Cavaco J, Rebelo R, Silva A. Mitigar o Calor- Medidas Preventivas para os Trabalhadores ao Ar Livre: uma Revisão Bibliográfica. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. 2025; 20: esub0539. DOI: 10.31252/RPSO.28.07.2025
MITIGATING HEAT – PREVENTIVE MEASURES FOR OUTDOOR WORKERS: A BIBLIOGRAPHIC REVIEW
Artigo: Artigo de Revisão
Autores: Cavaco J(1), Rebelo R(2), Silva A(3).
RESUMO
Introdução
As alterações climáticas estão a causar um aumento da temperatura média ambiente, assim como um aumento da frequência e intensidade das ondas de calor, com consequências significativas para os trabalhadores, especialmente para os que trabalham ao ar livre. O stress térmico aumenta o risco de acidentes de trabalho e problemas de saúde graves. A crescente ameaça exige a implementação de medidas de prevenção nos locais de trabalho.
Objetivos
O objetivo principal deste estudo consiste em apresentar uma revisão da literatura sobre medidas preventivas adequadas para mitigar os efeitos do calor nos trabalhadores ao ar livre e sensibilizar as equipas de Saúde Ocupacional para a importância do seu contributo na implementação destas medidas.
Metodologia
A metodologia utilizada consistiu numa pesquisa nas bases de dados Mdpi, BMC e Wiley com os descritores “heat stress” AND “occupational health”, delimitada ao período entre 2015 e 2024, bem como a análise da legislação portuguesa em vigor complementada e documentos de referência na área produzidos pela EU-OSHA e NIOSH. A pesquisa foi realizada a 31-07-2024, tendo sido selecionados sete artigos em inglês após aplicação de critérios de inclusão e exclusão. Foram ainda incluídos quatro trabalhos publicados pela Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional Online com relevância para o tema.
Resultados
Os principais resultados destacaram a importância de programas de alerta de calor, planos de aclimatização, monitorização meteorológica e fisiológica, formação dos trabalhadores, gestão do ritmo de trabalho e pausas, hidratação adequada, acesso a sombra e locais de arrefecimento, uso de vestuário apropriado e planos de ação para emergências, medidas estas que devem ser implementadas com o contributo das equipas de saúde ocupacional.
Conclusão
As medidas preventivas adequadas para mitigar os efeitos do calor nos trabalhadores ao ar livre requer uma abordagem multifacetada que envolve empregadores, supervisores, os próprios trabalhadores e os profissionais das equipas de saúde ocupacional, com o objetivo de proteger a saúde e a segurança e preservar a produtividade.
PALAVRAS-CHAVE: Stress térmico, Medicina do Trabalho, Enfermagem do Trabalho, Segurança no Trabalho, Saúde Ocupacional, Trabalhadores ao ar livre, Medidas preventivas.
ABSTRACT
Introduction
Climate change is causing an increase in average ambient temperature, as well as an increase in the frequency and intensity of heat waves, with significant consequences for workers, especially those working outdoors. Heat stress increases the risk of workplace accidents and serious health problems. The growing threat requires the implementation of preventive measures in the workplace.
Objectives
The main objective of this study is to present a literature review on appropriate preventive measures to mitigate the effects of heat on outdoor workers and to raise awareness among occupational health teams about the importance of their contribution in implementing these measures.
Methods
The methodology used consisted of a search in the Mdpi, BMC and Wiley databases using the descriptors “heat stress” AND “occupational health”, limited to the period between 2015 and 2024, as well as an analysis of the current Portuguese legislation supplemented by reference documents in the field produced by EU-OSHA and NIOSH. The search was conducted on July 31, 2024 and seven articles in english were selected after aplying inclusion and exclusion criteria. Four papers published by Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online relevant to the topic were also included.
Results
The main results highlighted the importance of heat warning programs, acclimatization plans, meteorological and physiological monitoring, worker training, work pace and rest management, adequate hydration, access to shade and cooling areas, use of appropriate clothing and emergency action plans, measures that should be implemented with the input of the occupational health teams.
