A BRIEF INSTRUMENT FOR SCREENING MUSCULOSKELETAL DISORDERS RELATED TO WORK (WMSDs)
TIPO DE ARTIGO: Estudo Metodológico
AUTORES: Fonte A(1), Alves A(2), Ribeiro H(3)
RESUMO
INTRODUÇÃO
As lesões músculo-esqueléticas relacionadas com o trabalho (LMERT) são um vasto conjunto de perturbações somáticas desenvolvidas em consequência da ação cumulativa de traumatismos repetidos e/ou da tensão muscular da atividade profissional. Descritas pela primeira vez há mais de 200 anos, as LMERT são um grave problema de saúde pública, com grande impacto na qualidade de vida.
OBJETIVO
Avaliar e adaptar à população portuguesa o Questionário para Rastreio de Lesões Musculo Esqueléticas Relacionadas com o Trabalho, elaborado por Herval Ribeiro (Brasil).
MÉTODO
Trata-se de um Estudo quantitativo, descritivo, com ensaio de campo para validação de um instrumento para rastreio de casos prováveis de LMERT. A amostra foi constituída por trabalhadores fabris e de serviços de uma câmara municipal. Além do Questionário para Rastreio de LMERT, constituído por nove perguntas de respostas dicotómicas (Sim/Não), foi utilizado o Diagrama de áreas de desconforto postural de Corlett e Manenica.
RESULTADOS
Participaram no estudo 173 indivíduos. Destes, 35,5% referiam sinais ou sintomas compatíveis com LMERT há mais de trinta dias, sendo as queixas mais frequentes: parestesias (90,3%), mialgias e artralgias (88,7%) e sensação de desconforto, cansaço ou peso (85,5%). Com excepção de um item, todos os outros parâmetros que avaliam os tipos de sintomas apresentam correlação item-total >0,38 e o coeficiente alfa de Cronbach foi de 0,750, indicando boa fiabilidade e consistência interna. A correlação com a pontuação atribuída ao grau de desconforto/dor assinalado no diagrama de Corlett e Manenica foi positiva e estatisticamente significativa (p<0,001) evidenciando a validade convergente do questionário. A análise individual dos itens permite fixar a versão final do questionário em oito itens sem perda da qualidade do instrumento.
CONCLUSÃO
O questionário apresenta fiabilidade, consistência interna e externa adequadas para avaliação de lesões músculo-esqueléticas relacionadas com o trabalho. O reduzido número de itens (oito na versão final) e a facilidade da sua utilização tornam-no potencialmente útil para rastreios populacionais. PALAVRAS-CHAVE: Lesões músculo esqueléticas relacionadas com o trabalho, LMERT, questionários, psicometria.
ABSTRACT
INTRODUCTION
The work-related musculoskeletal disorders (WMSDs) are a wide range of somatic disorders developed because of cumulative action of repeated injuries and/ or muscle tension of professional activity. They were described for the first time more than 200 years. The WMSDs are a serious public health problem with great impact on a quality of life. OBJECTIVE To evaluate and adapt to the Portuguese population the Questionnaire for Screening of Work-related Musculoskeletal Disorders, prepared by Herval Ribeiro (Brazil).
METHODS This is a quantitative, descriptive study with a field trial for validation of an instrument for screening probable WMSDs cases. The sample was constituted by factory workers and city office employees. In addition to the Questionnaire for Screening of WMSDs, consisting of nine questions of dichotomous responses (Yes/ No), we used the diagram of painful areas of Corlett and Manenica.
RESULTS
The study involved 173 individuals. Of these, 35.5% reported signs or symptoms compatible with WMSDs for more than thirty days. The most frequent complaints were: paresthesias (90.3%), myalgias and arthralgias (88.7%), feeling discomfort, fatigue or weight (85.5%). Except for one item, all the other that evaluate symptom types present item-total correlation> 0.38 and coefficient Cronbach’s alpha was 0.750, indicating good reliability and internal consistency. The correlation with the score attributed to the degree of discomfort / pain indicated in the diagram of Corlett and Manenica was positive and statistically significant (p <0.001) evidencing the convergent validity of the questionnaire. The individual analysis of the items allowed to fix a final version of the questionnaire in eight items without loss of instrument quality.
