Ribeiro R, Ferreira J, Amador S, Peixoto M, Portela L, Fonnegra J, Rodriguez E. Antigénio específico da Próstata: um rastreio para a Medicina do Trabalho? A propósito de um Caso Clínico. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional online. 2024, 17: esub0428. DOI: 10.31252/RPSO.27.01.2024
PROSTATE SPECIFIC ANTIGEN: A SCREENING FOR OCCUPATIONAL MEDICINE? ABOUT A CLINICAL CASE
TIPO DE ARTIGO: Caso Clínico
AUTORES: Ribeiro R(1), Ferreira J(2), Amador S(3), Peixoto M(4), Portela L(5), Fonnegra J(6), Rodriguez E(7).
RESUMO
Introdução
A neoplasia da próstata é a segunda mais comummente diagnosticada no sexo masculino, destacando-se como fatores de risco bem estabelecidos a idade avançada, a suscetibilidade familiar e étnica. Recentemente, a associação a fatores ambientais ou de estilo de vida tem vindo a ser investigada, abrindo a possibilidade à associação de fatores de risco ocupacionais com uma maior incidência desta patologia. Apesar de controverso por não significar necessariamente a existência de patologia maligna, o antigénio específico da próstata mantém-se como o pilar no rastreio desta doença.
Descrição do caso
Trata-se do caso de um cirurgião de 60 anos, com 36 anos desta atividade profissional, realizando trabalho por turnos e trabalho noturno. No âmbito da vigilância da saúde realizada pela Saúde Ocupacional, é submetido a exames complementares de diagnóstico, detetando-se um aumento do antigénio específico da próstata, que culmina na realização de biópsia, confirmando o diagnóstico de adenocarcinoma da próstata.
Discussão/Conclusão
O trabalho por turnos e, particularmente, o trabalho noturno, tem vindo a ser investigado como possivelmente carcinogénico, estando, atualmente, classificado pela Agência Internacional para a Investigação em Cancro como “provavelmente carcinogénico para humanos”. Tendo em conta a crescente evidência relacionando fatores ocupacionais com esta e outras neoplasias, poderá fazer sentido incluir rastreios oncológicos nos protocolos de vigilância da saúde dos trabalhadores, em alguns setores. No caso apresentado, a inclusão da medição de antigénio específico da próstata nos exames complementares pedidos pela Saúde Ocupacional permitiu um diagnóstico atempado, com deteção e tratamento da doença numa fase precoce.
Palavras-chave: saúde ocupacional, neoplasia da próstata, trabalho por turnos.
ABSCTRACT
Introduction
Prostate neoplasia is the second most diagnosed cancer in men, having well established risk factors such as advanced age, familial and ethnic susceptibility. Recently, the association with environmental or lifestyle factors has been investigated, opening the possibility of certain occupational risk factors being associated with a higher incidence of this disease.
Although controversial, as it does not necessarily imply a malignant etiology, prostate-specific antigen remains the mainstay in screening for this disease.
Case report
This is the case of a 60-year-old surgeon with 36 years of professional history, including shift and night-work. As part of the health surveillance carried out by Occupational Medicine, he underwent complementary diagnostic tests and an increase in prostate-specific antigen was detected, culminating in a biopsy which ultimately confirmed the diagnosis of prostate adenocarcinoma.
Discussion/Conclusion
Shift work, and particularly night work, has been investigated as a possible carcinogen and is currently classified by the International Agency for Research on Cancer as “probably carcinogenic to humans”. Given the growing evidence linking certain occupational factors with this and other neoplasms, it may be sensible to include cancer screening in workers’ health surveillance protocols, in some sectors. In the case presented, the inclusion of prostate-specific antigen measurement in the complementary tests requested by Occupational Medicine allowed for a timely diagnosis, with detection and treatment of the disease at an early stage.
Keywords: occupational health, prostatic neoplasms, shift work schedule.
INTRODUÇÃO
O cancro da próstata é a segunda neoplasia mais comummente diagnosticada no sexo masculino e a principal causa de morte por cancro nos países ocidentais (1) (2). Em Portugal, mantém-se como a neoplasia mais frequente no sexo masculino, com 6759 novos casos em 2020, representando 20% do total de novos casos de cancro, em todas as idades (3).
