração intramuscular. A sua administração profilática antes do soro glicosilado previne complicações.

O delirium tremens aparece em 3 a 15% dos casos e dura em média 48 a 72h (mas pode persistir por períodos superiores); as benzodiazepinas mais recomendadas neste contexto são o diazepam ou o lorazepam; bem como o clordiazepóxido; pontualmente, em idosos, poderá ser preferível usar uma benzodiazepina de ação curta (como o oxazepam). Para indivíduos muito agitados pode ser acrescentado o antipsicótico haloperidol (contudo, o uso desta classe pode facilitar a convulsão). É possível usar-se também o ácido gama-hidroxibutírico mas, devido à sua semi-vida curta, precisa de doses frequentes e tem grande potencial de abuso. Existem também alguns estudos que recomendam o topiramato, lamotigrina ou a memantina. O clometiazol (derivado da tiamina) é um anti-convulsivante que, devido à semivida curta, além de ser administrado de quatro em quatro horas, vias oral ou intravenosa, apresenta muito potencial para abuso e podem surgir efeitos adversos cardíacos; no entanto, ainda assim, não apresenta toxicidade hepática.

O uso de anti-convulsivantes não é isento de riscos, uma vez que eles mesmos têm capacidade de potenciar alguns dos efeitos do álcool (sobretudo aos níveis cognitivo e psicomotor); ainda assim, os exemplos considerados mais seguros são a carbamazepina e o valproato. Ambos estão contra-indicados em situações de doença hepática ou alterações hematológicas.

De salientar, contudo, que nem todos os investigadores aceitam a possibilidade de realizar a cessação alcoólica em ambulatório, independentemente da intensidade ou risco previsíveis da abstinência.

Tipos de Craving

Craving pode ser definido como o desejo intenso de consumir. A ansiedade potencia o craving e, obviamente, o sucesso da cessação. Este conceito relaciona-se também com a gravidade da dependência, fase da preparação para a mudança e a coexistência ou não de outros problemas psiquiátricos.

Diferentes tipos de craving associam-se a diferentes correlações com a história familiar, idade de início, padrão de ingestão e gravidade da abstinência; assim, considera-se a existência basicamente de três categorias. Na primeira sugere-se que o consumo mantém-se devido ao desejo de prazer; estes indivíduos têm muita dificuldade em parar e com maior frequência apresentam “binge drinking”, antecedentes familiares de alcoolismo e início do mesmo em idades mais precoces. Os neurotransmissores associados são os dopaminérgicos e os opioides. Na segunda situação o consumo mantém-se para diminuir a tensão, ansiedade ou até os próprios sintomas de abstinência; estes indivíduos não costumam ter antecedentes familiares de alcoolismo e o início do mesmo geralmente ocorre em idade mais avançada. Os neurotransmissores mais frequentemente envolvidos são os glutaminérgicos. No terceiro caso o consumo mantém-se devido a um comportamento obsessivo associado à funcionalidade facilitada global com o consumo; os principais neurotransmissores associados são os serotoninérgicos. Segundo este modelo, a naltrexona atua mais eficazmente no primeiro grupo; o acamprosato no segundo e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina no terceiro grupo, por exemplo.

Alcoolismo e outras doenças psiquiátricas

Os indivíduos com alcoolismo têm maior probabilidade de apresentarem outras patologias psiquiátricas, ou seja, 37% dos indivíduos dependentes do álcool apresenta outro diagnóstico psiquiátrico e 22% dos doentes psiquiátricos globais apresentam etilismo (face a 11% da população geral). As doenças psiquiátricas mais frequentemente associadas são a esquizofrenia (33%), alterações de humor (22%) e ansiedade (18%). Generalizando, quando existem outras patologias psiquiátricas, a adesão à terapêutica é menor; aliás, é menos provável o acesso a qualquer tratamento. Para além disso, é necessário coordenar vários fármacos e fica dificultada a perceção da abstinência e efeitos secundários dos mesmos.

