TIPO DE ARTIGO: Resumo de trabalho divulgado noutro contexto
AUTORES: Santos M.(1) Almeida A.(2)
INTRODUÇÃO
A cronobiologia estuda os processos orgânicos rítmicos. No contexto específico da Saúde Ocupacional, ela investiga vários temas que se relacionam com o desempenho, risco de acidentes, caraterísticas dos trabalhos por turnos e as alterações que a idade do trabalhador pode acarretar.
CONTEÚDO
Cronobiologia
Os ritmos são regulados por sincronizadores externos (como a luz ou os alimentos) e internos (como as hormonas). Ao valor mínimo de determinado parâmetro no ciclo rítmico chama-se nadir e zénite é a terminologia dada ao valor máximo.
Cronodisrupção poderá ser definida como o estado de desorganização temporal e fisiológica, consequente a cronodisrruptores internos e/ ou externos.
Núcleos supraquiasmáticos do hipotálamo e melatonina
O principal pace-maker circadiano reside nos núcleos supraquiasmáticos do hipotálamo, que integram a informação externa e interna. A retina liga-se a estes através do feixe retino-hipotalámico, levando informação à glândula pineal, onde se produz melatonina (a partir da serotonina), marcador interno do tempo a nível circadiano. A produção aumenta à noite e diminui durante o dia, com a exposição à luz. O pico da produção/ libertação de melatonina corresponde ao nadir da temperatura corporal, ou seja, por volta das 24 horas e tem o seu próprio nadir de madrugada. O sono geralmente inicia-se quando a sua produção/ libertação aumenta, diminuindo a temperatura corporal. A tentativa de dormir fora deste timming levará a sonos mais breves e menos reparadores. A luz solar é assim o principal sincronizador. Por vezes, a exposição a luz durante o turno, viagem de regresso ou até no domicílio, perturbará ainda mais os ritmos circadianos.
A latitude está associada a algumas caraterísticas cronobiológicas, devido à diferente energia solar e extensão do dia. Assim, indivíduos que residem mais próximo do Equador, com menor variabilidade na energia luminosa sazonal, têm maior tendência para serem “matutinos”; ainda assim, há uma certa variabilidade individual.
Os invisuais, por exemplo, têm muitos distúrbios do sono, tal como os indivíduos com cataratas e retinopatias graves. Contudo, até estes podem apresentar ciclos mais ou menos circadianos, devido às outras pistas ambientais (para além da luz).
O efeito da administração exógena de melatonina é controverso entre os estudos. Segundo uns, ela reverte algumas das alterações cronobiológicas do sono que surgem com a idade e/ ou acelera um pouco a adaptação circadiana; segundo outros, melhora a qualidade do sono em trabalhadores noturnos, com administração matinal e atenuação da luz solar com óculos. Contudo, não está estabelecida com clareza a dose óptima, nem a sua segurança a longo prazo; outros ainda defendem o seu uso em conjunto com a terapia de luz. Por outro lado, alguns estudos concluíram que não existe benefício significativo em a administrar para induzir/ melhorar o sono diurno em trabalhadores noturnos; assinalando inclusive o aparecimento de efeitos secundários, nomeadamente fadiga e sonolência em alturas inapropriadas.
Desempenho
O desempenho do trabalhador é menor na fase em que tem a sua temperatura corporal no nadir, ou seja, entre as quatro e as seis horas da manhã, sensivelmente.
Na primeira noite de trabalho geralmente não se verifica diminuição intensa do desempenho mas, nas noites seguintes, este diminui consideravelmente; nomeadamente a nível de atraso de raciocínio, tempos de reação maiores, mais erros e pior memória. Após 17 a 19 horas acordado, o desempenho é equivalente a uma alcoolémica de 5%; se se atingirem as 20- 25 horas, tal valor passa para 10%, sobretudo para postos com tarefas complexas.
Risco de acidentes laborais e outras lesões
O maior risco de acidentes laborais em todos os estudos consultados situa-se durante a noite e/ ou madrugada. O risco é decrescente do turno da noite para o da tarde e manhã. Na segunda noite o risco é 6% mais elevado e na terceira e quarta noites 17 e 36%, respetivamente. Acredita-se que a partir da quinta noite já não exista um acréscimo de risco significativo. Nos turnos diurnos essa evolução é de 2, 7 e 17%. O risco é superior nos turnos de doze versus oito horas. A destacar também que, a qualquer hora do dia, as pausas diminuem o risco de acidentes de trabalho.
