Costa D. Aplicação de Conceitos de Estilo de Vida Ancestral no quotidiano do século XXI: contributo da Enfermagem do Trabalho. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line. 2019, volume 8, 1-13. DOI: 10.31252/RPSO.14.09.2019
USE OF ANCESTRAL LIFESTYLE CONCEPTS IN THE 21ST CENTURY: OCCUPATIONAL HEALTH NURSING CONTRIBUTION
TIPO DE ARTIGO: Casos Clínicos
Autor: Costa D(1).
RESUMO
Introdução
As teorias evolucionistas de Darwin revolucionaram o modo como a Biologia estuda e interpreta o ambiente que rodeia o ser humano. Contudo, esta abordagem não parece ter sido transportada para a Medicina e a Enfermagem do mesmo modo que na Biologia. Apesar das mudanças radicais de estilos de vida ao que os Humanos se expuseram, a genética não parece ter mudado na mesma proporção, resultando numa epidemia de doenças crónicas da civilização. Seguindo um modelo de abordagem multimodal de inspiração do estilo de vida ancestral, o Enfermeiro do Trabalho, que se encontra na vanguarda da promoção da saúde no Adulto, poderá permitir melhorias de marcadores metabólicos e antropométricos nos trabalhadores das empresas que, indiretamente, irão potenciar a qualidade de vida, produtividade laboral e diminuição da sinistralidade.
Metodologia
Apresentam-se os dados obtidos através do acompanhamento de sete trabalhadores seguidos na consulta de Enfermagem para estilos de vida saudável numa empresa no Norte de Portugal, aos quais foram aplicados uma abordagem multimodal: sessões de educação para a saúde personalizadas sobre estilos de vida inspirados no conceito ancestral da evolução humana.
Resultados
São demonstrados sete casos de melhoria de marcadores metabólicos/ antropométricos em trabalhadores seguidos na consulta de Enfermagem para Estilos De Vida Saudáveis: triglicerídeos, índices triglicerídeos/ HDL, peso, Índice de Massa Corporal, perímetro abdominal e tensões arteriais.
Conclusões
A inspiração para estilos de vida de carácter ancestral é perfeitamente exequível em pleno século XXI e leva a melhorias a nível de marcadores metabólicos e fisiológicos dos trabalhadores. A realidade sobre a incidência e prevalência de doenças degenerativas crónicas parece dever-se fundamentalmente às alterações do estilo de vida moderno. Assim, a sua prevenção (ou reversão) deveria focar-se sobretudo em alterações comportamentais, sendo que, se conseguirmos benefícios num Case Management, gradualmente conseguimos melhorar as empresas.
Palavras-chave: Saúde Ocupacional, Enfermagem do Trabalho; Doenças da Civilização; Estilo de vida ancestral; Estilo de vida saudável.
ABSTRACT
Introduction
Darwin’s evolutionary theories have revolutionized the way Biology studies and interprets the environment surrounding human beings. However, this approach does not seem to have been carried over to medicine and nursing in the same way as in biology. Despite the radical lifestyle changes to which humans have been exposed, genetics do not seem to have changed in the same proportion, resulting in an epidemic of civilization’s chronic diseases. Following a multimodal approach model inspired by the ancestral lifestyle, the Occupational Health Nurse, who is at the forefront of adult health promotion, may allow improvements in metabolic and anthropometric markers in corporate workers, which, indirectly, will enhance the quality of life, work productivity and labor accidents.
Methodology
We present the data obtained through the study of seven workers who were being followed by the Healthy Lifestyle Nursing Consultation, in a company located in northern Portugal, to whom a multimodal approach was applied: personalized health education sessions based on ancestral human evolution lifestyle concepts.
Results
Seven cases of improvement of metabolic/ anthropometric markers in workers followed at the Nursing Consultation for Healthy Lifestyles are demonstrated: triglycerides, triglycerides: HDL ratio, weight, Body Mass Index, waist circumference and blood pressure.