Conclusion
Appropriate preventive measures to mitigate the effects of heat on outdoor workers require a multifaceted approach involving employers, supervisors, workers themselves and occupational health professionals, with the aim of protecting health and safety and preserving productivity.
KEYWORDS: Heat stress, Occupational Medicine, Occupational Nursing, Occupational Safety, Occupational Health, Outdoor workers, Preventive measures.
INTRODUÇÃO
Impacto do calor e das alterações climáticas na Saúde Ocupacional
As alterações climáticas têm provocado um aumento progressivo da temperatura média ambiente, bem como da frequência e intensidade das ondas de calor, com impactos significativos para os trabalhadores, sobretudo aqueles que exercem atividades ao ar livre (1).
Os setores com maior vulnerabilidade devido à intensidade física do trabalho e à exposição direta ao sol e ao calor incluem a agricultura, manutenção e reabilitação de estradas e espaços públicos, pesca, construção civil, mineração e extração de pedras, transportes, serviços postais, recolha de resíduos e instalação e manutenção de serviços públicos essenciais (1).
Estes efeitos refletem-se em maior incidência de acidentes de trabalho, doenças relacionadas com o calor e redução da produtividade, pelo que é fundamental implementar medidas que visem a melhoria da saúde e segurança dos trabalhadores expostos a temperaturas elevadas de forma a minimizar os seus efeitos (2) (3).
Legislação
Em Portugal, não existe legislação específica que defina limites para temperaturas extremas em atividades ao ar livre. No entanto, a Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que estabelece o regime jurídico da segurança e saúde no trabalho, determina que o empregador deve assegurar condições adequadas de segurança e saúde em todos os aspetos do trabalho (4).
Para atividades em ambientes interiores, como comércio, escritórios e serviços, o Decreto-Lei n.º 243/86 recomenda que a temperatura dos locais de trabalho se mantenha, sempre que possível, entre 18 °C e 22 °C, podendo atingir 25 °C em condições climatéricas excecionais (5). No entanto, no exterior, o controlo da temperatura é inviável, tornando ainda mais relevante a adoção de estratégias preventivas adequadas.
Stress Térmico nos trabalhadores ao ar livre
O stress térmico aumenta significativamente o risco de acidentes e de problemas de saúde, como cãibras, rabdomiólise, síncope, erupções cutâneas, edema e hipertermia (1). Este último, associado a uma temperatura corporal central superior a 40 °C, pode ser fatal (6) e/ou provocar danos irreversíveis em órgãos vitais como coração, pulmões, rins e fígado (7).
De um modo geral, os trabalhadores tendem a não reconhecer os sintomas do stress térmico em si mesmos, sendo a atuação de colegas para a identificação dos sinais e a solicitação imediata de assistência médica fundamental para a sua sobrevivência (1).
A avaliação do risco de stress térmico deve integrar a avaliação global dos riscos do local de trabalho (1). Dada a gravidade crescente desta ameaça em contexto ocupacional, é essencial que empregadores adotem políticas e procedimentos de segurança que minimizem os efeitos negativos na saúde dos trabalhadores e preservem a produtividade (8).
Efeitos a longo prazo da exposição ao calor nos trabalhadores ao ar livre
A exposição prolongada ao calor pode provocar desorientação, diminuição da capacidade de discernimento, perda de concentração, redução do estado de vigília, desatenção e fadiga, aumentando, consequentemente, o risco de acidentes. A deterioração das funções cognitivas e o aumento dos tempos de reação podem afetar particularmente trabalhadores que desempenham tarefas de alto risco, como condutores (1).
Além disso, a exaustão crónica provocada pelo calor, as perturbações do sono e a maior suscetibilidade a lesões e doenças têm sido associadas aos efeitos da exposição prolongada ao calor (1).
