Assessment of the Cardiovascular health profile of the workers of a company in the automotive industry and relation to the work shift (night versus day shift)
TIPO DE ARTIGO: Observacional Analítico Transversal
AUTOR: Viana F(1).
Introdução
Considera-se trabalho noturno aquele que é prestado num período que compreende o intervalo entre as 22 e as 7 horas. Desde a década de 90, vários trabalhos científicos alertam para a forte associação entre este e as doenças cardiovasculares, devido ao distúrbio no ciclo circadiano, modificações nas funções metabólica e hormonais; bem como maior prevalência de fatores de risco como tabagismo, sedentarismo e excesso de peso.
Objetivo
Caraterizar as diferenças entre o turno noturno e diurno na população de uma empresa do setor automóvel, relativas a fatores de risco cardiovasculares.
Materiais e Métodos
Estudo observacional, analítico e transversal. Foi obtida uma amostra aleatória de 100 trabalhadores, divididos em dois grupos de 50 elementos de cada turno. A colheita de dados foi realizada pelo autor através do programa de apoio à consulta Careview, destacando sobretudo as variáveis idade, sexo, escolaridade, Índice de Massa Corporal (IMC), tabagismo e exercício.
Resultados
A amostra ficou constituída por 90% de elementos do sexo feminino, com idade média de 31.8 anos. Verificou-se uma prevalência de excesso de peso e obesidade em 52% dos trabalhadores com trabalho noturno o que contrastou com 60% de indivíduos com IMC abaixo de 25 nos trabalhadores com trabalho diurno. Foi possível identificar uma maior prevalência de tabagismo entre os trabalhadores com trabalho noturno (32% versus 20%). Relativamente à prática de exercício verificou-se que 64% dos trabalhadores com trabalho noturno não praticavam exercício regular, contrastando com 24% dos operários do outro turno.
Discussão/Conclusão
A prática de um regime de horário noturno tem implicações no estilo de vida dos trabalhadores, exigindo também uma adaptação dos ritmos biológicos às inversões nos períodos de atividade e repouso, com consequências a nível físico e psicológico. Alerta-se para a necessidade de assegurar uma vigilância periódica mais apertada ao trabalhador noturno por forma a adequar as estratégias preventivas adequadas a cada população laboral.
Palavras-chave: Saúde Ocupacional, Medicina do Trabalho, Trabalho Noturno, Obesidade, Exercício Físico, Tabagismo
ABSTRACT
Introduction
The night shift is understood to be the one which is provided between the period of 10pm to 7am. Since the 1990s, several scientific studies have pointed to the strong association between night work and cardiovascular disease due to circadian cycle disorder, changes in metabolic and hormonal functions, and a higher prevalence of risk factors such as smoking, sedentary lifestyle, and excessive weight.
Objective
To characterize the differences between the night shift and day shift in the population of a company of the automotive industry, relative to cardiovascular risk factors.
Method
This was an observational, analytical and cross-sectional study. A random sample of 100 workers was obtained, divided in two groups of 50 elements.
Data collection was performed by the author through the Careview consultation support program, of the following variables: age, sex, education, body mass index, smoking habits and physical activity.
Results
The sample had 90% of women, with a mean age of 31.8 years. According to the data obtained on the studied, a prevalence of overweight and obesity was observed in 52% of the workers with night shift, which contrasted with 60% of individuals with body mass index below 25 in daytime workers. It was possible to identify a higher prevalence of smoking among night workers (32% versus 20%). Concerning the practice of exercise, it was verified that 64% of the workers with night work did not present the habit of regular exercise, contrasting with 24% of the workers with the other shift.
Conclusion
The practice of a night time regime has implications for the workers’ lifestyle, requiring an adaptation of the biological rhythms to the inversions in the periods of activity and rest, with physical and psychological consequences. It is alerted to the need to ensure a tighter periodic surveillance of the night worker in order to adapt the adequate preventive strategies to each working population.
Keywords: Occupational Health, Occupational Medicine, Night Shift, Obesity, Physical Activity, Smoking habits.
INTRODUÇÃO
Organizar o processo produtivo em função de diversos turnos tornou-se um ponto chave na organização laboral, pois trata-se da única maneira de interligar as capacidades humanas com as necessidades produtivas da indústria em algumas empresas.