Conclusions
Inspiration for ancestral lifestyles is perfectly achievable in the 21st century and leads to improvements in metabolic and physiological markers of workers. The reality about the incidence and prevalence of chronic degenerative diseases seems to be fundamentally due to changes in the modern lifestyle. Therefore, its prevention (or reversal) should focus mainly on behavioral changes, and if we achieve benefits in Case Management, we can gradually improve companies.
Keywords: Occupational Health Nursing; Diseases of Civilization; Ancestral lifestyle; Healthy lifestyle.
INTRODUÇÃO
A Enfermagem do Trabalho (ET) funciona como área da Saúde Pública, voltada para trabalhos na comunidade em que, neste caso, a comunidade são grupos de trabalhadores. A proteção da saúde deve ser sempre um objetivo para todos, incluindo os profissionais da saúde e, em particular, os Enfermeiros do Trabalho (Et) que, na sua prática profissional, se encontram na vanguarda do processo da Promoção de Saúde para adultos. O Et deverá assim atuar como emissor de informação que tornará o indivíduo, a família e a comunidade mais aptos para a escolha e adoção de estilos de vida saudáveis1. A educação para um estilo de vida saudável deve ter como base a evidência científica, bem como as preferências do trabalhador, o nível socioeconómico, as patologias prévias e estado nutricional, sem esquecer a sustentabilidade: este é um dos grandes desafios dos profissionais de saúde do futuro, uma vez que a população possui vários costumes enraizados.
As teorias evolucionistas de Darwin revolucionaram por completo a forma como a Biologia estuda e interpreta o ambiente que rodeia o ser humano. Contudo, esta abordagem não foi transposta para Medicina e Enfermagem do mesmo modo que na Biologia: só nos últimos anos tem surgido algum interesse, através da Medicina Evolucionista ou Darwiniana, que estuda a forma como as alterações sofridas ao longo da evolução do Homem podem explicar as doenças com as quais nos deparamos na atualidade e como podemos usar esse conhecimento no tratamento e prevenção das mesmas2. O advento da Agricultura resultou em grandes mudanças na vida do Ser Humano, uma metamorfose ainda mais drástica nos últimos duzentos anos, com o início da revolução Industrial e da produção de alimentos3. Apesar das mudanças radicais aos quais os Humanos se expõem, a genética não parece ter mudado na mesma proporção, para permitir que prosperassem baseados em produtos modernos, tendo como resultado uma má nutrição, falta de imunidade e uma epidemia de doenças crónicas. Seguindo um modelo baseado no consumo de alimentos reais, fontes de alta densidade nutricional semelhantes à dieta dos nossos ancestrais, é possível nutrir o corpo com o combustível de que ele necessita para alcançar a saúde e o bem-estar ideais, acoplado à aproximação de outras escolhas de acordo com a nossa evolução como espécie4,5,6.
METODOLOGIA
Apresenta-se o follow-up de sete trabalhadores seguidos na Consulta de Enfermagem para Estilos De Vida Saudáveis numa empresa no Norte do País, ao qual foi aplicado uma abordagem multimodal: sessões de educação para a saúde personalizadas sobre estilos de vida inspirados no conceito ancestral da evolução humana (Alimentação, Higiene do Sono, Gestão de Stress Crónico, Atividade Física, Exposição a Luz Solar, Exposição a Poluentes).
Consideram-se que os hábitos de determinada população precisam de ser alterados, representando um grande desafio para as políticas públicas, dado que envolvem relações entre pessoas e comportamentos7.