Importa salientar que a investigação sobre esses efeitos a longo prazo ainda está em desenvolvimento, sendo necessárias mais pesquisas para compreender plenamente as suas implicações (9).
Fatores de risco individuais
Diversos fatores influenciam a tolerância individual ao calor, entre eles:
- Idade: pessoas mais velhas tendem a ser mais suscetíveis a doenças relacionadas ao calor;
- Sexo: mulheres podem apresentar ligeiras diferenças na termorregulação em relação aos homens, sobretudo durante a gravidez;
- Obesidade: a gordura corporal atua como isolante térmico, aumentando a produção de calor metabólico;
- Estado de saúde: doenças cardiovasculares e diabetes podem comprometer a capacidade de dissipar calor;
- Medicamentos: diuréticos e antidepressivos podem interferir na termorregulação;
- Álcool: o consumo excessivo favorece a desidratação;
- Aclimatização: trabalhadores não aclimatizados apresentam maior risco de desenvolver doenças relacionadas ao calor (1) (9).
Aclimatização
A aclimatização ocorre quando o organismo se adapta gradualmente à exposição repetida ao calor, tornando-se mais eficiente na regulação térmica. Trabalhadores aclimatizados tendem a manter temperaturas corporais e frequências cardíacas mais baixas, com menos sintomas de stress térmico (9).
Os benefícios incluem menor risco de doenças relacionadas com o calor, melhor desempenho no trabalho e maior conforto, com redução de sintomas como fadiga, tonturas e náuseas (9).
A aclimatização geralmente se estabelece ao longo de 7 a 14 dias de exposição regular e progressiva ao calor, evitando a sobrecarga do organismo (9).
WBGT (Wet Bulb Globe Temperature – Índice de temperatura de bolbo húmido e de temperatura do globo)
Desenvolvido na década de 1950 por ergonomistas militares dos Estados Unidos, o WBGT é atualmente reconhecido internacionalmente como um método confiável para avaliar o stress térmico em contextos militares, ocupacionais e desportivos (10).
Com base nos valores de referência do WBGT, diversas organizações internacionais formulam recomendações para ciclos de trabalho e descanso, bem como para ingestão de líquidos, adaptadas ao nível de esforço físico exigido pelas atividades (10).
A maioria dos estudos existentes nesta área apresentam sobretudo descrição dos riscos, perceções e efeitos do calor nos trabalhadores ao ar livre ou recomendações contextuais dirigidas para ambientes laborais específicos. O presente trabalho tem como principal objetivo realizar uma revisão da literatura sobre as medidas preventivas adequadas para mitigar os efeitos do calor nos trabalhadores ao ar livre, sendo que a implementação das mesmas nos locais de trabalho torna-se cada vez mais urgente e imprescindível para garantir a segurança e saúde dos trabalhadores. Pretende ainda sensibilizar as equipas de Saúde Ocupacional para a importância do seu contributo na implementação destas medidas.
METODOLOGIA
Com o objetivo de enquadrar a temática em estudo, a questão de investigação foi estruturada com base na estratégia PEO — Population, Exposure e Outcome:
- (P) Population: trabalhadores ao ar livre
- (E) Exposure: exposição ao calor no contexto da atividade profissional
- (O) Outcome: identificação de medidas preventivas adequadas para mitigar os efeitos do calor
A partir desta definição, formulou-se a seguinte questão de investigação: Quais as medidas preventivas adequadas para mitigar os efeitos do calor nos trabalhadores ao ar livre?
Para responder a esta questão, realizou-se uma revisão da literatura mediante pesquisa nas bases de dados MDPI, BMC e Wiley, utilizando os descritores “heat stress” AND “occupational health”, complementada pela análise da legislação portuguesa em vigor sobre o assunto e documentos de referência na área produzidos pela EU-OSHA (Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho) e NIOSH (National Institute for Occupational Safety and Health – Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional).