O teste de antigénio específico da próstata (PSA) consiste no doseamento sérico de uma glicoproteína produzida pelas células epiteliais da glândula prostática, sendo normalmente encontrado no sémen, mas também na circulação sanguínea. Este continua a ser o pilar no rastreio da neoplasia da próstata, sendo que indivíduos com PSA acima de 4 ng/mL têm indicação para ser submetidos a mais exames, uma vez que níveis entre 4 e 10 ng/mL têm uma probabilidade de um em cada quatro de neoplasia. Por outro lado, níveis acima de 10 ng/mL apresentam um risco de neoplasia superior a 50% (2).
A idade avançada, susceptibilidade familiar e étnica são fatores de risco bem estabelecidos para a neoplasia da próstata (1). Porém, verificou-se que indivíduos de origem asiática que migraram para os Estados Unidos da América (EUA) apresentam um risco 50% menor de neoplasia da próstata quando comparados com os seus homólogos descendentes de asiáticos nascidos nos EUA, sugerindo um papel para os fatores ambientais e/ou relacionados com estilos de vida (4) e possivelmente também com fatores ocupacionais. De facto, uma meta-análise recente estudou a relação entre várias exposições ocupacionais e o cancro da próstata, demonstrando uma associação causal positiva para exposição a pesticidas, crómio e trabalho por turnos, sendo este último associado a maior risco (5). Estes achados corroboram os de outra meta-análise, que já tinha identificado uma associação positiva entre a prestação de trabalho noturno e o risco de cancro da próstata (6).
DESCRIÇÃO DO CASO
Trata-se do caso de um médico cirurgião do sexo masculino, de 60 anos, com 36 anos de experiência nesta atividade, nunca tendo tido qualquer outra atividade profissional. Não apresentava antecedentes familiares da cancro da próstata.
Como fatores de risco na sua atividade de trabalho destacavam-se o trabalho por turnos noturnos (ao longo de mais de 20 anos), apresentando também exposição a agentes biológicos (inerente à prestação de cuidados de saúde a doentes) e biomecânicos.
O trabalhador foi observado em Exame Ocasional de Saúde Ocupacional no contexto de regresso ao trabalho após período de isolamento por infeção COVID-19 assintomática. À data não apresentava qualquer queixa de saúde. Objetivamente, apresentava ligeiro sobrepeso (índice de massa corporal de 26Kg/m2), sem outras alterações ao exame semiológico. Com vista a atualizar a sua vigilância da saúde, foram requisitados exames complementares de diagnóstico (análises ao sangue e urina e eletrocardiograma) e ficou com novo agendamento no Serviço de Segurança e Saúde do Trabalho (SSST), a fim de realizar Exame Periódico. Neste, mantinha-se assintomático, porém, analiticamente, apresentava ligeira elevação do PSA (PSA total 4.10 ng/mL, PSA livre 0.64 ng/mL; razão livre/total 0.16). Após prova confirmatória (repetição do PSA total e livre duas semanas depois, mantendo-se sobreponível), foi encaminhado a consulta de Urologia, à qual faltou, optando por manter-se em autovigilância, realizando múltiplas análises com medição de PSA ao longo de um período de aproximadamente um ano. Estas análises apresentaram resultados flutuantes (PSA total variável entre 3.48 e 5.05 ng/mL), com a maioria dos resultados acima dos valores de referência. Neste contexto, optou por finalmente recorrer à consulta de Urologia e, através desta, realizou ressonância magnética da próstata identificando-se uma hiperplasia glandular nodular, assim como “lesão PI-RADS 4, na transição ápex/terço médio periférico esquerdo, a definir por histologia”. Neste contexto, foi submetido a biópsia prostática guiada por ecografia, cuja análise anátomo-patológica revelou adenocarcinoma da próstata, grau 3+3 (Score 6 de Gleason). O trabalhador manteve seguimento em consulta particular da especialidade, tendo sido submetido a tratamento cirúrgico da lesão. Atualmente, mantém-se em recuperação sob incapacidade temporária absoluta, apresentando indicação para ser presente a EO, quando regressar ao trabalho.