CONCLUSION
The questionnaire presents reliability, internal and external consistency adequate for the evaluation of work-related musculoskeletal injuries. The reduced number of items (eight in the final version) and ease of use make it potentially useful for screening studies in the population.
KEYWORDs: work-related musculoskeletal disorders, WMSD, questionnaires, psychometrics
INTRODUÇÃO
As lesões músculo-esqueléticas relacionadas com o trabalho (LMERT) são um vasto conjunto de perturbações somáticas desenvolvidas em consequência da ação cumulativa de traumatismos repetidos e/ou da tensão muscular consequente à exposição a esforços mais ou menos intensos e reiterados ao longo do período laboral. São “síndromes de dor crónica que ocorrem no exercício de uma dada atividade profissional” em resultado da “ação de fatores de risco profissional como a repetibilidade, a sobrecarga e/ou posturas adotadas durante o trabalho”1. As partes do corpo mais afetadas são geralmente os membros superiores, pescoço, costas e membros inferiores, dependendo a sua incidência da atividade desenvolvida e dos riscos expostos1- 3.
Descritas pela primeira vez há mais de 200 anos, pelo médico italiano Ramazinni (1731), ao relatar a presença de sintomas de fadiga muscular e perda de força na mão por parte de escritores, só nas últimas décadas do séc. XX as LMERT começaram a adquirir maior realce com a Organização Mundial de Saúde (OMS) a tratar estas perturbações como um problema de saúde pública4, na medida em que a implantação de novas tecnologias e equipamentos (automatização e informação) e novas formas de organização do trabalho (repetitividade, monotonia, rapidez de execução, ritmos impostos pela máquina, tempos de recuperação insuficientes, posturas forçadas) faz crescer a sua frequência e impacto na qualidade de vida e nos custos globais com as doenças e as incapacidades2, 5-7.
Para o National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH-USA) as LMERT são “um grupo de condições que envolvem nervos, tendões, músculos e estruturas de suporte (como os discos intervertebrais)”8. Representam uma ampla gama de perturbações que podem variar desde condições recorrentes leves até perturbações graves, crónicas e debilitantes. Exemplos de lesões músculo-esqueléticas referidas aos membros superiores incluem a síndrome do túnel do carpo, a tendinite do punho, epicondilite e tendinite da coifa dos rotadores. Tanto fatores não-ocupacionais como profissionais contribuem para o desenvolvimento e exacerbação destas perturbações8.
No mesmo sentido, também a OMS se refere às doenças relacionadas com o trabalho (“work-related diseases”) como patologias de natureza multifatorial nas quais o ambiente de trabalho e a atividade profissional contribuem significativamente para a etiologia da doença9.
A importância relativa dos fatores etiológicos relacionados com o trabalho e os fatores não ocupacionais são frequentemente objeto de discussão, porém a mesma não invalida a evidência da associação entre as LMERT e a exposição a stressores físicos ocupacionais, o desequilíbrio entre as solicitações do trabalho e as capacidades do indivíduo e a insuficiência de tempo para a sua recuperação e a influência das intervenções preventivas e das abordagens no local de trabalho na prevenção destas perturbações ou no mitigar das consequências patológicas graves1,3,9-11.
