Perea E, Talambas S, Rosa P, Manzano M. Fadiga na Sarcoidose e o Regresso ao Trabalho: um Caso Clínico. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line. 2018, volume 6, 1-6. DOI: 10.31252/RPSO.10.12.2018
Tipo de artigo: Caso Clínico
Autores: Perea E(1), Talambas S(2), Rosa P(3), Manzano M(4).
Introdução
A sarcoidose é uma doença granulomatosa multissistémica de etiologia desconhecida. Pensa-se que atinja preferencialmente mulheres entre os 20-40 anos de idade1, embora haja estudos que sugerem que a incidência e prevalência é maior entre os 45-65 anos2, tratando-se de população economicamente ativa. A sarcoidose pode envolver praticamente qualquer órgão, sendo os pulmões (>90%) e os gânglios linfáticos intratorácicos (75% a 90%) os mais afetados3. A apresentação clínica pode ser aguda ou crónica. Uma forma comum de apresentação da doença aguda é a Síndrome de Lofgren, caracterizado por febre, linfadenopatia hilar bilateral, edema maleolar e eritema nodoso1. A presença desta síndrome tem uma especificidade de 95% para o diagnóstico clínico de sarcoidose, pelo que dispensa biópsia1. No entanto, noutras apresentações clínicas, a sarcoidose é um diagnóstico de exclusão, sendo que a presença de granulomas não necrosantes, sem evidência de infeção são critério comum para esta patologia, que se confirma através de biópsia1,4.
Os sintomas associados são múltiplos, nomeadamente tosse, dispneia, fadiga e perturbações do sono (qualidade do mesmo e sonolência diurna). A fadiga, sintoma constitucional, é o sintoma central em 80% dos doentes com sarcoidose5 e ainda é um problema subestimado no seguimento6, podendo manter-se até mesmo após o sucesso terapêutico das lesões.
Salienta-se que muitos casos de sarcoidose aguda não requerem tratamento, no entanto quando a medicação é indicada, os anti-inflamatórios não esteroides (AINE’s) são a primeira linha1, apesar de os corticosteroides serem os mais comumente utilizados2.
Após a ocorrência de lesões ou doenças graves, o regresso ao trabalho poderá ser um processo gradual, caracterizado por um período de transição e adaptação dos locais de trabalho, para melhorar a capacidade funcional e a produtividade7. O planeamento e o incentivo para permanecer no trabalho ou para retomar as atividades são fundamentais no tratamento clínico das incapacidades7. Apresenta-se o caso de uma profissional de saúde de 36 anos de idade com sarcoidose e fadiga residual e o seu processo de regresso ao trabalho.
Caso Clínico
Doente do sexo feminino, 36 anos de idade, profissional de saúde do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC). Do seu histórico profissional destaca-se o início da atividade laboral como médica há dez anos, encontrando-se num serviço de Medicina Interna deste centro hospitalar há dois anos. Recorre a consulta da especialidade mencionada, por queixas de febrícula vespertina, poliartralgias de ritmo inflamatório com rigidez matinal (punhos e região tibiotársica), edema bimaleolar (Figura 1), dispneia e fadiga intensa com duas semanas de evolução. Sem antecedentes pessoais relevantes, medicada apenas com contracetivo oral. Ao exame físico encontra-se subfebril, verificando-se a presença de edema bimaleolar. Cerca de uma semana após a primeira consulta surgiu o eritema nodoso (Figura 2, 3). Do estudo analítico destaca-se velocidade de sedimentação (VS: 61 mm/h), Gama Glutamil Transferase (GGT: 102 U/L), Proteína C Reativa (PCR: 117.9 mg/L) elevadas. Os anticorpos antinucleares (ANA) foram positivos (1:160), com padrão mosqueado (fino granular). O fator reumatoide (FR), HLA B27 e as serologias infeciosas foram negativos. A enzima conversora de angiotensina (ECA) encontrava-se com valores dentro da normalidade. A tomografia computorizada (TC) de tórax mostrava inúmeras adenopatias mediastínicas, as maiores com diâmetro de 11x18mm e 26×21 mm, adenopatias laterotraqueais, pré-vasculares, hilares, destaca-se também um ligeiro espessamento peribrônco-vascular isolado no lobo inferior direito.