DISCUSSÃO/CONCLUSÃO
A inclusão de rastreios oncológicos nos Protocolos de Vigilância da Saúde Ocupacional é um tema controverso. Entre os múltiplos fatores ambientais que contribuem para o risco de neoplasia, provavelmente enquadrar-se-ão alguns fatores ocupacionais. Porém, um dos obstáculos em obter evidência forte no estabelecimento de associações entre fatores ocupacionais e alguns efeitos na saúde, prende-se com a heterogeneidade na avaliação das exposições ocupacionais, sendo que, no caso do trabalho por turnos noturnos, existe uma grande variabilidade na definição destes conceitos nos diferentes estudos (5).
Ainda assim, a forma como o trabalho está organizado tem vindo a ser investigada como possivelmente carcinogénica. A Agência Internacional para a Investigação em Cancro (IARC) publicou recentemente a primeira monografia específica para o fator de risco “Trabalho Noturno”, categorizando-o no grupo 2A – “provavelmente carcinogénico para humanos”. Apesar de existir evidência limitada em humanos, demonstrou-se uma associação positiva com a neoplasia da mama, próstata, cólon e reto; assim como foi considerado existir evidência suficiente demonstrando o efeito carcinogénico de alterações no horário luz/escuridão, em estudos experimentais em animais (7).
Um estudo caso-controlo de base populacional encontrou não só uma associação positiva entre risco de neoplasia da próstata e prestação de trabalho no setor médico, dentário e veterinário, com destaque para os médicos e inclusive eventual risco acrescido de neoplasia agressiva, definida como pontuação de Gleason igual ou superior a oito (8).
O rastreio de cancro da próstata mantém-se um dos temas mais debatidos da literatura em Urologia. Apesar de se associar a um aumento de diagnósticos, particularmente de doença localizada (menos avançada), não foi demonstrado que se associe a um aumento da sobrevida. Atualmente, existe evidência para recomendar a deteção precoce desta neoplasia em homens bem informados sobre os riscos e benefícios do rastreio, e que apresentem um dos seguintes: apresentem mais de 50 anos de idade; apresentem mais de 45 anos de idade e tenham história familiar de cancro da próstata ou sejam de descendência africana; apresentem mais de 40 anos de idade e sejam portadores de mutação BRCA2 (1).
No caso apresentado, trata-se de um trabalhador altamente diferenciado, que foi submetido a análise de PSA incluída no Protocolo de Vigilância da Saúde, para trabalhadores do sexo masculino acima dos 50 anos de idade nesta população. O diagnóstico atempado, neste caso, permitiu a deteção de neoplasia localizada e de baixa agressividade, possibilitando o tratamento, que o trabalhador aceitou, numa fase precoce da doença, com menor risco de complicações.
Em Portugal, de acordo com a Lei 102/2009 de 10 de setembro (e suas alterações), que estabelece o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, o empregador deve promover a realização de exames de saúde que além de comprovar a aptidão física e psíquica para o exercício da atividade, servem para vigiar a repercussão do trabalho, e condições em que este é prestado, na saúde do trabalhador (9). Face à crescente evidência relacionando o trabalho por turnos e trabalho noturno com esta e outras neoplasias, em alguns setores de atividade nos quais este tipo de organização do trabalho não é passível de eliminação, como é o caso nos profissionais de saúde, poderá fazer sentido incluir rastreios oncológicos nos protocolos de vigilância da saúde desenvolvidos pela Saúde Ocupacional, com vista ao controlo de efeitos adversos e deteção precoce de doença.
QUESTÕES ÉTICAS E/OU LEGAIS
Nada a declarar.
CONFLITOS DE INTERESSE
Os autores declaram não ter qualquer conflito de interesse.
BIBLIOGRAFIA
- Mottet N, Cornford P, Van den Bergh R, Briers E, Eberli D, De Meerleer G et al. EAU Guidelines on Prostate Cancer. Edição apresentada no Congresso Annual da Associação Europeia de Urologia de 2023 (Milão). European Urology. Disponível em: https://uroweb.org/guidelines/prostate-cancer.
- Sekhoacha M, Riet K, Motloung P, Gumenku L, Adegoke A, Mashele S. Prostate Cancer Review: Genetics, Diagnosis, Treatment Options and Alternative Approaches. Molecules. 2022; 27(17): 5730. Doi: 10.3390/molecules27175730.