De acordo com o Sexto Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho realizado em 2015 pela Eurofound, revela que apenas que apenas cerca de 27% da população apresenta um horário clássico, isto é, fixo e diurno, de segunda a sexta. A grande maioria tem horários irregulares, com turnos noturnos, trabalho aos fins de semana, part-times, turnos prolongados de 12h, entre outras situações equivalentes.(1)
Tal diversificação de horários laborais deveria contribuir para melhorar a qualidade de vida populacional (mais bens, mais serviços, mais emprego, melhores salários); contudo, os impactos negativos deste tipo de organização do trabalho podem reflectir-se na saúde da população trabalhadora.(2,3,4,5,6,7,8,9)
Para Gemeli, Hellisthein e Lautert (2008), no âmbito social, esses efeitos envolvem exclusão social, desequilíbrio entre trabalho e família, impactos no planeamento de vida, podendo ocasionar insatisfação com o trabalho.(10)
Simões, Marques e Rocha (2010) relatam que além dos prejuízos na área social e psíquica, pode ocorrer a desorganização na estrutura dos ritmos trazendo consequências para o ciclo vigília-sono e para demais sistemas orgânicos, ocasionando mudanças nos horários de alimentação, de sono, de lazer e também gerando alterações orgânicas como agravamento de doenças, suscetibilidade a agentes nocivos, cansaço, envelhecimento precoce e alterações gastrointestinais.(11)
Segundo Regis Filho (2002), as consequências do trabalho noturno podem ser tanto imediatas como a longo prazo, sendo essas demonstradas pelos trabalhadores como insónia, aumento de acidentes de trabalho, aumento de problemas familiares, irritabilidade e falta de concentração.(12)
A ingestão alimentar tem um papel importante na ritmicidade circadiana, permitindo que se coma na altura do dia mais apropriada, servindo este processo também como sincronizador para outros órgãos/ funções.(13)
O trabalhador tem obrigatoriamente que adequar a sua ingestão com o horário laboral. Alguns autores defendem que os hábitos alimentares dos trabalhadores variam não só com o horário, mas também com a estação do ano (maior ingestão no inverno, privilegiando os carbohidratos e lípidos; apesar de não existirem diferenças no índice de massa corporal, eventualmente pelo maior gasto energético dessa estação).
Ao trabalho noturno estão associados padrões de alimentação erráticos, sendo frequente o consumo de “snaks”. Daí que, frequentemente, se associe o trabalho por turnos ao aumento do risco cardiovascular, nomeadamente 1,4 vezes superior, mesmo após ajustamento com o estilo de vida, tensão arterial e perfil lipídico. O excesso de peso/ obesidade é também mais frequente nestes trabalhadores.(14)
Morikawa et al (2007) e Pietroiusti et al (2010) ressalvaram a maior prevalência de tabagismo e obesidade nos trabalhadores noturnos.(15,16)
MÉTODOS
Foi realizado um estudo observacional, analítico e transversal.
A população foi constituída por trabalhadores que trabalham em turnos fixos em uma empresa galvânica do setor automóvel com um universo populacional de aproximadamente 600 trabalhadores. Os turnos considerados foram das 06.00h às 14.00h; 14.00h às 22.00h e das 22.00h às 06.00h.
Foram definidos como trabalhadores noturnos aqueles que exerceram funções no turno das 22.00 às 06.00h e como diurnos aqueles que trabalhavam nos restantes horários. Outras variáveis estudadas foram o tabagismo e exercício físico. Para os hábitos tabágicos, foram considerados fumadores todos os trabalhadores que fumam pelo menos um cigarro diariamente. Relativamente ao exercício, foram consideradas todas as atividades descritas pela amostra (futebol, corrida, caminhada, ciclismo, hidroginástica e pilates).
Desta forma foi obtida uma amostra aleatória de 100 trabalhadores, divididos em dois grupos de 50 elementos nos turnos diurnos e outros tantos no noturno. Como critério de inclusão no estudo consideram-se todos os operários do setor produtivo da empresa a desempenharam funções no turno descrito pelo menos durante doze meses e como critério de exclusão salientou-se a pertença ao setor administrativo e trabalhadores que trocaram de turno e que não desempenhavam funções no turno em estudo pelo menos nos últimos 12 meses.
A colheita de dados foi realizada pelo autor através do programa de apoio à consulta Careview, e as variáveis em estudo foram a idade, género, IMC, escolaridade, tabagismo e exercício físico.
RESULTADOS/DISCUSSÃO
Os resultados encontrados revelaram uma distribuição por género semelhante em ambos os turnos, sendo o género feminino o mais presente, responsável por 84% da amostra no turno noturno e 80% no diurno. Verificou-se uma média de idade mais baixa no turno noturno (29.48 anos) comparativamente ao diurno (34.12 anos).
Relativamente à escolaridade, o ensino superior foi a categoria menos encontrada, ainda que homogeneamente distribuída entre os turnos (4% em cada), devendo realçar que nenhum dos casos apresentava formação superior relacionada com o setor industrial. O ensino secundário foi o grupo mais representativo em ambos os turnos (52% diurno e 60% noturno). Relativamente ao ensino básico foi possível verificar uma distribuição semelhante em ambos os turnos (8% diurno e 12% noturno). Na análise deste dado é importante realçar que os indivíduos inseridos neste grupo corresponderam aos indivíduos num escalão etário mais alto em cada turno. Relativamente ao 2º e 3º ciclos foi possível verificar uma distribuição maior nos trabalhadores do turno noturno (48%) comparativamente ao turno diurno (36%).