A pesquisa foi delimitada ao período entre 2015 e 2024, tendo sido realizada a 31-07-2024 e resultou num total de 122 artigos: 34 na base de dados MDPI, 51 na BMC e 37 na Wiley. Seguiram-se as etapas de identificação, seleção, elegibilidade e inclusão (Figura 1), tendo sido selecionados sete artigos em inglês, após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão (Quadro 1). Foram ainda incluídos quatro trabalhos publicados pela Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional Online (RPSO) com relevância para o tema.
Por fim, foi realizada uma leitura integral e cuidadosa dos artigos incluídos, com destaque para as informações mais relevantes para responder à questão de investigação proposta.
RESULTADOS
Os resultados desta revisão foram organizados em torno das principais medidas preventivas, recomendações, intervenções e estratégias identificadas para mitigar os efeitos do calor em trabalhadores ao ar livre.
Uma das medidas mais relevantes destacadas foi a criação de um Programa de Alerta de Calor, conforme preconizado pelo NIOSH em 2016 (9). Este programa deve ser acionado sempre que as previsões meteorológicas indicarem a possibilidade de uma onda de calor, definida como uma temperatura máxima diária superior a 35 °C ou superior a 32 °C e, simultaneamente, 5 °C acima da média dos dias anteriores (9). Um programa eficaz inclui plano de aclimatização, monitorização meteorológica, protocolos de alerta, capacitação dos trabalhadores, primeiros socorros e planos de resposta a emergências (6).
O projeto Sun Safety at Work Canada de Kramer et al. (7) propõe um conjunto abrangente de estratégias para reduzir a exposição solar ocupacional e o stress térmico, agrupadas em medidas estruturais/ambientais, políticas e educacionais. Entre as medidas estruturais/ambientais destacam-se a redistribuição de tarefas ao ar livre para horários de menor intensidade solar; o fornecimento de estruturas de sombra, equipamentos de proteção individual (EPI) e líquidos; bem como paragem das atividades em caso de calor extremo (7). As políticas institucionais incluem a incorporação da segurança solar e do calor nas descrições de funções e formação contínua, enquanto as medidas educacionais focam-se na disponibilização de informações práticas e relevantes e formação para os trabalhadores (7) (8).
As recomendações desenvolvidas pelo Método Delphi Modificado (8) fornecem um guia detalhado para empregadores e permitem priorizar as intervenções, de acordo com a qualidade da evidência:
- Nível A: evidência robusta e orientada para o trabalhador;
- Nível B: evidência limitada;
- Nível C: outras evidências.
Entre as recomendações de Nível A, Morrissey et al. (8) destacam:
- Higiene térmica: acesso a programas de bem-estar para minimizar fatores de risco;
- Hidratação: acesso e disponibilidade de água potável e fresca;
- Monitorização ambiental: avaliação das condições ambientais com recurso a índices como o WBGT, considerando fatores como exigências físicas do trabalho, vestuário e estado de aclimatização;
- Plano de ação de emergência: elaborado, comunicado, atualizado, revisto e ensaiado periodicamente.
As recomendações de Nível B incluem:
- Aclimatização: programas graduais de 5 a 7 dias para novos trabalhadores e para aqueles que regressam após ausências prolongadas;
- Arrefecimento corporal: locais adequados para descanso e hidratação, com possibilidade de remover camadas de roupa;
- Têxteis e EPI: escolha de vestuário leve, eficiente e certificado.
A gestão do ritmo de trabalho e a rotação de tarefas também são fundamentais, sobretudo em atividades fisicamente exigentes. O estudo de intervenção em trabalhadores agrícolas de Chavez et al. (6) sublinham a necessidade de adaptar o esforço através de ciclos de trabalho/repouso, rotação de tarefas e ajustes do ritmo de trabalho. Pinela et al. (2) salientam também a importância de alterar os horários de trabalho para evitar os períodos de maior calor, aumentar o número de pausas e diminuir as exigências físicas das tarefas, assim como a implementação de sombras nos locais de trabalho e o uso de roupas leves, claras e largas sempre que possível.