Até 34% dos esquizofrénicos são alcoólicos; estes apresentam menor adesão à terapêutica e, geralmente, maior agressividade e risco de suicídio. Os antipsicóticos de segunda geração atenuam os efeitos secundários (por si só potenciados pelo uso concomitante de álcool); os de primeira geração podem agravar a dependência/ perturbar a cessação alcoólica, pelo que se prefere os de segunda geração. Dada a baixa adesão que geralmente existe a estes fármacos, estão recomendadas formulações de longa duração; neste contexto recomenda-se a olanzapina, quetiapina e o flupentixol.

Cerca de metade dos indivíduos que está a ser tratado para o alcoolismo apresenta ansiedade e/ ou síndroma depressivo. Ou seja, a ansiedade é 2,2 vezes mais frequente nos alcoólicos e a prevalência da síndroma depressiva é o dobro da população geral. Quando coexistem alterações da ansiedade e do humor recomenda-se o uso da imipramina, desipramina, fluoxetina, paroxetina, sertralina, nefazodona ou buspirona. Os antidepressivos tricíclicos ficam potenciados pelo consumo simultâneo de álcool aos níveis da sedação, lipotímias e convulsões.

Quando o alcoolismo ocorre em doentes bipolares, destaca-se o uso do lítio. De realçar, no entanto, que o consumo de lítio exige uma adesão exemplar à terapêutica.

Para pacientes que apresentem também stress pós-traumático, sugere-se o uso de naltrexona e dissulfiram.

Alguns autores consideram que, mesmo com várias patologias psiquiátricas, na conjugação de fármacos às terapias psicossociais, o resultado fica sempre potenciado.

Alcoolismo versus género

Na década de oitenta o alcoolismo era cinco vezes mais prevalente nos homens; presentemente estima-se que seja apenas o dobro; no entanto, generalizando, o prognóstico é mais sombrio no sexo feminino, mesmo considerando que estas últimas usualmente iniciam o consumo numa fase mais tardia da vida e ingerirem menor quantidade, também apresentam menor probabilidade de frequentarem qualquer tratamento por maior receio relativo a estigmatização; além da maior susceptibilidade fisiológica.

Estima-se que nos EUA cerca de 2,3% das mulheres detenha critérios suficientes para serem classificadas como dependentes do álcool; contudo, isolando apenas idades entre os 18 e os 29 anos (ou seja, no auge da idade fértil), esse valor passa para 5,5%. Outro estudo ainda publicou que, neste país, 23,3% das mulheres não grávidas apresentavam critérios de “binge drinking”, sendo que 6,4% se qualificavam como apresentando tendo abuso ou até dependência; por sua vez, entre as grávidas, 12,1% ingeriam álcool, sendo que 3,9% na forma também de “binge drinking”.

Alcoolismo versus idade

Os padrões de ingestão etílica nos mais jovens podem determinar o consumo em idades mais avançadas. Para além disso, em qualquer idade, mas sobretudo nos mais jovens, o consumo abusivo potencia patologias psiquiátricas, acidentes e a existência de outras dependências. Nestas idades há ainda maior dificuldade do indivíduo qualificar este consumo como problemático. Para além disso, mesmo quando reconhecem a gravidade da situação, têm geralmente maior dificuldade em ter acesso a apoio profissional para resolver a questão e as metodologias usuais são também dirigidas a adultos (geralmente para a quarta década de vida ou superior).

Por sua vez, entre os mais idosos, alguns investigadores calculam que 15 a 44% dos indivíduos apresentam consumo abusivo de álcool; aliás, uma parcela significativa dos episódios de urgência hospitalar (incluindo tentativas de suicídio), é justificada com questões etílicas. Para além disso, nos mais idosos este diagnóstico pode estar mais dificultado em relação aos mais jovens. Para além disso, com mais idade, o etilismo é mais prevalente naqueles com menor nível educacional e menores rendimentos económicos. Em alguns casos, os cuidadores consideram que, em função da idade mais avançada, estes têm o direito de disfrutar da vida como entendem, pelo que aceitam com naturalidade o consumo abusivo (em comparação com os adultos). Para além disso, os idosos alcoólicos têm menor acesso ao tratamento devido à menor informação que possuem sobre os malefícios do alcoolismo, pela negação, receio de estigmatização ou porque atenuam a magnitude do problema. Os cuidadores/ familiares podem não querer invadir a privacidade do indivíduo, podem acreditar que um idoso não pode ficar alcoólico ou que, por outro lado, alguém com dependência consegue alterar comportamentos. Para além disso, o envelhecimento pode se confundir com as caraterísticas semiológicas do consumo de álcool (como é o caso das alterações cognitivas e do humor).