A existência de sestas durante os turnos alivia a fadiga e a sonolência; devendo tal ser incentivado pelos gestores durante os turnos noturnos e não proibido, como acontece na generalidade das empresas. Uma sesta em local barulhento proporciona um pior desempenho face a uma que ocorra em contexto calmo; o efeito também parece ser proporcional à duração da sesta. De destacar que em alguns estudos a sonolência está identificada como sendo a causa mais prevalente de acidentes, acima do álcool e outras drogas, sobretudo nos de viação.
A privação de sono não só aumenta o risco do trabalhador cometer erros, como diminui a probabilidade de os detetar nos colegas. Contudo, em alguns indivíduos, as sestas também podem criar desorientações, o que também não contribui para a segurança ocupacional.
Generalidades sobre trabalho por turnos
Alguns autores (ainda que de forma não consensual) defendem que a existência de turnos noturnos fixos em vez de rotativos, poderá minimizar o impacto na saúde e bem-estar. Verificou-se, por exemplo, que o tempo de sono diurno era superior nos primeiros; contudo, a adaptação total é muito rara (porventura na ordem dos 3%) e manifestada pelo ajustamento da secreção de melatonina e temperatura interna. Ainda assim, esta é mais provável nos pólos geográficos e/ ou nos postos com isolamento das pistas ambientais e sociais, como minas e plataformas marítimas, sendo que nestas últimas os trabalhadores vão se deitar sem perder tempo a ir para casa e, geralmente, sem apanhar luz, uma vez o turno termina antes do nascer do sol. Além disso, dispõem de um quarto totalmente escuro, sem janelas e calmo; também ajuda bastante o fato de as atividades sociais serem planeadas em função dos turnos, sem qualquer sobreposição de horários.
Existe uma grande variabilidade individual na tolerância ao trabalho por turnos; alguns dos fatores eventualmente justificativos para tal são as diferenças de idade, experiência profissional, personalidade, ritmo circadiano e a flexibilidade pessoal no padrão de sono. Por exemplo, acredita-se que fará uma grande diferença o turno das 18- 6 horas para outro que funcione das 19- 7 horas (devido à exposição à luz matinal).
Acredita-se que os indivíduos, na generalidade, têm maior capacidade laboral entre as 8 e as 18 horas. A maioria dos funcionários que trabalham por turnos sente-se mais insatisfeito, tendo tal sentimento impacto considerável na (in)tolerância ao mesmo. Tal manifesta-se nas alterações do sono, fadiga, dependência de hipnóticos e alterações de humor (podendo mesmo surgir depressão).
Alguns investigadores defendem que a prática de exercício físico poderá ajudar a uma melhor adaptação ao trabalho por turnos.
A haver rotação de turnos, esta deve ser no sentido manhã, tarde, noite, folga; o turno não deverá começar antes das oito horas; deve-se possibilitar alguma flexibilidade (de acordo com os interesses do trabalhador e não apenas da entidade empregadora); o turno noturno deverá ter menos horas que o diurno e a rotação deverá ser definida com antecedência para que o funcionário possa organizar-se.
No trabalho por turnos, sobretudo noturnos, é mais frequente a patologia gastrointestinal, nomeadamente as úlceras péptica e duodenal, bem como alterações do sono (que se podem tornar crónicas), doença cardiovascular (incluindo dislipidemia) e diabetes. Este potencia também a probabilidade de existirem atritos familiares devido ao isolamento e à menor capacidade de ter um papel adequado neste contexto; são assim também mais frequentes a baixa auto-estima, ansiedade e irritabilidade.
Alguns estudos defendem que a mortalidade dos trabalhadores por turnos noturnos (presentemente ou no passado apenas) é superior à dos trabalhadores que só fazem ou fizeram turnos diurnos e regulares.