Os princípios básicos para um PROGRAMA-TIPO tão abrangente são os seguintes:
· Educação para a Saúde a nível de conceitos de Alimentação Ancestral: O conceito de alimentação ancestral não era uma tentativa de copiar hábitos alimentares da Era Paleolítica de uma forma historicamente correta, até porque de acordo com a persistência de localização do Homo Sapiens no planeta não existia “um estilo fixo”, mas sim “vários estilos” alimentares. O conceito norteia-se na sugestão da redução/ abolição de produtos recentes na evolução humana, de acordo a individualidade dos níveis de resistência à insulina inferidos com os dados possíveis (principalmente abolição de açúcares e óleos refinados, e menor percentagem de amiláceos e cereais, substituindo-os por uma ingestão de alimentos inteiros menos processados – legumes, carne, peixe, ovos, oleaginosas e frutas de menor carga glicémica, de preferência sazonais/ locais, e fontes de gorduras incluindo manteiga, azeite e as naturalmente presentes nos alimentos), usando o paradigma de “Dieta Ancestral” como modelo5,6, no qual o próprio trabalhador escolhia doses e proporções, Ad libitum. · Educação para a Saúde a nível de Higiene do Sono (Horas de Sono adequadas; Qualidade do Sono; A importância da melatonina; Consequências da exposição à luz artificial à Noite; Equipamentos eletrónicos; A importância de respeitar os ritmos Circadianos; Estratégias para melhorar a Qualidade do Sono que passavam pela utilização de filtros de luz azul nos equipamentos eletrónicos, utilização de plantas com propriedades relaxantes (Camomila, Valeriana, Tília), tentativa de manter o quarto a uma temperatura relativamente estável tendencialmente mais baixa, sem luz artificial, redução da exposição a esta após as 21h, sugestão de banho quente antes de dormir, evitar estimulantes incluindo refeições hiperglicídicas e hipercalóricas, exposição solar durante o dia, evitar exercício físico intenso à noite, entre outras). · Educação para a Saúde a nível Gestão do Stress: Diferenças entre Stress Agudo e crónico; Estratégias para promover gestão do Stress Crónico; Hábitos de Exercício Físico. · Educação para a Saúde a nível de Atividade Física: Promoção de atividade física de acordo com as limitações ou tempo disponível, colaborando em parceria com o trabalhador na escolha; encaminhamento se necessário. · Educação para a Saúde a nível de Exposição Solar: A importância da exposição solar diária e adequada; Respeito pelo ritmo circadiano; Prevenção de Queimaduras; Revisões sobre qualidade dos protetores solares; Importância da Vitamina D3; Importância de alguns compostos bioativos dos alimentos na exposição Solar; Níveis de hidratação. · Educação para a Saúde a nível de Exposição a Poluentes: no trabalho, no domicílio, nas compras; na utilização de plásticos; possíveis disruptores endócrinos; ensino sobre leituras de rótulos dos variados produtos (Cuidados pessoais, Alimentares, Casa), entre outros. O quadro representa apenas um resumo das abordagens. O programa é iterativo, para que haja otimização contínua ao longo das Consultas. Em cada Consulta podem ser abordados novos temas dentro dos círculos acima e otimizados de acordo com a preferência do trabalhador ou défice de conhecimento. Em todos os trabalhadores procura-se, à partida, obter dados de baseline, nos trabalhadores que possuam avaliações/ análises laboratoriais recentes, nomeadamente peso corporal, Índice de massa corporal, perímetro abdominal8, triglicerídeos, colesterol total, colesterol HDL, rácio triglicerídeos:HDL9, pesquisa de indicadores físicos na pele (como acantosis nigricans e acrocórdons10), que vão sugerir, com associação mais ou menos forte, resistência à insulina, e são incluídos ajustes nos estilos de vida na tentativa de reduzir essa resistência (promoção de atividade física, redução da exposição a ftalatos/BPA11, importância do ritmo circadiano com incentivo à abolição da luz artificial à noite12,13, exposição solar diária14; aconselhamento na redução da ingestão de fontes de glicose15,16; Compostos bioativos dos alimentos inseridos numa matriz de alimentação saudável que possam auxiliar a nível da resistência à insulina, ou inflamação, através da via do NFKB, ou outras17,18,19. Assim, de uma forma acessível e inserida no serviço de Saúde Ocupacional, conseguimos inferir uma maior ou menor sensibilidade à insulina e procurar atuar em conformidade, fornecendo um acompanhamento geral, mas ajustando à individualidade e obtendo ganhos em saúde. |
RESULTADOS
Segundo as regras da Revista RPSO, os quadros, tabelas e gráficos devem apresentar-se no final do artigo. Porém, devido à facilidade em apresentar os dados específicos dos trabalhadores e melhor visualização, a autora optou por colocar seguidamente a tabela associada a cada caso.
