Amorim D, Mota L, Pinto M, Horta J, Amaral A, Pereira M, Abrantes T. Beriliose: desafios no diagnóstico de uma Doença Profissional. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. 2025; 20, esub533. DOI: 10.31252/RPSO.30.11.2025
BERYLLIOSIS: CHALLENGES IN THE DIAGNOSIS OF AN OCCUPATIONAL DISEASE
TIPO DE ARTIGO: Caso Clínico
Autores: Amorim D(1), Mota L(2), Pinto M(3), Horta J(4), Amaral A(5), Pereira M(6), Abrantes T(7).
RESUMO
Introdução
A Doença Crónica do Berílio ou Beriliose, é uma doença granulomatosa causada pela exposição ao berílio, habitualmente por via inalatória. Os sintomas mais comuns são tosse, febre, suores noturnos e fadiga. O diagnóstico baseia-se na história clínica e ocupacional, exames imagiológicos, teste de proliferação de linfócitos ao berílio e biópsia pulmonar ou adenopática. Além do quadro clínico e imagiológico, a histopatologia também é semelhante à sarcoidose, sendo característico a presença de granulomas não caseosos.
Descrição do Caso
Descrevemos o caso de uma mulher de 57 anos que apresentou toracalgia, tosse seca e astenia para médios esforços com quatro meses de evolução. Realizou uma tomografia computorizada torácica que revelou múltiplos conglomerados adenopáticos mediastínicos e hilares. Após avaliação em Pneumologia, realizou uma ecoendoscopia brônquica e biópsia excisional de adenopatia mediastínica, evidenciando linfadenopatia granulomatosa não necrotizante. Inicialmente foi feito o diagnóstico presuntivo de Sarcoidose. Contudo, após investigação ocupacional identifica-se uma provável exposição prolongada ao berílio numa empresa de reciclagem de resíduos eletrónicos, onde trabalha há vinte anos sem utilização de equipamentos de proteção individual adequados. Face à suspeita de Beriliose, foi solicitado o teste de proliferação de linfócitos ao berílio, que aguarda por indisponibilidade laboratorial. Foi realizada a notificação de doença profissional e emitido um parecer para o serviço de saúde ocupacional da empresa com a recomendação de evicção da exposição ao berílio.
Discussão
Esta patologia surge em trabalhadores expostos ao berílio em empresas de eletrónica, metalúrgica, produção ou extração de berílio. O diagnóstico diferencial com a Sarcoidose é complexo, devido à indisponibilidade laboratorial do teste a nível nacional. Este exame é crucial para confirmar a sensibilização ao berílio. Assim, justifica-se a necessidade de maior acessibilidade ao teste ou a revisão dos critérios de diagnóstico. De forma a ser declarada como doença profissional, é necessário comprovar o nexo de causalidade com a exposição ocupacional de berílio; por isso, é essencial a avaliação ambiental nos locais de trabalho, nomeadamente estudos de avaliação da qualidade do ar.
Conclusão
O diagnóstico precoce e a prevenção são essenciais. O Médico do Trabalho desempenha um papel primordial na prevenção, identificando os trabalhadores expostos ao berílio, realizando exames médicos dirigidos aos riscos ocupacionais e colaborando com a equipa de Higiene e Segurança do Trabalho, de modo a assegurar o cumprimento dos limites de exposição ocupacional.
PALAVRAS-CHAVE: Berílio, Beriliose, Sarcoidose, Exposição Ocupacional, Medicina do Trabalho, Enfermagem do Trabalho.
ABSTRACT
Introduction
Chronic Beryllium Disease or Berylliosis, is a granulomatous disease caused by exposure to beryllium, typically through inhalation. The most common symptoms include cough, fever, night sweats, and fatigue. Diagnosis is based on clinical and occupational history, imaging studies, the beryllium lymphocyte proliferation test, and pulmonary or lymph node biopsy. In addition to the clinical and imaging findings, the histopathology is also similar to sarcoidosis, with the presence of non-caseating granulomas being characteristic.
