(PALESTRA EFETUADA NO 1º SEMINÁRIO DA PÓS-GRADUAÇÃO DE ENFERMAGEM DO TRABALHO,
NA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA)
TIPO DE ARTIGO: Resumo de trabalho divulgado noutro contexto
AUTORA: Santos M.(1)
No âmbito do 1º Seminário de Enfermagem do Trabalho organizado pelos alunos da primeira edição da Pós-graduação, realizado simultaneamente no Porto e em Lisboa, foi solicitado à Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line que palestrasse sobre as Dificuldades na Saúde Ocupacional.
Tendo em conta o contexto do evento, optou-se por organizar a palestra de forma a mencionar inicialmente as dificuldades existentes para os Enfermeiros do Trabalho, posteriormente as encontradas pelos Médicos do Trabalho, bem como outros profissionais e, por fim, as dificuldades inerentes a quaisquer elementos que pertençam a uma equipa de Saúde Ocupacional, sob o ponto da vista da palestrante, que exerce como Médica do Trabalho.
A principal dificuldade assinalada no primeiro contexto atrás mencionado foi a visão rígida e formatada que alguns empresários- cliente e sobretudo as empresas prestadoras de serviços de Saúde Ocupacional têm perante o que acham serem funções do Enfermeiro do Trabalho, ou seja, estes geralmente são colocados a realizar exames auxiliares de diagnóstico pré-determinados (eletrocardiograma, audiograma, espirometria, teste de acuidade visual, combur, punção venosa para hemograma e/ou bioquímica e/ou a quantificação direta de colesterol, glicose, tensão arterial e frequência cardíaca), bem como execução de tarefas de socorrismo e realização de sessões de educação e promoção para a saúde (de temas previa e externamente estipulados).
Contudo, as diretrizes atuais da Organização Mundial de Saúde para a Enfermagem do Trabalho sugerem que este profissional assuma o papel de Gestor de Saúde Laboral ou até, em função da definição adotada de Saúde Ocupacional (variável entre países e profissionais), também como Gestor de Saúde Pessoal ou até Familiar; sendo justamente essa transição uma das maiores dificuldades.
Consultando a bibliografia existente sobre o tema, destacam-se como eventuais papéis para o Enfermeiro do Trabalho:
- efetuar a ponte entre empregador/ funcionário/ seguradora e/ou SNS
- prestar apoio de socorrismo
- proporcionar consulta no local de trabalho ou também no domicílio, para resolver assuntos de saúde laboral, pessoal ou até do foro familiar (consoante o que estiver definido)
- efetuar sessões de educação e promoção para a saúde para assuntos relevantes aos níveis laboral e/ou pessoal
- atuar perante o consumo de substâncias psicoativas através de abordagens terapêuticas breves (de forma autónoma para o tabaco e/ou referenciando para serviços mais especializados nos casos de dependências mais complexas)
- dar apoio sumário a nível da consulta do viajante, sobretudo em empresas com postos de trabalho onde é frequente viajar para países problemáticos em termos microbiológicos
- proporcionar noções basilares de sustentabilidade ambiental em contexto ocupacional e, eventualmente, domiciliar, se assim se definir como objetivo
- orientar de forma isolada (ou em conjunto com outros elementos da equipa de saúde ocupacional) as situações de lay-offs, despedimento ou requalificação profissional
- preparar a transição para a reforma, suavizando a alteração, por exemplo, através de horários a tempo parcial e/ou chamando pontualmente o funcionário reformado em alturas de picos de produção e/ou para dar formação a colegas novos; delineando também atividades/ projetos não remunerados que o reformado se poderá dedicar a partir dessa altura
- ponderar adquirir formação específica em Higiene e Segurança, de forma a exercer simultaneamente como técnico superior dessa área
- prescrever exercício generalista (para que existam funcionários mais robustos, saudáveis, satisfeitos e produtivos)
- orientar parcial ou totalmente um programa de ginástica laboral
- desenvolver um programa de amamentação
- criar junto com a restante equipa uma creche/ infantário e/ou sala de estudo para os filhos dos funcionários.
Por sua vez, a nível da Medicina do Trabalho, uma das dificuldades salientadas foi o desconhecimento da parte da população em geral sobre quais são os objetivos da mesma, ou seja, diminuir a probabilidade de surgirem doenças profissionais e, simultaneamente, verificar se as doenças que já existem (laborais ou não) implicam incapacidade para exercer alguma tarefa daquele posto e/ou possam sofrer eventual agravamento, surgindo a necessidade de oficializar algum condicionamento na Ficha de Aptidão. No entanto, a generalidade da população continua a achar que o Médico do Trabalho dá consultas de apoio pessoal, em ambiente laboral, durante o horário de trabalho (serviço que existe em empresas de maior dimensão e se designa por “Medicina Curativa”, também incluída na equipa de Saúde Ocupacional… mas que não é sinónimo de Medicina do Trabalho).