A identificação das LMERT é essencialmente clínica, baseada na anamnese, exame físico detalhado, exames complementares de diagnóstico (se necessários) e na análise das condições de trabalho. As queixas referidas a este tipo de perturbações tendem a serem progressivas, caraterizando-se por sintomas como: dor (a maior parte das vezes localizada, mas podendo irradiar para outras áreas corporais); parestesias (sensação de dormência ou formigueiro) na área afetada ou em áreas próximas; sensação de peso, fadiga ou desconforto localizado e astenia (cansaço, falta de força). Os sintomas geralmente agravam-se para o final do dia de trabalho ou durante os períodos de maior produção e aliviam-se com as pausas ou o repouso e durante as férias. Porém, se a exposição aos fatores de risco se mantiver, os sintomas, que inicialmente são intermitentes, tornam-se gradualmente persistentes, prolongando-se muitas vezes pela noite, mantendo-se mesmo nos períodos de repouso e interferindo não só com a capacidade de trabalho, mas também com as atividades do dia-a-dia. Quando as situações clínicas evoluem para doença crónica pode também surgir edema (inchaço) da zona afetada e mesmo uma hipersensibilidade a todos os estímulos, como, por exemplo, ao toque ou diferenças de temperatura1.
Sem critérios claramente estabelecidos e uniformemente aceites3,11 a avaliação dos sujeitos identificados com LMERT tem recorrido a grande multiplicidade de instrumentos, desde questionários de sintomas para autoavaliação, nos quais se inclui o preenchimento de grelhas com indicação das áreas do corpo mais acometidas pelos sintomas osteoarticulares (como é o caso do Questionário Nórdico Músculo-esquelético, Kuorinka et al., 1987) 12, métodos observacionais aplicados às situações reais de trabalho ou registos fotográficos ou vídeo (ex. Rapid Upper Limb Assessment – RULA, McAtamney & Corlett, 1993) 13, a complexos processos como análise cinesiológica de movimentos com auxílio de eletrogoniómetros (instrumentos não invasivos para medir o movimento dinâmico das articulações através da transdução do ângulo articular numa tensão proporcional à mudança angular, monitorizado em tempo real e/ou registado em computador) e acelerómetros (dispositivos com sensores piezoelétricos e microprocessadores para medir o ritmo e magnitude com que o centro de gravidade corporal se desloca durante o movimento, convertendo-o em sinal digital quantificável) 14. No geral, estes instrumentos são relativamente difíceis de utilizar e mesmos os aparentemente mais simples, como as grelhas para registo da dor ou do desconforto percecionado são difíceis a nível de cotação e interpretação. Nesse sentido, este trabalho visa analisar um questionário de autopreenchimento para registo de casos suspeitos de LMERT, baseado na autoavaliação dos sintomas, facilmente compreensível pelos inquiridos, a quem requer pouco tempo para ser preenchida e, simultaneamente, fácil de ser cotada pelos avaliadores, tornando-o passível de ser utilizado em estudos epidemiológicos. O Questionário para o Rastreio de Lesões Músculo-Esqueléticas Relacionadas com o Trabalho, elaborado por Herval Ribeiro (Brasil) 15, ainda não utilizado em Portugal, aparenta corresponder a estes requisitos, pelo que é objetivo deste trabalho proceder à sua avaliação e adaptação para a população portuguesa.
MATERIAL E MÉTODO
Participantes
A amostra inquirida foi constituída por trabalhadores de uma unidade fabril de componentes elétricos para a indústria automóvel (elevadores de vidro para automóveis) e de diversos serviços da câmara municipal do mesmo concelho, ambas no distrito de Viana do Castelo. O estudo foi antecedido pela apresentação dos objetivos às respetivas direções, que autorizaram a sua realização, tendo tido aprovação da comissão de ética da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM).
Procedimento
Trata-se de um Estudo quantitativo, descritivo, com ensaio de campo para validação de um instrumento para rastreio de casos prováveis de LMERT. Os questionários foram distribuídos durante as horas de trabalho, com colaboração de técnicos de segurança e saúde da empresa e recolhidos no final do turno.
Instrumentos
Além de um pequeno questionário para registo de dados sociodemográficos (sexo, idade, nível de instrução, atividade profissional, idade do primeiro emprego, trabalho atual com ou sem turnos), foram utilizados dois instrumentos:
Questionário para Rastreio de Lesões Músculo-esqueléticas Relacionadas com o Trabalho (LMERT) 15.