Case report
We report the case of a 57-year-old woman who presented with chest pain, dry cough, and fatigue on moderate exertion, with a four-month duration. A thoracic computed tomography scan revealed multiple mediastinal and hilar lymph node conglomerates. After evaluation by Pulmonology, she underwent endobronchial ultrasound and excisional biopsy of a mediastinal lymph node, which revealed non-necrotizing granulomatous lymphadenopathy. An initial presumptive diagnosis of sarcoidosis was made. However, following an occupational investigation, probable prolonged exposure to beryllium was identified at an electronic waste recycling company, where the patient has worked for twenty years without the use of appropriate personal protective equipment. Due to the suspicion of Berylliosis, a beryllium lymphocyte proliferation test was requested, but is currently pending due to laboratory unavailability. The case was reported as an occupational disease, and an expert opinion was issued to the company’s occupational health service recommending cessation of exposure to beryllium.
Discussion
This condition occurs in workers exposed to beryllium in electronics, metallurgical, production, or beryllium extraction industries. Differential diagnosis with sarcoidosis is challenging due to the unavailability of the test at the national level. This examination is crucial to confirm beryllium sensitization. Therefore, there is a justified need for greater accessibility to the test or a revision of the diagnostic criteria. In order for the condition to be recognized as an occupational disease, it is necessary to establish a causal link with occupational beryllium exposure; thus, environmental assessments in the workplace are essential, particularly air quality evaluation studies.
Conclusion
Early diagnosis and prevention are essential. The Occupational Physician plays a key role in prevention by identifying workers exposed to beryllium, conducting medical examinations targeted to occupational risks, and collaborating with the Occupational Health and Safety team to ensure compliance with occupational exposure limits.
KEYWORDS: Beryllium, Berylliosis, Sarcoidosis, Occupational Exposure, Occupational Medicine, Occupational Health Nursing.
INTRODUÇÃO
A Doença Crónica do Berílio (DCB), também denominada Beriliose Crónica, é uma doença granulomatosa que afeta primariamente os pulmões, resultante da exposição ao berílio. A DCB compartilha muitas características clínicas e histopatológicas com a sarcoidose. Em 1943, foram descritos pela primeira vez casos de toxicidade aguda ao berílio e nos anos seguintes os primeiros casos em trabalhadores da indústria de processamento e de fabrico de lâmpadas fluorescentes, em Massachusetts (1).
Etiologia e exposição
O berílio é o quarto elemento da tabela periódica, descrito como um metal alcalinoterroso, leve, quebradiço e cinzento. Encontra-se naturalmente no carvão e rochas, geralmente ligado a outros elementos. Devido ao seu elevado ponto de fusão, resistência e leveza, é comumente utilizado em materiais aeroespaciais, eletrónicos, cerâmicos, em tecnologia de defesa, próteses dentárias, equipamentos de raios-X, joalharia e como elemento de liga com outros metais como cobre, ferro ou níquel (2) (3).
A maior parte da exposição ao berílio e da consequente toxicidade resulta da exposição ocupacional por inalação de fumos e poeiras, mas também pode ser absorvido após a exposição da pele (2) (4). As profissões com maior risco de exposição são trabalhadores em fundições ou na produção de metais/ligas, em empresas de extração de berílio, em indústrias nucleares e de alta tecnologia, incluindo a reciclagem de componentes eletrónicos e em indústrias de cerâmica, metalomecânica, automóvel e aeroespacial (4) (5). Um estudo realizado em França reporta que a maioria dos casos de DCB (85%) resulta da exposição profissional, particularmente em trabalhadores de fundição (39% dos casos). No entanto, foram também identificados casos com exposição não profissional em familiares de trabalhadores que levavam o vestuário de proteção contaminado com berílio para casa, bem como, em residentes perto de instalações de produção de berílio (1) (5).
Apesar da exposição ser necessária, a DCB ocorre em apenas 2 a 5% dos trabalhadores expostos ao berílio (4). A predisposição genética desempenha um papel crucial no desenvolvimento de sensibilização ao berílio e subsequente aparecimento de doença em indivíduos expostos. Em particular, a presença de um glutamato na posição 69 da cadeia β do HLA-DP (HLA-DPB1 E69) está associada a um aumento do risco de sensibilização ao berílio e de DCB. Cada alelo E69 adicional aumenta as probabilidades de desenvolver DCB. A interação entre fatores genéticos e de exposição é determinante na prevalência da beriliose (4) (6) (7) (8).