CASO 1
Trabalhador hipertenso, medicado com anti hipertensores sem limitações ao nível da gestão ou adesão do regime medicamentoso, com um nível de stress segundo a escala PSS-10 (Perceived Stress Scale) no valor de 30, dormia cerca de seis horas por noite com recurso a ansiolíticos, com antecedentes de acidente vascular cerebral em familiares diretos.
Após seis dias de seguir uma inspiração para o estilo de vida ancestral (com adaptação para um conceito mais reduzido em hidratos de carbono, aconselhamento sobre plantas com propriedades relaxantes (camomila e Valeriana), otimização da Higiene do Sono (tentativa de aumento para pelo menos sete horas por noite, redução de exposição a luz artificial após as 21h, utilização de filtros de luz azul nos aparelhos eletrónicos), as suas Tensões Arteriais iniciais de 185/90mmHg evoluíram para 140/80mmHg (sem alterações a nível de dosagem de anti hipertensores), após seis dias destas recomendações e com manutenção durante o mês seguinte. Não foi realizada a abordagem a nível do exercício físico devido a suposta impossibilidade do trabalhador naquela fase de follow-up (referia não ter disponibilidade). Ao fim de um mês, refere Sono com melhor qualidade (auto referido como sendo mais reparador, com menos interrupções durante a noite) apesar de ainda manter alguma necessidade de ansiolíticos, mas em menor dosagem. Foi mantido o seguimento durante um ano e mantiveram-se os mesmos valores. Refere que, ao fim de um ano, desapareceu a necessidade de ansiolíticos para dormir, mantendo a sensação de sono reparador, sem interrupções. Os seus ganhos encontram-se na seguinte tabela:
Antes da Intervenção | Após seis dias da Intervenção | Após um mês da intervenção | |
Tensão Arterial (mmHg) | 180/90 | 140/80 | 130/90 |
Colesterol Total (mg/dL) | 224 | – | 210 |
Triglicerídeos (mg/dL) | 192 | – | 79 |
Colesterol HDL (mg/dL) | 48 | – | 56 |
Rácio Triglicerídeos:HDL * | 4 | 1,41 | |
Peso (Kg) | 62 | – | 60 |
Glicemia em jejum (mg/dL) | 97 | – | 83 |
Escala PSS-10 | 30 | – | 13 |
*O rácio Triglicerídeos/HDL superior a 3 sugere resistência à insulina.
CASO 2
Trabalhador obeso, com dislipidemia, rinite alérgica medicada, seguia (segundo relato pessoal há cerca de dois anos) “dietas Yoyo”, foi aconselhado pela sua médica assistente a abordar um tipo de alimentação inspirada na “Dieta Ancestral”. Sugeriu-se seguir uma inspiração de alimentação de acordo com o programa-tipo, sem ajustes em outros parâmetros e, por iniciativa própria, uma vez que a sensação de fome se tornou mais regulada, optou por realizar um período de jejum por semana de 24 horas, tendo-a mantido ao longo do ano. Os seus ganhos encontram-se na seguinte tabela:
Antes da Intervenção | Aos três meses de intervenção | |
Colesterol Total (mg/dL) | 241 | 215 |
Colesterol HDL (mg/dL) | 57 | 64 |
Triglicerídeos (mg/dL) | 71 | 64 |
Rácio Triglicerídeos:HDL | 1,24 | 1 |
GGT (u/L) | 43 | 21 |
Peso (Kg) | 97,5 | 77 |
IMC (Kg/m2) | 32,9 | 26,0 |
No exame médico periódico seguinte (um ano após), refere melhoria ao nível dos sintomas alérgicos, reduziu a necessidade de medicação em SOS e tem-se mantido nos parâmetros obtidos aos três meses. Foram mantidas as entrevistas motivacionais de acompanhamento e manutenção de comportamentos.