Quanto à hidratação, Morrissey et al. (8) enfatizam que os empregadores devem disponibilizar água fresca nos locais de trabalho e desenvolver estratégias que considerem as necessidades individuais, intensidade do trabalho e condições ambientais, além de assegurar acesso a sanitários adequados. Chavez et al. (6) reforçam que o acesso a instalações sanitárias limpas e regimes de pausa que não penalizem o trabalhador são essenciais para manter a hidratação. Na mesma linha, Glaser et al. (11) e Hansen et al. (3) recomendam sombra suficiente e bem localizada (em locais sem sombra natural, sugerem o uso de tendas móveis com bancos para descanso), estações para reabastecimento de água/eletrólitos e um cronograma formal para pausas. Os resultados obtidos por Fiorentin (12), que utilizou o WBGT para avaliar o calor ocupacional de trabalhadores rurais do setor da cana de açúcar quer no campo, quer nas áreas de descanso, indicaram que a concessão de pausas em locais mais amenos reduzem o stress térmico, mostrando-se eficazes na redução da temperatura corporal, regulação da temperatura e atenuação do calor. O mesmo autor defende que os trabalhadores devem ser incentivados a auto-limitar a exposição em função dos sinais e sintomas de sobrecarga térmica e a informar um supervisor sobre quaisquer alterações na saúde relacionadas com o calor (12). Santos e Almeida (13) propõem ainda reservar a execução das tarefas mais perigosas para os momentos mais adequados do dia e/ou estação do ano, de forma a evitar os períodos de maior calor, reduzindo assim a exposição dos trabalhadores.
Apesar de não ter sido encontrada uma relação significativa entre formação prévia sobre doenças relacionadas com o calor e o relato de sintomas (6), a educação e a consciencialização permanecem pilares fundamentais na prevenção. Chavez et al. (6) defendem que a formação deve ser culturalmente adaptada, em linguagem acessível e que devem ser abordados aspetos práticos como a identificação de sintomas, estratégias de hidratação e a importância das pausas.
Hansen et al. (3) reforçam a necessidade de educar os trabalhadores sobre os riscos associados à exposição ao calor, dada a tendência dos mesmos para subestimarem os seus efeitos; a importância da formação, que deve ser sensível a diferentes níveis de literacia e idiomas e integrar a receção de novos colaboradores; e destacam ainda a relevância de reuniões diárias para reforçar a segurança e preparar os trabalhadores para as condições do dia.
Por fim, a utilização da realidade virtual (RV) para treino e formação, como descrito por Alzarrad et al. (14), surge como uma estratégia inovadora para simular cenários de stress térmico de forma segura e imersiva, permitindo reconhecer sinais e adotar medidas preventivas; aumenta a retenção de conhecimento, desenvolve memória muscular e prepara mentalmente os trabalhadores para situações reais, representando uma potencial revolução nos padrões de segurança para esses contextos.
DISCUSSÃO
Esta revisão bibliográfica evidencia um conjunto diversificado de medidas preventivas e recomendações para mitigar os efeitos do calor nos trabalhadores ao ar livre, refletindo a crescente preocupação com essa questão no contexto das alterações climáticas.
A ênfase na implementação de programas abrangentes de segurança contra o calor, como o Programa de Alerta de Calor proposto pelo NIOSH (9), destaca a necessidade de uma abordagem proativa e estruturada para proteger os trabalhadores. De igual forma, a plataforma HEAT-SHIELD representa um sistema europeu de alerta ocupacional para o calor, com potencial para salvaguardar a saúde e a produtividade numa escala continental (10). A capacidade de fornecer alertas de curto e longo prazo configura uma estratégia adaptativa eficaz face às alterações climáticas (3) (10). Contudo, tais ferramentas também levantam desafios, como a personalização do nível de risco com base em condições de saúde preexistentes ou o uso de medicamentos (3) (10) (11), evidenciando a importância de avaliação médica ocupacional nesses casos.