Foi diagnosticada com Síndrome de Lofgren, tendo realizado terapêutica com AINES durante dois meses e após o término, por melhoria significativa das queixas, regressou ao trabalho.
Nessa altura apresentava ainda queixas de fadiga e cansaço fácil a esforços, pelo que lhe foi recomendado pela médica assistente não realizar períodos de trabalho contínuos superiores a doze horas diárias. Neste contexto, dirigiu-se à consulta a Medicina do Trabalho, onde realizou o exame de saúde ocasional por ausência superior a 30 dias. Desta consulta salienta-se que a profissional desenvolvia a sua atividade no internamento, consulta externa e no serviço de urgência e que, em condições normais, realizava turnos noturnos e escalas de trabalho que incluíam horários superiores a doze horas diárias. Em relação aos fatores de risco, identificados e analisados, a que a profissional poderia estar exposta, destacam-se o físico (radiações eletromagnéticas dos equipamentos de trabalho), ergonómico (como o trabalho informatizado em postura de sentado por tempo prolongado, mobiliário informático desadequado, movimentos repetitivos – rato e teclado), risco biológico (contacto com objetos corto-perfurantes contaminados com fluidos biológicos) e os fatores de risco psicossociais (cronodisrrupção associada a turnos rotativos e noturnos, stresse ocupacional e fortes exigências emocionais no trabalho).
Neste contexto, foi emitida uma ficha de aptidão condicional para o trabalho, na qual foi sugerido horário fixo diurno de oito horas diárias máximas até perfazer um horário de quarenta horas semanais. Foi-lhe ainda recomendado que não realizasse serviço de urgência e trabalho noturno.
Um mês depois, em reavaliação, diminuiu-se a restrição para doze horas/dia. Atualmente, seis meses após o diagnóstico, encontra-se sem medicação e desenvolve a sua atividade profissional mantendo algumas restrições laborais, nomeadamente a não realização de trabalho noturno sendo a próxima reavaliação dentro de seis semanas.
Discussão
A sarcoidose é uma doença autolimitada, sendo na maioria das vezes o prognóstico favorável3.
Mais de 80% dos doentes com Síndrome de Lofgren têm uma doença monofásica com excelente prognóstico1, no entanto, no caso apresentado, houve uma importante limitação funcional pelas artralgias generalizadas, dispneia e fadiga extrema, sintomas estes que tiveram uma repercussão direta nas atividades da vida diária e no desenvolvimento laboral (quantidade e qualidade do trabalho).
Independentemente da etiologia, a fadiga está negativamente relacionada com a qualidade de vida dos pacientes6 em todos os domínios8. Embora os granulomas e a libertação de citocinas possam estar envolvidos na etiologia, o tratamento da doença e as suas comorbilidades (como a depressão, aumento de peso, intolerância ao exercício ou alteração dos padrões de sono) podem também estar implicados6. Frequentemente, a doença em si é uma causa direta deste sintoma, no entanto, o tratamento da sarcoidose com corticosteroides pode mesmo agravá-la9.
Os programas de trabalho adaptado englobam um conjunto variado de alterações relacionadas com as atividades laborais, incluindo as horas de trabalho (por exemplo, horário de trabalho flexível ou reduzido), redução nas tarefas, ou alterações mais permanentes nos locais de trabalho como modificações nas estações e/ou equipamentos7 (iluminação e ventilação adequadas, secretária e cadeira confortáveis).
No caso supracitado houve necessidade de limitar o número de horas de trabalho diário, sem possibilidade de extensão de horário e com evicção do serviço de urgência e trabalho noturno.