CASO 3
Trabalhador obeso, fumador de vinte cigarros por dia, há cerca de vinte anos, com dislipidemia e ingestão alcoólica de três vezes por semana. Com abordagem novamente do programa-tipo de aconselhamento ancestral, inicialmente voltado para conselhos alimentares, mas com inclusão (ao segundo mês) de caminhadas de trinta minutos. Os seus ganhos encontram-se na seguinte tabela:
Antes da Intervenção | Aos três meses de intervenção | |
Colesterol Total (mg/dL) | 230 | 175 |
Colesterol HDL (mg/dL) | 34 | 44 |
Triglicerídeos (mg/dL) | 424 | 121 |
Rácio Triglicerídeos:HDL | 12,5 | 2,8 |
GGT (u/L) | 86 | 31 |
Ácido Úrico (mg/dL) | 8,7 | 6,5 |
Perímetro abdominal | 103 | 95 |
Glicemia em jejum (mg/dL) | 125 | 97 |
Peso (Kg) | 96 | 86 |
IMC (Kg/m2) | 28,2 | 25,2 |
Ao fim de três meses referiu apenas ingerir bebidas alcoólicas ao fim-de-semana.
CASO 4
Trabalhador normoponderal, que decidiu iniciar exercício físico e requereu acompanhamento para estilos de vida saudáveis. Como sintomatologia apresentava vários episódios semanais de dor por toda a extensão da coluna, que acreditava serem adaptação ao exercício físico, com tomas de aproximadamente três a quatro dias de relaxantes musculares por semana, acoplados a massagens de relaxamento e aplicação de calor local. Por manutenção de dor musculosquelética, recorreu ao Serviço Nacional de Saúde, de cujo seguimento resultou o diagnóstico de Espondilite Anquilosante. Neste trabalhador foram realizadas educações para a saúde a nível de Higiene do Sono (diminuição da exposição a luz artificial após as 21h, utilização de filtros de luz azul nos equipamentos eletrónicos, tentativa de manter sono mínimo de oito horas diárias), Stress (incentivo de atividade física, utilização de plantas com propriedades relaxantes), Alimentação (neste caso específico foi aconselhado a eliminar pelo menos durante um mês a exposição a solanáceas, ovos, soja, leite, trigo, leguminosas e oleaginosas, possíveis gatilhos de dor e inflamação20); após um mês foi reintroduzindo um produto a cada três ou quatro dias e foi recomendado que anotasse a sensibilidade pessoal. Tendo reintroduzindo ovos, solanáceas e oleaginosas sem sintomatologia, apresentando queixas após a ingestão de leguminosas e trigo, pelo que optou por manter a não ingestão nos meses seguintes; providenciou-se ainda o acréscimo de consumo de especiarias com possíveis propriedades anti-inflamatórias, como o gengibre e a curcuma e incentivo ao aumento do consumo de fontes naturais de ómega-3); dando-se também atenção à Exposição a Poluentes (redução da exposição a ftalatos, BPA e outros possíveis disruptores endócrinos21,22). Foi acompanhado durante quatro meses e, nesse período, a necessidade de usar relaxantes musculares e massagens reduziu-se para uma sessão por semana. Ao quinto mês de intervenção, referia apresentar dores mais constantes (três vezes por semana) e o único fator que se recorda ter alterado, foi a reintrodução de componentes de trigo, de modo diário. Por esse motivo foi aconselhado a manter o padrão anterior, tendo novamente voltado à consulta de Enfermagem uma vez por semana.