Fisiopatologia
A DCB é considerada uma doença de hipersensibilidade tardia (tipo IV) e mediada pelo complexo principal de histocompatibilidade de classe II (MHC-II). Exposições subsequentes levam à combinação de berílio com peptídeos MHC-II, que gera um “neoantigénio” reconhecido por Linfócitos T CD4+, levando à formação de granulomas nos pulmões em indivíduos geneticamente suscetíveis. Estes são semelhantes aos observados na sarcoidose, o que pode levar a dificuldades no diagnóstico diferencial (1) (3) (8) (9) (10).
Sinais e sintomas
A DCB apresenta um curso clínico variável, desde evidências de sensibilização ao berílio e granulomas pulmonares com poucos sintomas, até à perda progressiva da função pulmonar e doença em estadio terminal. As manifestações clínicas da DCB são inespecíficas, sendo que os sintomas mais comuns incluem tosse seca, dispneia, fadiga, perda de peso, febre e suores noturnos (4) (11).
O período de latência entre a exposição e o início dos sintomas varia de três meses a 30 anos. O exame físico pode revelar linfadenopatias, hepatoesplenomegalia e crepitações à auscultação pulmonar em doenças mais avançadas. Na exposição cutânea ao berílio é possível observar erupção cutânea e/ou nódulos cutâneos. As manifestações extrapulmonares são mais comuns na Sarcoidose do que na DCB (4) (11).
As provas de função respiratória (PFR) podem ser normais no momento do diagnóstico inicial da DCB. Com a progressão da doença, podem manifestar-se padrões de tipo obstrutivo, restritivo, misto ou diminuição isolada da Capacidade de Difusão do Monóxido de Carbono (DLCO), embora estes achados não sejam específicos para a DCB. Em fases mais avançadas, pode ocorrer insuficiência respiratória grave, necessitando de oxigénio suplementar (1) (12).
Diagnóstico
Em termos imagiológicos, a DCB pode ser indistinguível da Sarcoidose, sendo o padrão nodular, reticular ou reticulonodular, com predomínio nos andares médios e superiores, os achados mais comuns na radiografia torácica. A Tomografia Computorizada de Alta Resolução (TCAR) evidencia, tipicamente, micronódulos bem definidos, com distribuição perilinfática, opacidades em vidro despolido, espessamento septal e broncovascular e adenopatias mediastino-hilares. Em fases mais avançadas, podem existir áreas de fibrose pulmonar e espessamento pleural. A linfadenopatia hilar é uma característica comum e pode ser o único achado imagiológico (1) (4) (12).
Segundo a American Thoracic Society, o diagnóstico de DCB requer a presença de dois critérios principais (4):
- História confirmada de sensibilização ao berílio, definida por:
- Dois Testes de Proliferação Linfocitária ao Berílio (TPLB) positivos, em amostra de sangue periférico;
- Pelo menos um TPLB positivo e um borderline, em amostra de sangue periférico;
- Três TPLB borderline, em amostra de sangue periférico;
- Um TPLB positivo, em amostra de lavado broncoalveolar (LBA).
- Evidência histológica de granulomas não caseosos no pulmão, confirmada por biópsia pulmonar.
Ocasionalmente, um diagnóstico de DCB provável pode ser feito com base nas alterações imagiológicas fortemente sugestivas e história de exposição ao berílio, juntamente com testes TPLB positivos. A análise do LBA, tipicamente, revela uma linfocitose, com valores superiores a 20%. No entanto, dada a variabilidade dos achados imagiológicos, a maioria dos pacientes necessita de biópsia pulmonar para confirmar o diagnóstico. Apesar disso, os granulomas não caseosos da DCB são semelhantes aos da sarcoidose, o que pode levar a erros de diagnóstico (1) (3) (4).