Genética

Alguns autores defendem que a probabilidade de desenvolver uma dependência alcoólica e/ou ter uma recaída é geneticamente modulada. Estudos com gémeos e indivíduos adotados sugerem que 50 a 60% da possibilidade de desenvolver alcoolismo dependerá de questões genéticas, sendo que os genes em causa relacionam-se sobretudo com os neurotransmissores e enzimas metabolizadoras do álcool. Ou seja, eventualmente nos cromossomas 1 e 7 e, de forma mais discreta, 2, 3 e 11; sendo que alguns investigadores consideram que no cromossoma 4 pode residir um gene “protetor”. Contudo, simultaneamente, a importância ambiental não deve ser desvalorizada.

Alcoolismo e espiritualidade

Em alguns casos, a inserção das dimensões religião/ espiritualidade no processo de tratamento pode potenciar a adesão e o sucesso, estando as etapas melhor adaptadas às crenças e cultura do indivíduo. Um estudo quantificou que 84% dos profissionais que se dedicam à cessação alcoólica e 81% dos clientes acreditam que estas dimensões devem existir neste contexto; sendo que entendem que a espiritualidade é o relacionamento pessoal e direto com alguma identidade superior, enquanto que religião será a construção social à volta desse processo- a maioria dos indivíduos é simultaneamente espiritual e religioso. Há a ideia generalizada que as religiões se opõem ao uso abusivo de álcool; mas os indivíduos Mórmon ou Islâmicos, por exemplo, proíbem mesmo o consumo. Generalizando, indivíduos mais religiosos (de qualquer religião) têm menor probabilidade de desenvolver dependência alcoólica. Para além disso, a ligação mais forte e próxima a essa entidade superior pode proporcionar uma sensação de pertença e plenitude, que diminuirão o risco de voltar a consumir. A própria religião pode dar algo que a vida nunca teve, ou seja, um sentido/ objetivo. A inserção num grupo homogéneo a nível de crenças e espiritualidade também ajudará a manter a abstinência. Só o ato de rezar já se associa a um melhor prognóstico. Melhora-se assim a capacidade de copping, sendo que o indivíduo se defende e adapta melhor ao ambiente que o rodeia, diminuindo também a probabilidade de recorrer ao álcool em situações de stress. Generalizando, verifica-se que com esta abordagem os tratamentos são mais rápidos e obtêm mais sucesso. É trabalhada a noção de que os problemas e sentimentos desagradáveis não são intoleráveis, podem sim ser atenuados ou até resolvidos; para além disso, também acreditam que essa entidade divina nunca lhes daria mais sofrimento do que aquele que conseguiriam aguentar, havendo sempre um propósito em tudo, sendo uma grande vitória ultrapassar uma dependência ou qualquer outro sofrimento e uma vergonha duvidar das boas intenções e lógica dessa entidade superior.

Terapêutica psicossocial

A psicoterapia é considerada eficaz, existindo investigações que apontam para valores de abstinência a longo prazo na ordem dos 40%. A abordagem psicossocial inclui técnicas baseadas na teoria de controlo comportamental individual, terapia conjugal ou terapia de grupo. A terapia com grupo de apoio mais divulgada é a dos doze passos dos alcoólicos anónimos. O primeiro passo é incentivar o reconhecimento do problema pelo indivíduo e da necessidade de obter apoio terapêutico para atingir a cessação alcoólica. A noção de auto-eficácia determinará a opinião que o indivíduo tem sobre a capacidade de atingir determinado objetivo e está obviamente modulada pelas experiências prévias. A ambivalência perante o consumo pode justificar-se em função da euforia secundária às sensações agradáveis; versus as consequências médicas, laborais, familiares e legais. Alguns indivíduos poderão ficar motivados para a mudança mas, por vezes, essa atitude recua e avança ao longo do tempo, até incluindo fases de negação perante as consequências negativas do consumo.