Durante os primeiros cinco meses não efetuou terapêutica anti-inflamatória nem imunossupressora, por se encontrar em seguimento no Sistema Nacional de Saúde.
Na seguinte tabela encontram-se os seus ganhos:
Antes da Intervenção | Aos quatro meses de intervenção | Ao quinto mês | Após regressar ao padrão sugerido inicial | |
Colesterol Total (mg/dL) | – | 177 | – | – |
Triglicerídeos (mg/dL) | – | 80 | – | – |
Peso (Kg) | 60 | 54,5 | – | – |
IMC (Kg/m2) | 23,4 | 21,3 | – | |
Proteína C Reativa | 8,6 | 0,8 | 3,5 | – |
Nº Tratamentos Massagens + medicação/semana | 4 | 1 | 3 | 1 |
CASO 5
Trabalhador com Esteatose hepática diagnosticada há cerca de dez anos, sob controlo analítico e ecográfico, com estabilização do diagnóstico. Após um ano de intervenções que abordaram o programa-tipo de aconselhamento de alimentação saudável (aconselhado a seguir o programa-tipo de alimentação referido, com sugestão de aumento do consumo de fontes naturais de ómega-3 e promoção de exercício físico), constatou-se reversão da Esteatose Hepática através de ecografia e marcadores analíticos. Após tentativa de parceria com o trabalhador, foi infrutífera a abordagem sobre hábitos alcoólicos, pelo que os manteve em todo o processo, ao fim-de-semana.
Antes da Intervenção | Após um ano da intervenção | |
Colesterol Total (mg/dL) | 188 | 199 |
Triglicerídeos (mg/dL) | 51 | 46 |
Colesterol HDL (mg/dL) | 40 | 51 |
Rácio Triglicerídeos:HDL | 1,28 | 1,11 |
GGT (u/L) | 117 | 51 |
Ácido Úrico (mg/dL) | 6,7 | 5,3 |
Peso (Kg) | 94 | 80 |
IMC (Kg/m2) | 32,5 | 27,7 |
Ecografia hepática | Esteatose hepática | Sem sinais de esteatose hepática |
CASO 6
Trabalhador obeso, sem hábitos alcoólicos ou tabágicos, tendo-se detetado num exame médico periódico valores tensionais elevados. Dormia cerca de seis horas por noite e praticava uma caminhada semanal de uma hora a cerca de 6 km/hora de velocidade (por não conseguir com mais intensidade), devido a fascite plantar. Após convite para acompanhamento na consulta de Enfermagem, foi identificado com sinais sugestivos de acantosis nigricans e acrocórdons*. Aconselhado a seguir o programa-tipo através de aconselhamento sobre abolição temporária de alimentos de alta carga e índice glicémico bem como aumento de consumo de canela e chá verde; gestão da higiene do sono (adequação de comportamentos de acordo com o ritmo circadiano com tentativa de aumento de uma a duas horas de sono por noite) e manutenção de hábitos alimentares apenas durante o dia e promoção das caminhadas. Os seus ganhos encontram-se na seguinte tabela:
Antes da Intervenção | Após um mês de intervenção | Aos dois meses de intervenção | |
Tensões Arteriais (mmHg) | 167/107 | 138/92 | 139/91 |
Colesterol Total (mg/dL) | 211 | 152 | – |
Colesterol HDL (mg/dL) | 41 | 41 | – |
Triglicerídeos (mg/dL) | 256 | 150 | – |
Rácio Triglicerídeos:HDL | 6,24 | 3,70 | – |
Peso (Kg) | 114 | 108,4 | 104,2 |
IMC (Kg/m2) | 38,1 | 36,2 | 34,8 |
Perímetro abdominal (cm) | 127 | 121 | 114 |
Gordura Visceral (avaliada segundo Omron Care) | 20 | – | 18 |
*Existência de Acantosis nigricans, acrocórdons e Indice Tg/HDL>3, sugere resistência à insulina.