As Jornadas de trabalho superiores a oito horas têm um risco aumentado de acidentes de trabalho, e sendo que este risco é cumulativo. As doze horas de trabalho contínuo condicionam um risco de acidente duas vezes superior ao gerado pelas oito horas de trabalho diário10. O trabalho por turnos, que inclui o trabalho noturno, acarreta um aumento substancial do risco de acidentes10. Os doentes com sarcoidose são afetados por distúrbios do sono significativos, o que origina níveis mais elevados de fadiga, depressão, disfunção cognitiva e resulta em menor qualidade de vida e saúde mental6. O trabalho noturno foi restrito por existir relação entre o trabalho por turnos e as alterações do sono e fadiga física10-12.
Conclusões
Apesar de existirem melhorias nas manifestações da sarcoidose após o tratamento, um número substancial de doentes sofre de fadiga persistente, sintoma esse que influencia diretamente a capacidade de trabalho e que pode agravar com a execução do mesmo.
É importante compreender e tratar da saúde física e mental dos doentes com sarcoidose, especialmente aqueles que apresentam perturbações do sono, de modo a prevenir a deterioração da qualidade de vida e minimizar o peso dos sintomas independentemente da severidade da doença8. Se nos trabalhadores por turnos, mesmo aqueles sem comorbilidades, mas com problemas de sono e/ou fadiga, reduzir a proporção de noites pode contribuir para a redução dos sintomas11; nos trabalhadores que manifestam algum tipo de limitação, estas medidas são ainda mais relevantes.
O passo inicial para qualquer ação que tenha como objetivo a prevenção de incapacidade prolongada em trabalhadores com doenças e/ou lesões é a consciência da existência de fatores que os colocam em situação de risco.7 O papel do médico do trabalho prende-se não só com a identificação e tratamento de incapacidades para o trabalho, mas também com o reconhecimento imediato do problema e a comunicação com todas as partes envolvidas. O objetivo principal é garantir um regresso ao trabalho o seguro, seja este total ou parcial, o mais rapidamente possível. A incapacidade deve ser encarada nos seus múltiplos aspetos, com intervenções médicas, psicológicas e sociais, de modo a permitir aos trabalhadores com risco elevado de incapacidade a longo prazo, retomar o trabalho e assim permanecer empregados7.
A interligação das diversas especialidades com a Medicina do Trabalho é fundamental no sucesso do regresso ao trabalho de doentes com perturbações multissistémicas e afeção das atividades da vida diária.
Bibliografia
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ANEXOS
(1)Elvira Rodríguez Perea
Mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Escola Juan N. Corpas, Bogotá, Colômbia, com equivalência na Universidade de Lisboa; Interna de Formação específica de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, CHULC EPE. Morada para correspondência dos leitores: Alameda de Santo António dos Capuchos, 1169-050 Lisboa. E-mail: elvira.perea@chlc.min-saude.pt.
(2)Sofia Talambas
Mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra; Interna de Formação específica de Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, CHULC EPE. 1169-050 Lisboa. E-mail: sofia.talambas@chlc.min-saude.pt.
(3)Pedro Miguel Rosa
Licenciado em Saúde Ambiental pela Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, Mestre em Saúde Tropical pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical (Universidade Nova de Lisboa), Doutorando em Saúde Ambiental pela Faculdade de Medicina de Lisboa (Universidade de Lisboa). Técnico de Saúde Ambiental/Técnico Superior de Segurança do Trabalho da Saúde Ocupacional do CHULC, EPE, Lisboa. 1169-050 Lisboa. E-mail: pedro.rosa@chlc.min-saude.pt.
(4)Maria João Manzano
Assistente Graduada Sénior de Medicina do Trabalho; Diretora da ASO – CHLC, EPE, Lisboa; Consultora da DGS para a Saúde Ocupacional; Doutorada pela Faculdade de Medicina de Budapeste sobre o papel dos fotorecetores não visuais na regulação dos ritmos circadianos e circanuais. 1169-050 Lisboa. E-mail: mjmanzano@chlc.min-saude.pt