Intervenções terapêuticas breves (ITBs)

As intervenções terapêuticas, ainda que inicialmente apenas utilizadas para a cessação tabágica, podem durar apenas cinco a dez minutos e iniciam-se pela avaliação do consumo de álcool, sendo que os indivíduos em risco são motivados a interromper a ingestão ou, pelo menos, a diminuir, através do aconselhamento personalizado, baseado na opinião que o indivíduo tem sobre o consumo e as consequências médicas, sociais, económicas e legais; bem como vantagens globais na cessação/ diminuição e técnicas de coping adequadas. Aliás, a consulta quase sempre é por outro motivo e o profissional de saúde é que deverá, de forma rápida e concisa, abordar o alcoolismo, explorando a ambivalência do próprio; ou seja, o terapeuta não tentará impor a sua opinião- deverá sim persuadir o indivíduo para a necessidade de mudar. Está provada a eficácia das ITBs a curto e médio prazos, em contexto hospitalar (mesmo em urgência), bem como a nível dos cuidados de saúde primários, mesmo que fornecida por profissionais não especializados na área. Contudo, outros autores também verificaram que, para consumos mais intensos a sua eficácia diminui. As ITBs pretendem aumentar a noção de auto-eficácia do indivíduo.

São comunicados ao indivíduo os resultados dos exames realizados e respetivas associações ao álcool. É fornecido aconselhamento e faz-se a descrição dos benefícios da diminuição ou interrupção do consumo. Podem ser negociados objetivos a atingir e são fornecidas algumas estratégias (trocar para bebidas com menor teor alcoólico, alternar com bebidas sem álcool, diminuir o tamanho de cada bebida e desenvolver outras técnicas de sociabilização). Se o indivíduo ainda não está motivado para atuar, abordando o assunto, aumenta-se a probabilidade de estar nesse ponto, posteriormente, noutra consulta.

O aconselhamento para diminuir em vez de interromper (como resultado intermédio ou final) torna-se mais válido em indivíduos com menor dependência, estáveis socialmente, mais jovens, mais saudáveis e não grávidos; a generalidade dos pacientes aceita bem a ideia da diminuição versus interrupção total.

Estratégias terapêuticas globais

Prochaska criou um modelo explicativo e preditivo relativo à mudança comportamental, constituído por cinco etapas geralmente sequenciais: pré-contemplação, contemplação, preparação, ação e manutenção; outros autores também mencionam a eventual etapa de recaída. Na primeira fase o indivíduo não reconhece o problema, ou seja, não faz a associação de causa e efeito (de forma genuína ou por negação), logo, não apresenta qualquer intenção de alterar o seu comportamento e geralmente resiste a qualquer abordagem nesse sentido. Na segunda etapa o indivíduo pondera alterar o comportamento mas, na realidade, por vezes, a sua atitude é ambivalente; estão mais recetivos a que se aborde o problema (e reconhecem-no como tal), mas ainda não tomaram atitudes concretas. Estas são idealizadas na terceira fase, ou seja, da preparação, apesar de ainda não concretizadas- o que ocorre na etapa seguinte: a ação.

Os fármacos mais utilizados mundialmente neste contexto são o dissulfiram, naltrexona (oral e injetável) e o acamprosato; apenas estes estão aprovados nos EUA. O dissulfiram atua inibindo a enzima aldeído desidrogenase, motivando o não consumo; a naltrexona, como antagonista opioide, diminui o craving e recaídas intensas, através da interação com a atividade dopaminérgica mesolímbica e o acamprosato ajuda a manter a abstinência através da normalização do estado hiperglutaminérgico, induzido pelo consumo crónico do álcool. Na Europa ainda não foi aprovada a naltrexona de ação prolongada; ao contrário do dissulfiram (que é usado há mais de 50 anos).