O TPLB mede a proliferação de Linfócitos T isolados do sangue periférico ou do LBA, cultivados com sais de berílio e um precursor de Ácido Desoxirribonucleico (ADN), a timidina, marcada com trítio (3H), um isótopo radioativo do hidrogénio. Devido ao uso deste produto radioativo, por razões de acreditação e normas de segurança, este teste não tem sido realizado em alguns países como em França. Isto contribui para as dificuldades e atrasos no diagnóstico da DCB (5) (13).
O TPLB é um exame crucial para detetar a sensibilização ao berílio, sendo o único teste de diagnóstico atual capaz de diferenciar a DCB da sarcoidose. Na ausência de demonstração de hipersensibilidade ao berílio, o diagnóstico só é provável na presença de um quadro clínico e radiológico compatível com granulomatose num trabalhador exposto ao berílio. O TPLB também tem utilidade na vigilância médica de indivíduos expostos ao berílio, sendo viável apenas na ausência de corticoterapia nos três meses anteriores (5) (11) (12) (13).
Apesar de subtis diferenças clínicas e radiológicas, as principais características da Sarcoidose Pulmonar e da DCB mantêm-se quase indistinguíveis, levantando a hipótese de que a DCB possa ser uma “Sarcoidose de causa conhecida”. Estima-se que 6% de todos os pacientes diagnosticados com Sarcoidose possam ter DCB (4) (10).
Tratamento
Os objetivos do tratamento da DCB são reduzir os sintomas e retardar a progressão da doença, isto porque atualmente não existe cura. Nos estadios iniciais, sem anormalidades na função pulmonar ou sintomas clínicos, deve haver monitorização periódica, com exame físico, PFR e radiografia de tórax (4).
O tratamento farmacológico segue o preconizado para a Sarcoidose, dada a escassez de estudos na DCB. Os corticosteroides sistémicos são convencionalmente utilizados como primeira linha de tratamento, sendo administrados tipicamente quando há evidência clínica de progressão da doença e/ou alterações da função pulmonar. Outros agentes imunossupressores, como a azatioprina, o metotrexato e o infliximab, são usados em pacientes que não respondem à terapêutica de primeira linha ou que requerem altas doses de corticosteroides (1) (4).
O acompanhamento médico regular é essencial para monitorizar a progressão da doença e a resposta ao tratamento. Embora não haja evidências de que a interrupção da exposição ao berílio diminua a progressão da doença, ainda é uma abordagem aceite e deve ser aconselhada. Em todos os casos, deve ser recomendada a cessação tabágica e a vacinação contra influenza e pneumococos (4).
DESCRIÇÃO DO CASO
Descreve-se o caso de uma mulher de 57 anos que iniciou um quadro clínico, com quatro meses de evolução, de cervicalgia de ritmo inflamatório, toracalgia, tosse seca, astenia e dispneia para médios esforços. Negava febre, suores noturnos ou perda ponderal. Não apresentava antecedentes pessoais de relevo, não fazia nenhuma medicação habitual e negava hábitos tabágicos.
Por persistência do quadro clínico foi encaminhada para consulta de Ortopedia, tendo realizado uma Ressonância Magnética (RM) Cervical que demonstrou uma “lesão intramedular desde o nível médio da vértebra C5 ao nível médio da vértebra C7 (…) podendo ter natureza inflamatória, embora as possibilidades de astrocitoma ou ependimoma possam ser consideradas”.
Na investigação adicional realizou uma Tomografia Computorizada Toraco-Abdomino-Pélvica (TC-TAP) que evidenciou “múltiplas adenomegalias de diferentes espaços mediastínicos, quase todas agrupadas e formando complexos ganglionares”, destacando-se as localizações “paratraqueal direita com 26x33mm e outra infracarinal e pré-vertebral com 40x19mm. Outras adenomegalias isoladas no espaço pré-vascular (16mm), mediastino posterior (18 mm) bem como regiões hilares, a maior à esquerda com cerca de 15 mm de diâmetro”. Contudo, o parênquima pulmonar não apresentava nódulos ou massas pulmonares, apenas “discreto espessamento com cerca de 6 mm” no lobo inferior direito.