Relativamente ao IMC, no turno diurno 60% apresentavam IMC normal (<25), sendo que 32% apresentavam excesso de peso e 8% obesidade (>30). Relativamente ao turno noturno verificou-se uma inversão destes dados encontrados com apenas 48% com IMC normal (<25). Verificou-se que 12% eram obesos e 40% tinham excesso de peso (Gráfico 1).
Relativamente ao tabagismo verificou-se uma prevalência de 20% no turno diurno comparativamente com 32% no noturno. Esta variável foi de encontro ao espectável na literatura relativamente à maior percentagem de indivíduos fumadores nos turnos de trabalho noturno (Gráfico 2).
Outra variável que se pretendeu estudar foi relativa ao exercício físico. No turno diurno, os operários encontraram-se distribuídos da seguinte forma: exercício esporádico (24%), até duas vezes por semana (44%) e mais frequente do que a anterior (32%). Analisando os dados do turno noturno verificou-se que o exercício correspondeu a esporádico (64% dos casos), até duas vezes por semana (24%) e 12% para a última categoria mencionada. Dos resultados obtidos esta foi a maior discrepância encontrada (Gráfico 3).
Uma análise mais aprofundada relacionando os hábitos de exercício físico da população estudada e o respectivo IMC e turno laboral permitiu verificar que no turno noturno o hábito esporádico de exercício foi o mais prevalente em todas as categorias de IMC verificadas. A mesma distribuição no turno diurno permitiu verificar que estes trabalhadores apresentavam um padrão de exercício físico bastante diferente dos trabalhadores do turno da noite, sendo mais prevalente o exercício realizado de forma regular (até duas vezes por semana em cada categoria) como se verifica nos gráficos 4 e 5.
CONCLUSÃO
Neste estudo foram avaliadas diversas variáveis modificáveis e a sua relação com o turno de trabalho.
É evidente que existe uma grande variabilidade inter-individual de cada operário que reflecte a adaptação e a tolerância para determinado turno e tarefa a desempenhar. Diversos fatores pessoais e económicos pesam na opção por um turno laboral noturno.
Conforme espectável, foi possível verificar uma maior prevalência de excesso de peso/obesidade nos trabalhadores noturnos assim como de fumadores. Também o exercício físico regular assumiu uma relevância maior nos operários diurnos tendo o exercício esporádico assumido uma percentagem maior nos operários noturnos.
Desta forma, e apesar de uma grande limitação do estudo descrito ter sido a dimensão da amostra de apenas 100 indivíduos, os achados alertam para a importância da prevenção e campanhas de sensibilização, de forma a incentivar à mudança comportamental dos funcionários e da instituição, salientando uma consciencialização da necessidade de estilos de vida mais saudáveis para existirem ganhos em saúde, em especial para aqueles do trabalho noturno.
CONFLITOS DE INTERESSE, QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS
Nada a declarar.
AGRADECIMENTOS
Nada a declarar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Eurofound, Sexto Inquérito Europeu sobre as Condições de Trabalho. 2015.
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- Regis Filho G. Síndrome da má adaptação ao trabalho em turnos: uma abordagem ergonômica. Revista Produção. 2002, 11(2): 69-87
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Gráfico 1. Distribuição dos trabalhadores por IMC e respetivo turno de trabalho (%)
Gráfico 2. Distribuição dos trabalhadores com hábitos tabágicos e respetivo turno de trabalho (%)
Gráfico 3. Distribuição dos trabalhadores por hábitos de exercício físico e distribuição pelo respetivo turno de trabalho (%)
Gráfico 4. Distribuição dos trabalhadores por hábitos de exercício físico e categoria de IMC estudada, no turno da noite (N)
Gráfico 5. Distribuição dos trabalhadores por hábitos de exercício físico e categoria de IMC estudada, no turno diurno (N)
(1)Fábio Viana
Mestrado Integrado em Medicina em 2010 pela FML; Especialista em Medicina Geral e Familiar; Pós-graduado em Medicina Desportiva pela FMUP; Pós-graduado em Medicina do Trabalho pela FMUP, a cumprir o Plano Nacional Transitório de Formação da Especialidade de Medicina do Trabalho; Diretor Clínico da Clínica Médica de Viana. E-mail: frbviana@gmail.com. Morada para correspondência: Rua de Monserrate, 268, bloco a, loja 2, 4900-355 Viana do Castelo.
Viana F. Avaliação do perfil de saúde Cardiovascular dos trabalhadores de uma empresa do setor automóvel e relação com o turno de trabalho (noturno versus diurno). Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional. 2017, volume 4, 15-22. DOI:10.31252/RPSO.03.12.2017