A iniciativa Sun Safety at Work Canada Project (7) constitui um modelo robusto de estratégias preventivas que abordam conjuntamente o stress térmico e a exposição solar, articulando medidas estruturais, políticas e educativas. A sua conceção visa garantir programas sustentáveis e aplicáveis a nível nacional, destacando a relevância das políticas e práticas implementadas no local de trabalho (7).
As recomendações elaboradas através do Método Delphi Modificado (8) oferecem um guia detalhado para os empregadores implementarem medidas eficazes em áreas como higiene térmica, hidratação, monitorização ambiental e planos de emergência.
Os resultados do estudo HEAT (6), que avaliou o impacto da educação participativa e de uma aplicação móvel para monitorizar parâmetros fisiológicos de trabalhadores agrícolas, identificaram o nível de esforço físico como preditor significativo de stress térmico. Esta evidência reforça a necessidade de gerir o ritmo de trabalho, implementar ciclos adequados de trabalho/descanso e promover a rotação de tarefas para minimizar a exposição a cargas intensas (6) (7) (8).
A hidratação adequada emergiu consistentemente como medida essencial (3) (6) (8) (11). As recomendações sobre acessibilidade, disponibilidade de líquidos e estratégias para incentivar a ingestão regular demonstram a consciência de que a desidratação é um fator de risco significativo para o stress térmico (1) (9). Considerações como regimes de pagamento e acesso a instalações sanitárias (6) (11) (14) revelam uma abordagem holística para superar barreiras à hidratação.
Apesar da ausência de correlação significativa entre formação prévia e o relato de sintomas (6), o papel da educação e da consciencialização permanece fundamental. A formação adaptada às necessidades e ao contexto cultural dos trabalhadores (3) (6), complementada por reuniões regulares para reforçar mensagens de segurança, contribui para uma maior compreensão dos riscos e para a adoção de comportamentos preventivos (3).
A utilização de realidade virtual (RV) como ferramenta de formação e treino (14) representa uma inovação promissora ao proporcionar experiências imersivas e seguras, o que melhora a capacidade dos trabalhadores para reconhecer e responder a riscos de stress térmico. A colaboração entre gestores, investigadores e profissionais é essencial para ultrapassar barreiras e promover a adoção generalizada desta tecnologia (6) (7) (8) (14).
As equipas de saúde ocupacional desempenham um papel central nas medidas preventivas relativas à exposição ao calor para trabalhadores ao ar livre (15). As suas principais funções passam por compreender as particularidades do trabalho em ambientes de temperaturas elevadas; elaborar programas adequados que incluam informação, prevenção, intervenção e vigilância da saúde para mitigar a morbilidade e mortalidade laboral; monitorizar o impacto da exposição ao calor na saúde dos trabalhadores e condicionar funcionários com patologias específicas a tarefas cujos riscos interajam de forma menos positiva, protegendo os mais vulneráveis ao stress térmico (2) (13) (15).
No âmbito das medidas discutidas, os profissionais destas equipas podem ainda contribuir para o planeamento da organização do trabalho, no que respeita a aconselhar os gestores a avaliar a exigência física das tarefas (tarefas mais exigentes, idealmente, deverão ser realizadas no local menos quente e na hora mais fresca do dia, sempre que possível); reduzir o tempo de exposição direta ao calor; promover o uso de roupas leves, permeáveis e de cores claras; incentivar ao uso de chapéu com proteção do pescoço e protetor solar; encorajar ativamente a reposição de água fresca para prevenir a desidratação; definir um regime de trabalho/descanso adequado e facilitar o processo de aclimatização dos trabalhadores (12) (15).
Neste contexto, é essencial identificar os riscos e fatores de risco laborais, incluindo o desconforto térmico, sensibilizar, capacitar e formar todos os envolvidos para uma melhor perceção e gestão destes riscos, de forma a garantir que os trabalhadores compreendam os perigos do calor e conhecem as medidas de intervenção adequadas (13).