Após a realização da TC-TAP, foi referenciada para consulta de Pneumologia, onde realizou PFR que não revelaram alterações e uma Tomografia por Emissão de Positrões (PET) que revelou “adenopatias mediastino-hilares, bilateralmente, hipermetabólicas, a carecer de esclarecimento etológico (sarcoidose? outra etiologia?) Sem alterações hipermetabólicas suspeitas a outros níveis”. Para esclarecimento diagnóstico, foi realizado um estudo analítico completo com hemograma, função renal, hepática e tiroideia, proteinograma, ß2 microglobulina, cálcio sérico e urinário, lactato desidrogenase (LDH) e creatina quinase CK, que não revelaram alterações. Foi colhido também o teste interferon-gamma release assay (IGRA), estudo autoimune e serológico de hepatites e vírus da imunodeficiência humana (VIH) que foram negativos.
De seguida, foi realizada uma ecoendoscopia brônquica (EBUS) com punções aspirativas de algumas adenopatias (7 e 4R), que revelou uma “linfadenite granulomatosa não necrotizante”, com linfocitose do LBA (N30%; L67%), “sem evidência de infiltração por neoplasia linfoproliferativa T ou B” e “cultura e ADN negativos para Bacilo de Koch (BK)”.
Para estudo histológico definitivo, foi ainda realizada uma biópsia excisional de adenopatia mediastínica, que revelou “características de linfadenopatia granulomatosa não necrotizante”. Perante estes resultados, e após exclusão de outras doenças granulomatosas, foi estabelecido o diagnóstico presuntivo de sarcoidose, tendo a lesão cervical sido igualmente enquadrada neste contexto, após seguimento em consulta de Neurocirurgia.
No entanto, após investigação da exposição ocupacional identifica-se uma provável exposição prolongada ao berílio numa empresa de reciclagem de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos, onde trabalha há 20 anos sem Equipamentos de Proteção Individual (EPI) adequados. Assim, é feita a suspeita diagnóstica de DCB e pedido o TPLB que, por indisponibilidade laboratorial, não foi possível realizar.
Perante a suspeita de doença profissional, foi realizada a sua participação ao Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais (DPRP) e emitido um parecer dirigido ao Serviço de Saúde Ocupacional da empresa em questão a aconselhar a evicção da exposição ao berílio. De momento, ainda aguarda decisão por parte do DPRP.
DISCUSSÃO
Apesar da crescente utilização do berílio nas últimas duas décadas, a DCB continua a ser subdiagnosticada. Isto pode ser explicado, pelo desconhecimento da DCB e das exposições de risco por parte dos profissionais de saúde, mas também pelo aparecimento tardio da doença após o fim da exposição, pela complexidade do diagnóstico e pelas semelhanças com a Sarcoidose (5) (12).
O diagnóstico diferencial entre a DCB e a Sarcoidose constitui um grande desafio, uma vez que ambas são consideradas fenocópias a nível clínico, imagiológico e histológico. Para além disso, a indisponibilidade laboratorial do TPLB, a nível nacional, inviabiliza a confirmação diagnóstica definitiva da DCB segundo os critérios estabelecidos pela American Thoracic Society. Neste contexto, torna-se essencial garantir uma maior acessibilidade a este teste ou, em alternativa, adaptar os critérios diagnósticos à realidade nacional, de forma a comprovar a exposição ao berílio e excluir outras causas.
Devido à utilização de um produto radioativo na realização do TPLB, e por questões relacionadas com acreditação e normas de segurança, alguns laboratórios desenvolveram métodos alternativos para a sua execução, nomeadamente através da citometria de fluxo (5). Outro método análogo, também utilizado em determinados laboratórios, baseia-se na análise de alterações na expressão genética após estimulação com berílio (10). Assim, torna-se fundamental garantir uma maior acessibilidade ao TPLB ou a métodos equivalentes, não apenas para a confirmação diagnóstica da DCB, mas também para a vigilância médica de indivíduos expostos, no âmbito dos exames periódicos de Medicina do Trabalho, permitindo a identificação precoce de casos de sensibilização ao berílio.