A cessação alcoólica pode decorrer em ambulatório nos indivíduos com abstinência suave a moderada, sobretudo se existir alguém próximo para supervisionar os progressos e o indivíduo não apresentar co-morbilidades importantes ou risco de complicações graves durante a abstinência. O internamento é ainda aconselhado para os casos de patologia psiquiátrica grave (eventualmente com ideias suicidas), abstinência grave ou risco de delirium tremens, bem como gravidez e antecedentes de convulsões.

Polimedicações

Alguns autores defendem que não existe evidência de que um único fármaco consiga eliminar o craving, pelo que o uso de vários princípios ativos que atuem em diversas vias neurobiológicas será mais eficaz. Por exemplo alguns autores recomendam o uso simultâneo de acamprosato e da naltrexona, caso estes não sejam eficazes isoladamente ou então acamprosato e dissulfiram, com supervisão. Também existem estudos que sugerem a combinação entre a naltrexona e o dissulfiram, mesmo sem supervisão.

Recaída

Considerando o efeito sinérgico da terapêutica farmacológica e da psicossocial, acredita-se que 70% dos indivíduos volta a consumir no espaço de um ano, ou seja, a taxa de sucesso é baixa. Aliás, a maioria dos que iniciam o tratamento, desiste alguns meses depois. Ainda assim, a possibilidade de fazer visitas domiciliárias de acompanhamento potencia os resultados. Com ou sem experiências prévias, as expetativas na generalidade dos indivíduos são confusas. Para além disso, a recaída pode ocorrer após décadas de abstinência.

Polidependências

A dependência do álcool e da nicotina estão entre as mais prevalentes mundialmente e os danos da sua coexistência têm um impacto muito superior. A prevalência de tabagismo em indivíduos com outra dependência é superior à da restante população; para além disso, as estatísticas dizem-nos que 80 a 90% dos alcoólicos são também dependentes do tabaco e os tabagistas têm um risco duas a três vezes superior de dependência alcoólica. O tabagismo e o alcoolismo constituem a primeira e terceira causas de morbilidade e morte prematura em países desenvolvidos; considerando-se ainda que a sua associação é sinérgica, ou seja, nestes indivíduos as causas mais frequentes de morte são os cancros da orofaringe e pulmão, bem como cirrose. 60 a 75% dos indivíduos em tratamento para a cessação alcoólica são também dependentes do tabaco e, destes, 40 a 50% são tabagistas pesados. Alguns indivíduos acreditam que o tabagismo é de menor importância que o alcoolismo e que a abstinência tabágica aumentará a probabilidade de existir uma recaída com o álcool. Aliás, quando existe mais que uma dependência, a substância que costuma ser menosprezada é o tabaco. Por outro lado, alguns investigadores descrevem que a vontade de parar de fumar poderá aumentar após a cessação alcoólica e que a manutenção do tabagismo aumenta a probabilidade de recaída etílica.

Apesar de não existir consenso, um estudo defende que a população nele avaliada preferia a abordagem sequencial em vez de simultânea; acrescentando também que esta última apresentava uma taxa de sucesso inferior. Aliás, alguns até referiam que contavam com o “apoio” do tabaco para lidar com a cessação alcoólica, sendo que a prioridade era eliminar o álcool, devido à maior aceitação social e ausência de alterações comportamentais negativas do tabaco. No entanto, é raro propor-se ajuda para tratar todas as dependências existentes; ainda assim alguns podem demonstrar interesse em resolver ambas as questões; alguns autores alertam para a possibilidade de estes pacientes sentirem, no entanto, abstinências mais intensas. Contudo, a FDA não aprovou oficialmente qualquer fármaco para tratar o alcoolismo com outras patologias psiquiátricas em simultâneo. Alguns autores defendem que a vareniciclina consegue diminuir o consumo de álcool em tabagistas, mesmo naqueles com hábitos etílicos pesados. Outros autores também defendem neste contexto o uso de topiramato.

Um estudo estimou que 85% dos indivíduos dependentes da cocaína, também apresentavam critérios de alcoolismo, até porque o álcool consegue inibir o metabolismo da cocaína, podendo atenuar também parte da semiologia desagradável deste consumo (como a ansiedade, insónia e paranóia), prolongando as sensações desejadas da cocaína. Alguns autores acreditam que o dissulfiram permite a diminuição do consumo de álcool e cocaína, aumentando o tempo de abstinência, mesmo um ano após a medicação ser descontinuada. Outros autores defendem que, nestas duas dependências, o topiramato também pode constituir uma boa opção.