Elaborado por Herval Ribeiro (1994), é um questionário breve, de autoavaliação, passível de ser preenchido no próprio local de trabalho, em inquéritos rápidos para determinação dos casos indicativos de LMERTs. Constituído por nove perguntas, de respostas dicotómicas (Sim/ Não), versa sintomas referidos aos músculos e articulações do pescoço, ombros, braços, mãos e dedos, inquirindo sobre a presença de: a) sensações de desconforto, cansaço ou peso; b) formigueiro (ou fisgada); c) perda de sensibilidade tátil ou dolorosa; d) dor à pressão ou ao movimento; e) inchaço; f) dificuldade em efetuar movimentos de extensão, flexão ou rotação. Uma pergunta questiona especificamente alterações da caligrafia. As duas últimas perguntas interrogam se os sintomas mencionados desaparecem ou melhoram nos fins-de-semana, feriados ou quando não está a trabalhar e se a duração de dois de quaisquer dos sintomas é superior a 30 dias. Foi utilizada a versão publicada em 2010, por Luís Borges, corrigida para o português europeu, mantendo-se as palavras que melhor poderiam corresponder ao léxico corrente16.
Diagrama de áreas de desconforto postural de Corlett e Manenica (1980) 17.
Diagrama representando a figura de um corpo humano de costas, dividido em 24 segmentos para facilitar a identificação das áreas dolorosas, devendo a pessoa inquirida indicar para cada uma dessas áreas o grau de desconforto numa escala de 1 (“nenhum desconforto ou dor”) a 5 (“intolerável desconforto ou dor”). Além da pontuação atribuída a cada área assinalada como de maior desconforto, considerou-se no presente trabalho a soma da pontuação atribuída por região: tronco, membros superiores e membros inferiores.
Análise estatística
Além da análise descritiva das variáveis numéricas e categoriais procedeu-se ao estudo da consistência interna do questionário para rastreio de LMERT através do cálculo da correlação item-total de cada item e do cálculo do coeficiente alfa de Cronbach. Este tipo de análise permite estudar quais são os itens mais consistentes e em que medida contribuem para a avaliação do constructo que está a ser observado. Para o coeficiente de correlação item-total considerou-se 0,30 como valor de corte18 e um coeficiente alfa de Cronbach acima de 0,70 significa fiabilidade apropriada da medida19. A intensidade e direção da relação linear entre as pontuações obtidas no diagrama de Corlett e Manenica e no questionário de LMERT (total das respostas positivas nos itens sobre sintomas) foi analisada através do coeficiente de correlação de Pearson para avaliação da validade convergente. Todas as análises foram efetuadas para um nível de significância de %, com distribuição bicaudal.
O tratamento estatístico foi efetuado com recurso ao programa IBM SPSS Statistics 21.0.
RESULTADOS
Responderam 175 indivíduos, pertencendo 82,9% dos inquiridos à empresa fabril. A maioria dos sujeitos é do sexo feminino (92,5%); 82,7% indicaram trabalhar por turno (97,9% na unidade fabril e 14,3% nos serviços camarários) e 50,9% fazem micropausas durante o turno de trabalho com atividades orientadas para o reforço muscular (56,4% na unidade fabril e 52,0% nos serviços camarários) (Quadro 1). Dois questionários apresentavam incompleto o Diagrama de áreas de desconforto postural de Corlett e Manenica pelo que foram considerados para análise 173 inquéritos.
No Quadro 2 apresentam-se os resultados referentes ao Questionário para Rastreio de LMERT. Por ordem decrescente os sintomas que obtiveram maior percentagem de respostas positivas foram: “sensação de desconforto, cansaço ou peso” (73,4%); “formigueiro ou fisgadas” (68,8%), “dor ao pressionar ou movimentar músculos ou articulações” (61,3%). Em 35,8% dos inquiridos as queixas persistiam há mais de 30 dias e, tomando como referência esta divisão, as queixas mais frequentes nos indivíduos com sintomas crónicos foram, respetivamente, “formigueiro ou fisgadas” (90,3%), “dor ao pressionar ou movimentar músculos ou articulações” (88,7%), “sensação de desconforto, cansaço ou peso” (85,5%).