- International Agency for Research on Cancer. Global Cancer Observatory: Globocan 2020 – Portugal. 2021. Disponível em: https://gco.iarc.fr/today/data/factsheets/populations/620-portugal-fact-sheets.pdf
- Cook L, Goldoft M, Schwartz S, Weiss N. Incidence of adenocarcinoma of the prostate in Asian immigrants to the United States and their descendants. Journal of Urology. 1999; 161:152–155. PMID: 10037388;
- Krstev S, Knutsson A. Occupational Risk Factors for Prostate Cancer: A Meta-analysis. Journal of Cancer Prevencion. 2019; 24(2): 91-111. Doi: 10.15430/JCP.2019.24.2.91.
- Rao D, Yu H, Bai Y, Zheng X, Xie L. Does night-shift work increase the risk of prostate cancer? A systematic review and meta-analysis. Oncotargets and Therapy. 2015; 5(8): 2817-2826. Doi: 10.2147/OTT.S89769.
- International Agency for Research on Cancer (IARC). Night shift work: IARC Monographs on the Identification of Carcinogenic Hazards to Humans. 2021; 124: 1–335. Disponível em: https://publications.iarc.fr/Book-And-Report-Series/Iarc-Monographs-On-The-Identification-Of-Carcinogenic-Hazards-To-Humans/Night-Shift-Work-2020%0Ahttps://publications.iarc.fr/593.
- Bijoux W, Cordina-Duverger E, Balbolia S, Lamy P-J, Rebillard X, Tretarre B et al. Occupation and prostate Cancer risk: results from the epidemiological study of prostate cancer (EPICAP). Journal of Occupational Medicine and Toxicology. 2022; 17: 5. Doi: 10.1186/s12995-022-00346-2.
- PORTUGAL. Assembleia da República Portuguesa. Lei n.o 102 de 2009, de 10 de Setembro. 2009 p. 6167–6192. Disponível em: https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei/102-2009-490009.
(1)Rita Ribeiro
Médica interna de formação específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Pós-Graduação em Medicina do Trabalho, pela Escola Nacional de Saúde Pública. MORADA COMPLETA PARA CORRESPONDÊNCIA DOS LEITORES: Serviço de Segurança e Saúde no Trabalho – Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Estr. Forte do Alto Duque, edifício 2, piso 0. 1449-005 Lisboa. E-MAIL: ritaassisribeiro@gmail.com. Nº ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1246-1870
-CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: desenho e elaboração do artigo; pesquisa e revisão bibliográfica; revisão do manuscrito.
(2)João Ferreira
Médico interno de formação específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Pós-Graduação em Medicina do Trabalho, pela Escola Nacional de Saúde Pública. 1449-005 Lisboa. E-MAIL: joaoartur.f@gmail.com/jaferreira@chlo.min-saude.pt
-CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: pesquisa e revisão bibliográfica; revisão do manuscrito.
(3)Susana Amador
Médica interna de formação específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Pós-Graduação em Medicina do Trabalho, pela Escola Nacional de Saúde Pública. 1449-005 Lisboa. E-MAIL: samador@chlo.min-saude.pt
-CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: pesquisa e revisão bibliográfica; revisão do manuscrito
(4)Mário Peixoto
Médico interno de formação específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Pós-Graduação em Medicina do Trabalho, pela Escola Nacional de Saúde Pública. 1449-005 Lisboa. E-MAIL: mpeixoto@chlo.min-saude.pt
-CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: pesquisa e revisão bibliográfica; revisão do manuscrito
(5)Lyda Portela
Médica interna de formação específica em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. 2785-413 Cascais, Portugal. E-MAIL: lpena@chlo.min-saude.pt
-CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: pesquisa e revisão bibliográfica; revisão do manuscrito
(6)Juan Fonnegra
Especialista em Medicina do Trabalho no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central; Assistente Graduado no Serviço de Segurança e Saúde do trabalho no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Pós-Graduação em Medicina do Trabalho, pela Escola Nacional de Saúde Pública. 1449-005 Lisboa. E-MAIL: jfonnegra@chlo.min-saude.pt
-CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: revisão do manuscrito.
(7)Elvira Rodriguez
Diretora do Serviço de Segurança e Saúde no Trabalho do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental; Médica especialista em Medicina do Trabalho. 2710-704 Sintra. E-MAIL: eperea@chlo.min-saude.pt. Nº ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7993-2032
-CONTRIBUIÇÃO PARA O ARTIGO: revisão do manuscrito.