É ainda crucial considerar a viabilidade e o custo-benefício dos programas de segurança contra o calor, aumentando a sua aceitação e implementação por parte dos empregadores (7) (8) (14). A associação entre stress térmico e perda de produtividade (6) (8) (14) constitui um argumento adicional para investimentos em práticas preventivas, que simultaneamente protejam a saúde dos trabalhadores e mantenham ou aumentem a produtividade (7) (8).
Por fim, a necessidade de investigação contínua sobre os efeitos a longo prazo da exposição ao calor e sobre a eficácia das diferentes intervenções permanece evidente (1) (9). A avaliação e documentação dos impactos das medidas, por meio de indicadores de saúde e financeiros, são essenciais para incentivar a gestão do risco térmico. Manter uma forte cultura de segurança e uma comunicação eficaz entre todos os níveis da organização é fundamental para a implementação bem-sucedida dessas medidas (11).
CONCLUSÃO
Mitigar os efeitos do calor nos trabalhadores ao ar livre requer uma abordagem multifacetada, centrada na educação de trabalhadores, supervisores e empregadores; na promoção do cuidado mútuo; na hidratação adequada; na organização de regimes de trabalho-descanso com pausas frequentes; no uso de EPI adequado às condições de trabalho; na maior compreensão dos riscos por parte dos empregadores; na adoção de programas e sistemas de alerta e segurança; na definição de políticas para mitigação do calor; e na formação em primeiros socorros e avaliações de risco específicas para o calor e o stress térmico (3) (10).
Os empregadores devem implementar estratégias para otimizar a hidratação e garantir acesso a casas de banho limpas, bem como desenvolver um plano específico para mitigar riscos de desidratação, assegurando a disponibilidade de fontes de água potável e incentivando a ingestão regular de líquidos durante as pausas (8).
Planos de segurança contra o calor têm maior probabilidade de serem adotados quando são percebidos como viáveis e custo-efetivos (7) (8) (14). Apesar da ampla evidência que liga o stress térmico a perdas de produtividade, ainda há empregadores que priorizam objetivos económicos em detrimento da segurança (6) (8) (14). Destacar a importância da segurança e investir em metodologias de treino inovadoras, como a realidade virtual, pode fortalecer a cultura de prevenção e contribuir para a redução de acidentes e doenças relacionadas ao calor (6) (14).
A plataforma HEAT-SHIELD emerge como uma ferramenta promissora para emitir alertas e proteger a saúde dos trabalhadores em toda a Europa (10). Contudo, nenhum plano de segurança é infalível, e a formação contínua para reconhecimento de sinais e sintomas e para resposta a emergências permanece indispensável (8).
Os resultados desta revisão também evidenciam a necessidade de uma prevenção personalizada, que considere as características individuais dos trabalhadores, a natureza das tarefas e o ambiente específico em que são realizadas (3) (11). Aumentar a consciencialização entre empregadores, gestores, supervisores e trabalhadores de que a exposição ao calor é um risco ocupacional relevante é fundamental para reduzir os seus impactos negativos, como lesões, acidentes e doenças profissionais (3).
A abordagem multifacetada proposta, que combina a implementação de programas de alerta, aclimatização, pausas programadas, hidratação, EPI, monitorização ambiental, formação culturalmente adequada e inovação tecnológica, fornece orientações práticas para empregadores, profissionais de saúde ocupacional e decisores políticos, adaptável a diferentes realidades e sustentado por evidência científica.
No que diz respeito às equipas de saúde ocupacional, o seu papel passa por identificar proativamente o risco de desconforto térmico, garantir que tanto os empregadores quanto os trabalhadores estejam cientes dos riscos e das estratégias eficazes para mitigar os efeitos adversos das temperaturas elevadas na saúde laboral, implementar medidas de gestão de tempo e tarefas para minimizar a exposição e monitorizar a saúde dos trabalhadores (13) (15).