A consistência interna deste instrumento, medida através do coeficiente α de Cronbach foi de 0,750 e a correlação item – total (Quadro 2) permite constatar que, com exceção da questão sobre alterações da caligrafia, todos os itens que avaliam tipos de sintomas (itens 1 a 6) têm correlação superior a 0,38.
Recorrendo-se à pontuação atribuída na perceção do desconforto/dor, segundo o diagrama de áreas dolorosas proposto por Corlett e Manenica, avaliou-se a intensidade e direção da associação entre esta pontuação e a do questionário para rastreio das LMERT, tendo em conta a soma dos itens com resposta positiva a sintomas (Quadro 3). Tanto a pontuação de todos os inquiridos como a pontuação dos que referiam os sintomas há menos ou há mais de 30 dias apresentam correlação positiva e estatisticamente significativa (p< 0,001) com a perceção do desconforto/dor. A associação entre estas duas medidas, correspondentes a constructos similares, mas utilizando diferentes instrumentos de avaliação, evidencia a validade convergente do questionário para rastreio das LMERT.
DISCUSSÃO
O objetivo deste estudo foi avaliar um instrumento para rastreio de casos prováveis de lesões músculo-esqueléticas relacionadas com o trabalho (LMERT) que seja simples, fácil de aplicar e não requeira demasiados recursos para ser preenchido nem para ser cotado. As ações de segurança e saúde no trabalho necessitam de instrumentos que possam diferenciar os casos que indiciam sofrimento relacionado com o trabalho, de modo a serem utilizados em programas de vigilância e monitorização das condições laborais. A partir dos resultados desses instrumentos torna-se possível identificar grupos ou postos de trabalho para os quais pode ser necessário a realização de exames mais detalhados e específicos, para que sejam implementadas as medidas corretoras.
O questionário utilizado para rastreio de lesões músculo-esqueléticas na versão original (Brasil) não foi designado por nenhum acrónimo. Mesmo trabalhos recentes, como os de Antônio Júnior20 e Luiz Borges16, recorrendo aos termos em curso no Brasil, designam este instrumento por “questionário para levantamento dos suspeitos de lesões por esforço repetido” ou “questionário de rastreamento de LER”. A designação, “lesões por esforço repetido” é uma das várias denominações aplicadas a estas perturbações, porém o termo mais frequente em Portugal é o de lesões músculo-esqueléticas relacionadas com o trabalho (LMERT), no seguimento da designação internacional mais usual “Work Related Musculoskeletal Disorders (WRMSDs)”11, pelo que se adotou para título do presente instrumento a designação “Questionário para Rastreio das Lesões Músculo-Esqueléticas Relacionadas com o Trabalho (QR-LMERT).
Mais importante é o facto da versão original do questionário apresentar nove itens, tal como foi utilizado neste estudo. Contudo o item 2, “a sua caligrafia tem-se vindo a alterar?”, que reflete a utilização inicial do questionário em empregados bancários, não se mostra relevante: primeiro, porque nos empregos de escritório a utilização de meios informáticos tornou a escrita manual mais espaçada e pouco valorizada; segundo, porque a generalização do questionário aos mais diversos setores profissionais (por exemplo, indústria fabril) faz com que a pergunta deixe de ter sentido. Esta pergunta, neste estudo, foi a que apresentou menor número de respostas positivas, menor correlação item-total e a sua exclusão não altera os resultados finais. Nesse sentido sugere-se a eliminação deste item, tal como se apresenta em anexo, na versão final do QR-LMERT.