No final do terceiro mês, refere que a fascite plantar já não o incomodava nas caminhadas, conseguindo manter a maioria da caminhada com uma média de 7 km/ hora de velocidade.
CASO 7
Trabalhador obeso, com antecedentes em familiares diretos de Diabetes tipo 2, sentia necessidade de hábitos de saúde mais saudáveis, mas que não se sentia capaz de grandes mudanças na sua vida. Aderiu às recomendações fornecidas segundo programa-tipo apenas com mudanças subtis, com necessidades de várias fugas ao plano, com carácter semanal. Apresentava acrocórdons dispersos pelo corpo. Na seguinte tabela visualizam-se os seus ganhos, mais lentos no início do programa pela resistência à mudança:
Antes da Intervenção | Após um mês de intervenção | Aos dois meses | Aos quatro meses | |
Tensões Arteriais (mmHg) | 123/79 | 126/59 | 123/62 | 124/65 |
Colesterol Total (mg/dL) | 196 | – | – | – |
Colesterol HDL (mg/dL) | 55 | – | – | – |
Triglicerídeos (mg/dL) | 138 | – | – | – |
Rácio Triglicerídeos:HDL | 2,5 | – | – | – |
Peso (Kg) | 80,1 | 80,0 | 77,7 | 75,7 |
IMC (Kg/m2) | 31,2 | 31,2 | 30,3 | 29,3 |
Perímetro abdominal (cm) | 99 | 97 | 95 | 93 |
Gordura Visceral (avaliada segundo Omron Care) | 11 | – | – | 9 |
*Existência de acrocórdons pode sugerir resistência à insulina.
Este trabalhador aguarda avaliação do primeiro ano de análises sanguíneas, para comparação com os valores iniciais.
DISCUSSÃO
Os resultados destes sete trabalhadores sugerem que fatores de risco como dislipidemia, hipertrigliceridemia, perímetro abdominal aumentado, rácio triglicerídeos: HDL podem ser melhorados, de modo sustentado, com o programa descrito aqui. Os resultados são surpreendentes e compatíveis com a noção de que marcadores metabólicos representam uma ação crucial e prontamente manipulável na prevenção das doenças crónicas.
O papel de Educador re querido ao Enfermeiro (um dos vários papéis segundo a Organização Mundial de Saúde) tem necessariamente de assentar em diferentes conhecimentos científicos. Só deste modo pode construir um pensamento crítico mobilizador de ações adequadas, exequíveis e individualizadas. A importância da comunicação reveste-se com uma atenção especial, na medida em que a forma como se estabelece a relação influencia a adesão às orientações. Por esse motivo, quando se pretendem mudar comportamentos, utilizam-se técnicas que procuram trabalhar a motivação; ou seja, que gerem a possibilidade de uma negociação entre ambos e mudança de um comportamento errado, permitindo trocas bidirecionais de valores sobre a saúde, as crenças e os modos de agir sobre o problema. Se a realidade é termos hoje novos alimentos/ comportamentos, mais do que nunca há razão para o profissional, através de ações singulares, adotar uma atitude criativa, inovadora e construtiva do cuidado1. “Há um tempo em que é preciso esquecer os caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares” (Fernando Pessoa).