Para que a DCB seja reconhecida como doença profissional, nos termos do código 22.01 da Lista de Doenças Profissionais (Decreto Regulamentar n.º 76/2007, de 17 de julho), é imprescindível estabelecer o nexo de causalidade entre a patologia e a exposição ocupacional ao berílio. Nesse sentido, a realização de estudos nos locais de trabalho, designadamente avaliações da qualidade do ar, assume particular relevância para a adequada caracterização do risco e a comprovação da exposição (4) (12) (14). Estas avaliações são igualmente essenciais para verificar o cumprimento dos valores limite de exposição ocupacional ao berílio. De acordo com as diretrizes atuais da Administração Americana de Segurança e Saúde Ocupacional (OSHA), o valor limite de exposição (VLE) ao berílio é de 0,2 µg/m³ para uma média ponderada no tempo de 8 horas (VLE-MP), um limite de exposição de curta duração (VLE-CD) de 2,0 µg/m³ durante um período de amostragem de 15 minutos e um nível de ação de 0,1 µg/m³ com uma TWA de 8 horas (1) (4) (15).
No caso em questão, face à inacessibilidade ao TPLB, uma avaliação de riscos pormenorizada do posto de trabalho, incluindo a análise da qualidade do ar e a verificação das medidas de proteção coletiva e individual em vigor, assume um papel fundamental na certificação da Doença Profissional. Esta abordagem permite comprovar a exposição ocupacional ao berílio, contribuindo, simultaneamente, para o diagnóstico diferencial entre a DCB e a Sarcoidose.
CONCLUSÃO
O berílio e os seus compostos, para além de poderem causar a DCB, são considerados agentes cancerígenos, estando classificados no Grupo 1 da Agência Internacional para a Investigação do Cancro (IARC), o que significa que há evidência suficiente da sua carcinogenicidade em humanos (4). Dada a sua perigosidade, é essencial implementar medidas preventivas rigorosas que limitem a exposição ocupacional ao berílio.
A OSHA estabeleceu um conjunto de diretrizes preventivas com o objetivo de reduzir os riscos associados à exposição ao berílio, que incluem (15) (16):
- Monitorização e controlo rigoroso dos níveis de exposição ao berílio, assegurando que os valores se mantêm dentro dos limites de exposição ocupacional legalmente estabelecidos;
- Implementação de medidas de proteção coletiva/ controlos de engenharia, como substituição de materiais, isolamento/ enclausuramento, sistemas de ventilação e exaustão local ou controlos de processo (como métodos húmidos e automação);
- Disponibilização de EPI, com especial destaque para a proteção respiratória e dérmica. Nas áreas de trabalho onde as exposições por via aérea estejam acima do VLE-MP/VLE-CD, o uso de EPI é obrigatório;
Adicionalmente, é obrigatória a elaboração e execução de um plano de controlo de exposição por cada entidade empregadora. Este plano deve contemplar a identificação detalhada das operações, tarefas e funções que envolvam risco potencial de exposição ao berílio, assim como, uma lista dos controlos de engenharia e práticas de trabalho implementados. A OSHA prevê ainda a criação de áreas regulamentadas, com acesso restrito, nas situações em que os níveis de exposição ultrapassam o VLE-MP/VLE-CD (15) (16).
As normas da OSHA incluem ainda requisitos obrigatórios de comunicação de perigos, nomeadamente (15) (16):
- A rotulagem adequada de substâncias e misturas contendo berílio;
- A disponibilização de Fichas de Dados de Segurança (FDS) atualizadas;
- A realização de ações de formação específicas para os trabalhadores, com foco nos riscos associados ao berílio e nas medidas de prevenção e proteção a adotar.
No âmbito da vigilância médica ocupacional, a OSHA recomenda que todos os trabalhadores que estejam ou se possa razoavelmente prever que venham a estar expostos ao berílio acima do nível de ação por mais de 30 dias por ano, sejam integrados num programa de avaliação médica periódica, a realizar pelo menos de dois em dois anos. Como parte desta avaliação, deve ser realizado o TPLB (ou outro teste equivalente) na primeira avaliação médica e deve ser repetido de dois em dois anos, a menos que o funcionário seja confirmado positivo para sensibilização ao berílio. Esta vigilância permite identificar precocemente os trabalhadores com sensibilização ao berílio, os quais, embora não requeiram tratamento, devem ser avaliados periodicamente de forma a evitar a progressão para a DCB. Os trabalhadores que desenvolvam sinais e sintomas de DCB devem ser afastados da exposição ao berílio e encaminhados para consulta de Pneumologia (4) (15) (16).