Baseada em sinais e sintomas de dor ou de desconforto nos membros superiores, ombros e pescoço o, agora designado, “Questionário para Rastreio de LMERT” (QR-LMERT) (ver anexo), não é um procedimento de diagnóstico clínico, mas um instrumento para identificar casos prováveis de LMERT. Aplicado sob condições de anonimato serve de base de informação sobre o “peso” das LMERT na população inquirida e a sua utilização em rastreios sucessivos à mesma população será revelador da evolução dessas perturbações e, em consequência, dos riscos a que os trabalhadores estão expostos. Por sua vez, em situações mais específicas em que se torne possível a identificação dos respondentes, as respostas ao questionário podem constituir a indicação para a realização prioritária de exame médico e o desenvolvimento de medidas adequadas ao restabelecimento da saúde do(s) trabalhador(es).
O questionário, além dos itens sobre sinais e sintomas, estabelece no último item um critério temporal: permanência dos sintomas há mais de um mês (sim/ não). Com base nesse critério considera-se indiciador de LMERT a existência simultânea de um sinal ou sintoma positivo (resposta “sim” a um dos itens de 1 a 6) e ocorrência dos sintomas há mais de um mês (“sim”). Relativamente ao item 7, que indaga se os sintomas “desaparecem ou melhoram nos fins-de-semana, feriados, ou quando não trabalha” optou-se por não o integrar na pontuação final. A melhoria dos sintomas com o repouso, sendo indicador de LMERT, pode deixar de estar presente quando a exposição aos fatores de risco se mantém por períodos prolongados 1, pelo que a sua inclusão numa contagem final poderia dar origens a resultados equívocos, como se expressa pelo baixo valor do coeficiente de correlação item-total, comprometendo a consistência interna do questionário (reduz o coeficiente alfa de Cronbach).
Em princípio o conjunto da pontuação atribuída ao questionário destina-se a fornecer apenas dois tipos de resultados: caso provável de LMERT / caso não provável. Todavia, os resultados também podem ser apresentados sob a forma quantitativa de uma pontuação global (soma dos pontos positivos dos itens 1 a 6) correspondente à perceção de um maior ou menor número de sinais e sintomas indicadores de LMERT. Um passo seguinte é a realização de estudos sobre a sensibilidade e especificidade deste instrumento, mas a experiência já acumulada com a sua utilização aponta, apar da facilidade e rapidez da sua aplicação, para a adequação e validade no rastreio de LMERTs, a ser integrado em avaliações compreensíveis do local e das condições de trabalho.
CONCLUSÃO
O Questionário para Rastreio de LMERT revela ser um instrumento de autoavaliação fácil de aplicar e de cotar, passível de ser preenchido no próprio local de trabalho. Constituído inicialmente por nove itens pode restringir-se a oito itens sem perda das suas características psicométricas de fiabilidade e de consistência interna e externa. Trabalhos futuros que analisem a sensibilidade e especificidade deste questionário podem contribuir para melhorar a robustez dos resultados do questionário.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declaram que não houve conflito de interesses na realização deste trabalho.
O trabalho foi realizado sem o suporte de qualquer bolsa ou outro tipo de apoio financeiro.
BIBLIOGRAFIA
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20) Júnior AG. Condições de trabalho e saúde dos trabalhadores na indústria do vestuário em Colatina – ES. Dissertação, Universidade Federal do Espirito Santo, Brasil. 2006.
ANEXO
(1)Aníbal Fonte
Diretor do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE. Endereço para correspondência: Hospital Santa Luzia, Estrada de Santa Luzia, 4904-858 Viana do Castelo, Portugal. E-mail: anibal.fonte@ulsam.min-saude.pt.
(2)Alda Alves
Técnica superior para a Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, ACT, Unidade do Centro Local do Alto Minho. E-mail: maria.alves@act.gov.pt.
(3)Herval Pina Ribeiro
Professor, Departamento de Saúde ambiental, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (Unifesp). E-mail: hervalpina@uol.com.br.
Fonte A, Alves A, Ribeiro H. Instrumento Breve para Rastreio de Perturbações Músculo-Esqueléticas relacionadas com o Trabalho (LMERT). Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line. 2017, volume 3, 29-38. DOI: 10.31252/RPSO.08.02.2017