Novas tecnologias e dependências

O uso da internet e de mensagens e-mail ou sms é cada vez mais frequente na abordagem das dependências, quer como método único, quer em junção com outras técnicas presenciais. A utilização de programas informáticos apresenta bons resultados na diminuição do consumo de álcool.

A maioria dos indivíduos com dependência alcoólica fica relutante em obter assistência frente-a-frente, devido ao receio de descriminação/ estigmatização e/ou por quererem ter a noção de resolver a questão sozinhos ou, pelo menos, com maior independência. Para além disso, pode existir dificuldade geográfica em aceder ao tratamento e/ou os indivíduos podem ter horários muito preenchidos. A internet e o telemóvel ultrapassam todas estas barreiras e sem custos, sobretudo na população mais jovem e com mais conhecimentos informáticos, empregada e do sexo feminino; podendo o tratamento ser mantido por muito tempo. Contudo, a informação proporcionada na internet não é alvo de qualquer controlo ou regulação e a maioria dos sites é muito rudimentar e só proporciona informação escrita e, por vezes, com terapêuticas não regulamentadas.

Os programas mais utilizados diagnosticam ou não a dependência através de um score resultante de respostas a questões simples. Em alguns é possível registar um diário do álcool ingerido e comparar tal com as estatísticas da população global.

Nas zonas rurais, com acesso mais dificultado a profissionais especializados, as abordagens baseadas na internet adquirem particular relevância; para além disso, mesmo com o acesso viável, dada a comunidade ser menor, a necessidade de privacidade pode adquirir maior importância; sobretudo para o sexo feminino, segundo alguns valores e normas culturais.

A maioria dos programas apoia-se em técnicas baseadas nas ITBs, sendo que aqui a diminuição é um objetivo razoável, quando a abstinência total não é conseguida ou desejada. Os indivíduos são encorajados a definir os seus próprios objetivos e a assumir a responsabilidade pelo atingimento dos mesmos. Alguns programas também permitem que sejam colocadas questões a especialistas da área.

O aconselhamento por telemóvel também está a começar a desenvolver-se ou até on line e com resultados aparentemente promissores; contudo, ainda é cedo para existirem estudos de seguimento prolongado. Alguns afirmam mesmo que os benefícios do seguimento por telemóvel se mantêm mesmo após o término do programa. Para além disso, os sms podem permitir o envio de alertas ou recomendações.

CONCLUSÕES

Os estudos divergem bastante nas suas conclusões, tal como são encontradas diferenças nas amostras estudadas, tempo de seguimento, doses utilizadas e metodologia em geral. Ainda assim, apesar de algumas contradições, existem abordagens mais recomendadas no contexto da cessação alcoólica, que poderão ser efetuadas por profissionais de saúde, mesmo que sem experiência no tema, pelo menos, como abordagem inicial.

BIBLIOGRAFIA

Santos M, Almeida A. Noções básicas sobre Cessação Alcoólica. Nursing, edição on line, julho de 2015.

(1)Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Mestre em Ciências do Desporto; Especialista em Medicina do Trabalho; Presentemente a exercer nas empresas Medicisforma, Clinae, Servinecra e Serviço Intermédico; Diretora Clínica da empresa Quercia; Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line; Endereços para correspondência: Rua Agostinho Fernando Oliveira Guedes, 42 4420-009 Gondomar; s_monica_santos@hotmail.com.

(2)Mestre em Enfermagem Avançada; Especialista em Enfermagem Comunitária; Pós-graduado em Supervisão Clínica e em Sistemas de Informação em Enfermagem; Docente na Escola de Enfermagem, Instituto da Ciências da Saúde- Porto, da Universidade Católica Portuguesa; Diretor Adjunto da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line; aalmeida@porto.ucp.pt


Santos M, Almeida A. Noções Básicas sobre Cessação Alcoólica em Contexto Laboral. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional. 2016, volume 2, s96-s105. DOI:10.31252/RPSO.21.12.2016

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