Pereira T, Graça I, Santos F, Cunha L. Beleza com Riscos Ocultos: Dermatite Alérgica grave por Acrilatos em uma Esteticista. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. 2025; 20: esub0541. DOI: 10.31252/RPSO.21.12.2025
BEAUTY WITH HIDDEN RISKS: SEVERE ALLERGIC DERMATITIS TO ACRYLATES IN A BEAUTICIAN
TIPO DE ARTIGO: Caso Clínico
Autores: Pereira T(1), Graça I(2), Santos F(3), Cunha L(4).
RESUMO
Introdução
Os acrilatos, metacrilatos e cianoacrilatos são amplamente utilizados em produtos industriais e cosméticos e são causas reconhecidas de dermatite de contacto alérgica. Embora a dermatite provocada por acrilatos seja comum entre profissionais da estética, casos graves e atípicos são raramente descritos.
Caso clínico
Apresenta-se o caso de uma esteticista de 36 anos, sem antecedentes pessoais ou familiares relevantes, que desenvolveu prurido, eritema e edema no polegar esquerdo e nos espaços interdigitais seis meses após iniciar trabalho com unhas acrílicas. Ao longo de um ano, o quadro evoluiu para liquenificação, descamação e formação de vesículas, com disseminação para o abdómen, cotovelos, pescoço e região periorbitária. Uma infeção secundária exigiu antibioterapia oral. Os testes epicutâneos foram positivos para acrilatos. Foi aconselhada a evitar exposição aos acrilatos e a utilizar equipamento de proteção individual. O tratamento incluiu emolientes, um curto ciclo de prednisolona oral, tacrolimus tópico e bilastina oral. A utente foi referenciada à Medicina do Trabalho e o caso reportado ao Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais.
Conclusão
Este caso evidencia uma forma rara e extensa de Dermatite de Contato Alérgica ocupacional, possivelmente agravada por transferência passiva para áreas não expostas. O diagnóstico tardio contribuiu para a gravidade do quadro. Este relato reforça a necessidade de maior sensibilização, reconhecimento precoce e estratégias preventivas em ambientes de trabalho de risco.
PALAVRAS-CHAVE: Dermatite alérgica de contacto, Acrilatos, Medicina do Trabalho, Enfermagem do Trabalho, Segurança no Trabalho.
ABSTRACT
Introduction
Acrylates, methacrylates, and cyanoacrylates are widely used in industrial and cosmetic products and are recognized causes of allergic contact dermatitis. Although this is common among aesthetic professionals, severe and atypical cases are rarely reported.
Case Report
We present the case of a 36-year-old female beautician with no significant personal or family history, who developed pruritus, erythema, and edema on her left thumb and interdigital spaces six months after starting work with acrylic nails. Over one year, the condition progressed to lichenification, scaling, and blistering, with dissemination to the abdomen, elbows, neck, and periorbital region. A secondary infection required oral antibiotics. Patch testing confirmed sensitization to acrylates. The patient was advised to avoid acrylate exposure and use personal protective equipment. Treatment included emollients, a short course of oral prednisolone, topical tacrolimus, and oral bilastine. The patient was referred to Occupational Medicine and the case was reported to the Department for Protection Against Occupational Risks.
Conclusion
This case highlights a rare and extensive form of occupational ACD, possibly aggravated by passive transfer to non-exposed areas. Delayed diagnosis contributed to disease severity. This report underscores the need for improved awareness, early recognition, and preventive strategies in high-risk work environments.
KEYWORDS: Allergic contact dermatitis, Acrylates, Occupational medicine, Occupational health nursing, Occupational safety.
INTRODUÇÃO
Os acrilatos, metacrilatos e cianoacrilatos (frequentemente denominados como acrilatos) são um conjunto de compostos pertencentes à classe dos plásticos e resinas sintéticas e são reconhecidos desde os anos 50 como uma causa de dermatite de contacto alérgica (DCA) (1) (2). Estes compostos podem ser encontrados em diversos produtos com os quais contactamos frequentemente, nomeadamente produtos industriais (colas, tintas, tecidos), consumíveis (lentes de contacto, fraldas, pensos higiénicos, produtos de limpeza), produtos médicos (sensores de glicose, próteses dentárias) e produtos estéticos/cosméticos (cola para pestanas falsas, unhas acrílicas, extensões capilares) (3).
Ainda que numa fase inicial a maioria dos casos de DCA a acrilatos estivessem relacionados com exposições industriais e exposições médicas, estudos mais recentes sugerem que, na Europa, a maioria dos casos estão associados a exposição ocupacional, nomeadamente na profissão de esteticista (4), devido à popularidade das extensões ungueais. Estes apresentam um risco acrescido de desenvolverem DCA por acrilatos pela exposição cumulativa a que estão sujeitos (5).
A maioria dos casos de DCA por acrilatos manifesta-se na mão dominante. Contudo, esporadicamente, também podem ocorrer manifestações nos antebraços, face, pescoço, abdómen e coxas devido a mecanismo de transferência passiva- contacto das mãos ou outros objetos contaminados, ou por via inalatória. Foram também descritos alguns casos com sintomas ligeiros do trato respiratório superior (6).
CASO CLÍNICO
Os autores apresentam o caso de uma mulher de 36 anos, profissional da área da estética, sem antecedentes pessoais ou familiares relevantes de patologia alérgica ou dermatológica, que iniciou atividade profissional com aplicação de unhas acrílicas. Cerca de seis meses após o início da exposição ocupacional, desenvolveu prurido, eritema e edema localizados no polegar esquerdo e nos espaços interdigitais da mesma mão.