A ciência leva tempo, mas a evidência começa a acumular-se em sugerir que a junção do melhor de dois Mundos (o melhor da Medicina e o Melhor do estilo de vida dos Povos ancestrais) é perfeitamente exequível em pleno século XXI e leva a melhorias a nível de marcadores metabólicos e fisiológicos, com consequente diminuição de vários fatores de risco, de modo progressivo. O grau de sucesso é diretamente proporcional ao grau de empenho ao seguir recomendações. Em alguns trabalhadores não é de todo um processo linear. Aliás, verificam-se períodos de manutenção e de retrocesso. O hábito surge da repetição. A repetição exige determinação, tempo, persistência e resiliência. O importante é que ela vá acontecendo…
Casos isolados não são robustos como evidência científica. Mas quando se começam a acumular centenas de casos sob a mesma abordagem? Como Neil Tyson (discípulo de Carl Sagan) afirma, deveríamos “testar ideias através da experiência e observação; partir das ideias que passam o teste, rejeitar as que falham, seguir as provas onde quer que conduzam… e questionar tudo”. O indivíduo é um organismo que trabalha em sinergia com o Ambiente, e não podemos olhar para ela como um órgão, um problema ou um sintoma isolado. Temos de olhar de modo holístico e observar como gatilhos ambientais ou individuais podem despoletar problemas: corrigir o erro alterando o ambiente e observar se o “problema” diminui. Na maior parte das vezes a patologia não é produto do azar, mas consequente às escolhas feitas ao longo do ciclo vital (e sobretudo pelas não feitas).
A aplicação dos estilos de vida ancestrais como recurso terapêutico para algumas das patologias (ou pré) mais prevalentes da era moderna começaram, neste século, a ganhar robustez científica2,23.
Sob os óculos da “Enfermagem do Trabalho”, as pessoas expõem-se a fatores de risco durante um tempo adequado e, de acordo com a sua suscetibilidade, aumentam a probabilidade de ocorrer patologias. A função de um Enfermeiro do Trabalho atento é detetar também estes fatores de risco (que são muito mais que apenas os Físicos, Químicos, Biológicos, Ergonómicos, Psicossociais, mas também os associados aos Estilos De Vida), e procurar trabalhar em parceria com o trabalhador na melhor forma de eliminar estes fatores, ou substituir por outros menos agressivos, tendo como foco de atuação o Comportamento das pessoas, e procurando aceder também às gavetas das Crenças em Saúde que delimitam esses comportamentos. É preciso investir em entrevistas motivacionais (maus hábitos comportam-se como comportamentos aditivos) e procurar descobrir qual é o gatilho daquela pessoa de características únicas que está à nossa frente. Muitas vezes não é possível detetar esse gatilho, e torna-se um desafio eliminar esse fator de risco. Cada pessoa é um ser que cresce e se desenvolve num meio social com hábitos e costumes enraizados. Mas quando os hábitos e costumes enraizados parecem conduzir à doença, não será a hora de mudar hábitos e costumes?
CONCLUSÕES
A inspiração e aplicação do estilo de vida dos Povos ancestrais é perfeitamente exequível em pleno século XXI e leva a melhorias a nível de marcadores metabólicos e físicos dos trabalhadores. Como profissionais de saúde, temos de deixar de chamar à hipertensão, à diabetes e à dislipidemia “doenças da idade, azar ou genética”. A idade reflete sobretudo que quanto maior o tempo de exposição a determinados comportamentos, maior a probabilidade de obter consequências. Os comportamentos e as escolhas desadequadas são os fatores de risco. O que temos assistido na incidência e prevalência de doenças degenerativas crónicas (diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, doenças autoimunes, degenerativas e vários tipos de cancro) parece dever-se fundamentalmente às alterações que o estilo de vida moderno trouxe (dieta inadequada, sedentarismo, alteração dos padrões de sono, de exposição solar, stress crónico e exposição a vários poluentes). Assim, a sua prevenção (ou reversão) deveria focar-se sobretudo em alterações comportamentais. E se conseguirmos benefício positivo num Case Management, aos poucos conseguimos mudar as empresas.
CONFLITOS DE INTERESSE; OUTRAS QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS
Nada a declarar.
AGRADECIMENTOS
Nada a declarar.
BIBLIOGRAFIA
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(1)Diana Costa
Enfermeira numa empresa do ramo automóvel, com competência acrescida em Enfermagem do Trabalho. Morada para envio de correspondência dos leitores: Rua de Chãs, 95, A2 frente, 4400-414 S. Pedro da Afurada. E-mail: enf.dianacosta@gmail.com