Contudo, não existe um nível verdadeiramente seguro de exposição ao berílio. Devido à sua ampla utilização em diversos setores industriais, é expectável que continuem a ocorrer casos de sensibilização ao berílio e DCB (1) (4). Neste contexto, a Medicina do Trabalho assume um papel primordial na prevenção e vigilância da saúde dos trabalhadores, através da identificação dos trabalhadores expostos ao berílio, da realização de exames médicos dirigidos aos riscos ocupacionais e da articulação com as equipas de Higiene e Segurança do Trabalho, de modo a assegurar o cumprimento dos limites de exposição ocupacional.
CONFLITOS DE INTERESSE
Os autores declaram não ter qualquer conflito de interesse.
QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS:
Nada a declarar.
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(1)Daniel Amorim
Médico Interno de Medicina do Trabalho na Unidade Local de Saúde Viseu Dão-Lafões. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade da Beira Interior. Morada completa para correspondência dos leitores: Serviço de Saúde Ocupacional, Unidade Local de Saúde de Viseu Dão-Lafões, E.P.E, Av. Rei D. Duarte, 3504-509 Viseu. E-mail: daniel.amorim.9078@ulsvdl.minsaude.pt. Nº ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2645-2454
-Contribuição para o artigo: Autor principal do artigo, realização da pesquisa bibliográfica e da redação do artigo.
(2)Luís Mota
Médico Interno de Medicina do Trabalho na Unidade Local de Saúde Viseu Dão-Lafões. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 4430-117 Vila Nova de Gaia. E-mail: luistxmota@hotmail.com. Nº ORCID: 0000-0003-1162-6271 – Contribuição para o artigo: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(3)Manuel Pinto
Médico Interno de Medicina do Trabalho na Unidade Local de Saúde Viseu Dão-Lafões. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. 4710-413 Braga. E-mail: cpinto.manuel@gmail.com – Nº ORCID: 0000-0003-0931-1449
– Contribuição para o artigo: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(4)João Horta
Médico Interno de Medicina do Trabalho na Unidade Local de Saúde Viseu Dão-Lafões. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Especialização em Medicina Desportiva pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 3500-736 Viseu. E-mail: joaohortafmuc@gmail.com. Nº ORCID: 0000-0001-6074-8123
– Contribuição para o artigo: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(5)Ana Amaral
Diretora do Serviço de Saúde Ocupacional da ULS Viseu Dão-Lafões. Médica especialista em Medicina do Trabalho e Imunohemoterapia. Competência em Avaliação do Dano na pessoa. Competência em Gestão dos Serviços de Saúde. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. 3504-509 Viseu. E-mail: anapalmiraamaral@gmail.com. Nº ORCID: 0000-0002-2661-3601
– Contribuição para o artigo: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(6)Miguel Pereira
Assistente Hospitalar no Serviço de Saúde Ocupacional da Unidade Local de Saúde Viseu Dão-Lafões. Mestrado Integrado em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. 3504-509 Viseu. E-mail: miguel.pereira.9666@ulsvdl.minsaude.pt. Nº ORCID: 0000-0002-3994-0468
– Contribuição para o artigo: Co-autoria. Revisão do manuscrito.
(7)Tito Abrantes
Assistente Hospitalar de Pneumologia desde 2020 na ULS Viseu Dão-Lafões. Atualmente responsável pela consulta de Doenças Difusas do Pulmão e Pneumologia Geral. Atividade diária no setor de técnicas endoscópicas e pleurais. 3504-509 Viseu. E-mail: 6505@ulsvdl.min-saude.pt. Nº ORCID: https://orcid.org/000-0002-0942-4323
– Contribuição para o artigo: Co-autoria. Revisão do manuscrito.