Ao longo de aproximadamente um ano, o quadro dermatológico agravou-se progressivamente, com evolução para liquenificação, descamação e formação de vesículas. Verificou-se ainda disseminação das lesões para zonas inicialmente não expostas, incluindo abdómen, cotovelos, pescoço e região periorbitária (Figura 1). O agravamento foi acompanhado de significativo impacto funcional e estético, condicionando desconforto contínuo e limitação no desempenho profissional. O polegar esquerdo apresentou sinais de infeção secundária, com necessidade de antibioterapia oral.
Foram realizados testes epicutâneos com série padrão e acrilatos, que confirmaram alergia a 2-hidroxietilo metacrilato (Tabela 1). A utente foi aconselhada a fazer evicção rigorosa de exposição a acrilatos e a utilizar equipamento de proteção individual (EPI), nomeadamente luvas de nitrilo, cobertura da extensão do braço, máscara FFP2, óculos de proteção fechados, avental impermeável e potenciou-se a ventilação, como medida de proteção coletiva. Iniciou terapêutica com emolientes, prednisolona oral (80 mg durante oito dias), tacrolimus tópico (1 mg/g, duas vezes por dia durante 1 mês) e bilastina oral (20 mg, conforme necessidade sintomática) com posterior reavaliação na qual se verificou melhoria do quadro clínico.
Foi referenciada à consulta de Medicina do Trabalho onde lhe foi atribuída aptidão condicionada, com restrição à exposição a acrilatos e uso obrigatório dos EPI’s anteriormente descritos, com reavaliação em seis meses. Paralelamente o caso foi ainda reportado ao Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais, encontrando-se a aguardar decisão quanto atribuição de incapacidade laboral por doença profissional.
CONCLUSÃO
O caso apresentado destaca-se pela apresentação atípica e grave das lesões de DCA. Pretende-se alertar para a importância do diagnóstico precoce e de se promoverem ações de sensibilização e/ou formações para os profissionais expostos a estes compostos, de forma a educá-los para os riscos da exposição prolongada e cumulativa aos acrilatos. O desconhecimento desta doente relativamente a este alergéneo poderá ter contribuído para a manutenção da exposição ao longo do tempo.
Este caso vem ainda realçar a importância da colaboração entre imunoalergologistas e médicos do trabalho no sentido de introduzir medidas preventivas adequadas, nomeadamente o uso de EPIs, assim como identificar e valorizar precocemente casos de DCA, a fim de serem tomadas medidas quer a nível de modificação do posto de trabalho, quer a nível de notificação ao DPRP, o que poderá trazer benefícios legais e económicos para o trabalhador.
REFERÊNCIAS
- Oliveira A, Almeida F, Caldas R, Pereira T, Brito C. Allergic contact dermatitis to (metha)acrylates – seven years of retrospective study in a Portuguese public hospital. RPSO – Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional. 2020:1-10. doi:https://doi.org/10.31252/RPSO.23.10.2020
- Kucharczyk M, Słowik-Rylska M, Cyran-Stemplewska S, Gieroń M, Nowak-Starz G, Kręcisz B. Acrylates as a significant causes of allergic contact dermatitis– new sources of exposure. Advances in Dermatology and Allergology. 2021;38(4):555-560. doi:https://doi.org/10.5114/ada.2020.95848
- Groot A, Rustemeyer T. 2-Hydroxyethyl methacrylate (HEMA): A clinical review of contact allergy and allergic contact dermatitis-Part 1. Introduction, epidemiology, case series and case reports. Contact Dermatitis. 2023; 89(6): 401-433. doi:https://doi.org/10.1111/cod.14405
- Gonçalo M, Pinho A, Agner T, Andersen K, Bruze M, Diepgen T, et al. Allergic contact dermatitis caused by nail acrylates in Europe. An EECDRG study. Contact Dermatitis. 2017; 78(4): 254-260. doi:https://doi.org/10.1111/cod.12942
- Sasseville D. Acrylates in Contact Dermatitis. Dermatitis. 2012; 23(1): 6-16. doi:https://doi.org/10.1097/der.0b013e31823d1b81
- Gatica-Ortega M, Pastor-Nieto M, Silvestre-Salvador J. Allergic Contact Dermatitis Caused by Acrylates in Long-Lasting Nail Polish. Actas Dermo-Sifiliográficas (English Edition). 2018; 109(6): 508-514. doi:https://doi.org/10.1016/j.adengl.2018.05.008
Figura 1 – Lesões cutâneas em diferentes regiões anatómicas da utente.
Tabela 1 – Resultados dos testes epicutâneos padrão à leitura de 48h e 96h.

(1)Tiago Pereira
Médico Interno de Formação Específica em Imunoalergologia, Unidade Local de Saúde de Santo António. Morada completa para correspondência dos leitores: Serviço de Imunoalergologia, Unidade Local de Saúde de Santo António, Largo Abel Salazar, 4099-001 Porto, Portugal. E-mail: u15481@chporto.min-saude.pt. ORCID: https://orcid.org/0009-0000-5091-1521
-Contribuição para o artigo: pesquisa e elaboração de manuscrito
(2)Isabel Graça
Médica Interna de Formação Específica em Medicina Geral e Familiar, USF Aníbal Cunha – ACeS Porto Ocidental. 4050-046 Porto. E-mail: isabelmariaggraca@hotmail.com
-Contribuição para o artigo: revisão do manuscrito
(3)Filipa Santos
Médica Especialista em Imunoalergologia, Unidade Local de Saúde de Santo António. 4099-001 Porto. E-mail: filipair.santos@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2323-4734
-Contribuição para o artigo: revisão do manuscrito
(4)Leonor Cunha
Médica Especialista em Imunoalergologia, Unidade Local de Saúde de Santo António. 4099-001 Porto. E-mail: leonorcunhagraca@sapo.pt. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3680-3687
-Contribuição para o artigo: revisão do manuscrito