Para além disso, existem empresas com pouca variabilidade a nível de riscos profissionais, entre os diversos postos; pelo que, após alguns anos de laboração, os funcionários começam a desenvolver os mesmos problemas de saúde e a ficar condicionados para as mesmas tarefas/ riscos, tornando-se difícil, por vezes, encontrar um posto de trabalho que cumpra o condicionamento e esteja de acordo com as habilitações. Para agravar ainda mais a situação, na generalidade destes casos, o condicionamento não costuma ser temporário.
Por vezes, também não é raro o Médico do Trabalho atual ser comparado com o anterior, em função do qual todos os funcionários estavam sempre aptos, além de nunca serem abordadas questões legais, necessidade/ obrigatoriedade de se usarem EPIs (equipamentos de proteção individual) ou se demonstrava interesse em visitar os postos de trabalho.
Aliás, é justamente essa outra dificuldade relevante, ou seja, a maioria dos exames de Medicina do Trabalho são efetuados nas instalações das empresas prestadoras de serviços de Saúde Ocupacional, logo, muito distantes do posto de trabalho. É também muito frequente que os funcionários da mesma empresa sejam examinados por médicos diferentes, consoante, por exemplo, o dia da semana em que são agendados os exames, dificultando assim a memorização/ compreensão das caraterísticas/ riscos da empresa cliente. Contudo, mesmo quando o médico se desloca às instalações do cliente para efetuar os exames, sob a mediação de uma empresa prestadora de serviços de saúde ocupacional, geralmente não se agenda uma visita aos postos de trabalho (pelo tempo, custo e acompanhamento que tal exigiria); além de que a generalidade dos empregadores sente-se nestas circunstâncias “fiscalizado”, não vendo os elementos da equipa de Saúde Ocupacional como parceiros/ consultores para atingir objetivos em comum. Logo, a avaliação de riscos, nestes casos, tem de recorrer a outras estratégias que se adaptem ao serviço previamente estipulado e acordado.
Quando a dificuldades sentidas por outros profissionais da saúde ocupacional, além dos grupos já mencionados, poder-se-á referir que os elementos a exercer Higiene e Segurança têm por vezes de lidar com profissionais de graus de preparação académica muito diversificados, mesmo dentro do mesmo patamar hierárquico da carreira.
Já os cardiopneumologistas, por vezes, vêm o seu trabalho ser realizado por profissionais não devidamente preparados para o efeito, assumindo a realização de exames para os quais eles tiveram de se preparar no decorrer de uma licenciatura.
Por sua vez, os Psicólogos do Trabalho e das Organizações, nem sempre são suficientemente valorizados pelo empregador ou pelas empresas prestadoras de serviços nesta área, pelo que, com alguma frequência, o seu posto não está desenvolvido, nem há intenção de o promover, não se divulgando as vantagens da sua existência.
A nível de dificuldades na Saúde Ocupacional gerais, ou seja, para qualquer elemento da equipa, destaca-se a relação contratual; pois apesar de existir total independência técnica, há sempre uma submissão hierárquica com o(s) proprietário(s) da empresa cliente, direta ou indireta (com algum intermediário- empresa prestadora de serviços de Saúde Ocupacional). Aliás, na generalidade dos casos nem existem contratos assinados com os profissionais, pelo que a cessação de funções pode ocorrer no minuto seguinte e sem qualquer informação ou justificação legalmente válida… O que pode ser realmente preocupante dada a generalidade dos clientes não ter interesse num real serviço de Saúde Ocupacional, usando como critérios para selecionar os seus parceiros quem for mais barato, mais rápido e menos “problemático”.
Outra dificuldade relevante são os exames efetuados, ou seja, muito raramente a seleção destes é feita por um profissional de saúde, analisando os riscos do posto de trabalho; na generalidade dos casos tal é determinado previamente por critérios comerciais e negociais, em função de preços, equipamentos disponíveis e ofertas da concorrência. Logo, em muitas situações são efetuados exames sem qualquer relevância laboral. Para além disso, por vezes, são colocados profissionais não devidamente habilitados na execução, pelo que os resultados não serão seguros e, noutros casos, mesmo sendo o exame adequado e o profissional habilitado, o ambiente não permite a correta realização do procedimento- por exemplo, efetuar audiometrias nas instalações do cliente (logo, sem cabine de insonorização e, por vezes, com ruido de máquinas/ funcionários próximos ou até dos carros a passar na rua).
Esta palestra encerrou a sessão de abertura do Seminário; nas mesas seguintes os alunos da 1ª Pós-Graduação de Enfermagem do Trabalho da Universidade Católica apresentarem os seus projetos, inseridos em várias mesas de debate, ao longo do dia.
(1) Santos M.: Licenciada em Medicina; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Mestre em Ciências do Desporto; Especialista em Medicina do Trabalho; Presentemente a exercer nas empresas Medicisforma, Clinae, Servinecra e Serviço Intermédico; Diretora Clínica da empresa Quercia; Diretora da Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line