Sono
Um sono adequado associa-se a melhor qualidade de vida, memória e humor, bem como sistema imune mais fortalecido, melhor nível de alerta e de reatividade. 70% dos trabalhadores por turnos têm maior prevalência de queixas associadas ao sono e é esse geralmente o motivo que mais frequentemente os faz trocar de profissão. Referem sobretudo dificuldades em adormecer e manter o sono, devido aos frequentes despertares (fragmentação do sono) e encurtamento do mesmo, bem como maior cansaço, maior frequência de roncopatia e maior prevalência de tristeza/ depressão.
Durante a noite a secreção de cortisol e adrenalina é baixa, acontecendo o oposto durante o dia; assim, os trabalhadores noturnos que tentam dormir durante o dia, devido também a estas duas hormonas, o sono será mais curto e menos reparador. Profissionalmente, durante a noite, terão pior desempenho.
O sono dos trabalhadores por turnos pode melhorar com medidas de “higiene de sono”, nomeadamente dormir em quarto calmo e escuro, diminuir o consumo de álcool e cafeína, bem como fazer a evicção da luz.
Os trabalhadores que geralmente melhor se adaptam aos turnos noturnos são os mais saudáveis e os que realizam mais sestas. Remuneração acima da média e melhor nível socio- económico- cultural também parecem ajudar na adaptação/ motivação.
O sono diurno menos reparador está associado à exposição matinal (após o turno) à luz, como já se mencionou, o que mantém o relógio circadiano em ritmo de vigília; dentro dos diversos componentes da luz, considera-se que a porção azul da mesma é, neste contexto, a mais importante. O uso de óculos (sobretudo se a sua proteção incidir especialmente neste comprimento de onda) pode atenuar os problemas com o sono, verificando alguns estudos que o trabalhador passa a dormir até cerca de mais uma hora por dia, com mais eficácia e menor fragmentação do sono. A exposição durante o trabalho noturno a cerca de 500 lux de luz branca já prejudica a qualidade do sono posterior. Ainda assim, se o sono se iniciar até às seis horas antes do nadir de temperatura corporal, ele poderá ser mantido por cerca de oito horas seguidas, segundo algumas investigações.
Idade
Por vezes, são os funcionários mais antigos que podem escolher o horário, optando geralmente pelos turnos fixos e, preferencialmente, diurnos. À medida que a idade passa, surge a tendência dos “vespertinos” se transformarem em “matutinos”; contudo, simultaneamente, a idade a avançar parece piorar a adaptabilidade aos turnos noturnos. O sono decai em qualidade entre a terceira e a quinta década de vida, existindo uma certa estabilização por volta da sexta década. Apesar da variabilidade individual, considera-se que a intolerância para os turnos noturnos se intensifica entre os 45 e os 50 anos, devido a fatores cronobiológicos, psíquicos, físicos e sociais.
Síndroma metabólica
A síndroma metabólica é a junção da alteração lipídica (diminuição do bom colesterol ou HDL e aumento os triglicerídeos), aumento da tensão arterial, obesidade abdominal e glicemia alterada; contudo existem várias definições, com diferentes critérios e/ ou cut-offs. Alguns estudos associam o trabalho por turnos noturnos a um aumento da prevalência da síndroma metabólica.
Patologia oncológica
A Agência Internacional de Pesquisa para o Cancro (IARC) classificou o trabalho por turnos noturnos como “provavelmente carcinogénico”, desde 2007, em função do desequilíbrio circadiano que isso implica, com particular destaque para a supressão de melatonina, secundária à exposição à luz.
CONCLUSÕES
Os profissionais da equipa de Saúde Ocupacional possuirão uma mais-valia se conhecerem os princípios básicos da cronobiologia, associados a este contexto, de forma a adquirem competências para a sua prática quotidiana e assim resultarem em benefícios para o trabalhador e entidade empregadora.
BIBLIOGRAFIA
Santos M, Almeida A. Cronobiologia aplicada à Saúde Ocupacional- parte I. Revista Segurança. 2014, julho- agosto, 221:38-41.
Santos M, Almeida A. Cronobiologia aplicada à Saúde Ocupacional- parte II. Revista Segurança. 2014, setembro-outubro, 222: 22-25.
Santos M, Almeida A. Cronobiologia da alimentação/ nutrição, contextualizada à Medicina do Trabalho. Revista Segurança. 2012, julho- agosto, 209: 24-26.