É também importante reiterar a necessidade de investigação e divulgação de trabalhos nesta área, preenchendo as lacunas de conhecimento atualmente existentes, nomeadamente no contexto da realidade portuguesa, de forma a assumir um papel ativo na criação de conhecimento e no desenvolvimento de medidas específicas para a realidade nacional, incluindo as relacionadas com a mitigação do calor, dada a relevância do desconforto térmico como fator de risco (13).
Este estudo reafirma ainda a importância de investir em medidas custo-efetivas que promovam uma cultura de segurança e de prevenção do stress térmico, protegendo não só a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, mas também a produtividade e a sustentabilidade das organizações.
Em síntese, a proteção da saúde e do bem-estar dos trabalhadores expostos ao calor exige um compromisso contínuo com a investigação, desenvolvimento e implementação de intervenções eficazes e adaptadas a cada contexto laboral (11). Integrar práticas de prevenção do stress térmico na cultura organizacional e assegurar uma comunicação transparente e colaborativa entre todos os níveis hierárquicos e as equipas de saúde ocupacional, que são elementos essenciais para o sucesso dessas iniciativas (11).
CONFLITOS DE INTERESSE, QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS
Nada a declarar.
OUTRAS QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS
Nada a declarar.
AGRADECIMENTOS
Nada a declarar.
BIBLIOGRAFIA
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FIGURA 1: Fluxograma de seleção de artigos
QUADRO 1: Critérios de inclusão e exclusão
Critérios de Inclusão
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Critérios de Exclusão |
✓Estudos compreendidos no horizonte temporal estipulado (01-01-2015 a 31-07-2024);
✓População/amostra de trabalhadores ao ar livre.
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✓Estudos não direcionados ao tema;
✓Revisão da Literatura;
✓Estudos que não pertencem à área da saúde ocupacional;
✓Estudos não científicos;
✓Estudos que abordam outras fontes de calor;
✓Estudos sobre EPI´s, perceções, efeitos, dispositivos e sistemas de alerta;
✓Estudos de caso;
✓Artigos de opinião, artigos de Eventos e resumos de Reuniões;
✓Estudos que não apresentam medidas preventivas;
✓Artigos sem acesso gratuito.
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(1) Joana Cavaco
Licenciatura em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra; Post-Qualification in Asthma Care na Florence Nightingale School of Nursing & Midwifery (King’s College London); aluna de Pós-Graduação em Enfermagem do Trabalho no ISLA Gaia; Enfermeira na Empresa INTERPREV. MORADA COMPLETA PARA CORRESPONDÊNCIA DOS LEITORES: Rua José Rosário da Silva, Lote 73, 6º Esquerdo, 8000-536 Faro. E-MAIL: joana.jolene@gmail.com
-CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Escolha do tema, revisão bibliográfica, conceção e redação do manuscrito.
(2) Rosário Rebelo
Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico Cirúrgica (Escola Superior de Enfermagem do Porto); Pós-Graduação em Enfermagem de Emergência e Catástrofe (Escola Superior de Enfermagem do Porto); Mestre em Bioética (Faculdade de Medicina da Universidade do Porto); aluna de Pós-Graduação em Enfermagem do Trabalho no ISLA Gaia; Enfermeira no Departamento de Saúde Ocupacional da Unidade Local de Saúde de Gaia e Espinho. 4430-946 Vila Nova de Gaia. E-MAIL: enfrosbelo@gmail.com
-CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria, redação e revisão do manuscrito.
(3)Ana Silva
Curso Pós-Licenciatura em Enfermagem de Reabilitação pela CESPU; Pós-Graduação em Gestão Hospitalar pela Universidade Portucalense (Porto); aluna de Pós-Graduação em Enfermagem do Trabalho no ISLA Gaia; Enfermeira na Empresa Amorim Cork. 4525-378 Santa Maria da Feira. E-MAIL: silva.enf@gmail.com
-CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: Co-autoria, redação e revisão do manuscrito.